Queridos irmãos reunidos neste Encontro Fraterno de janeiro de 2025:
quando era mais novo, isto é, quando andava percorrendo os corredores deste nosso querido seminário missionário de Viana, a conselho do P. David Castro, li o livro «O Meu Pé de Laranja Lima», de José Mauro de Vasconcelos. Posso confessar-vos que gostei imenso. Até houve uma frase que me marcou muito e que ainda hoje me volta frequentemente à memória e me faz pensar. Quando os pais da criança mudam de casa, ela faz a seguinte reflexão: «Casa nova. Esperanças simples, simples esperanças…».
Lembro-me ainda que achei a frase muito derrotista, sem hipóteses de futuro, de felicidade; pareceu-me, também, que não era aquilo que eu sentia no Seminário, porque ao contrário da «casa nova» Deus tinha ali lugar! A Deus era-Lhe permitido estar presente em nós!
Penso que não concordei nada com aquela frase; e quando, hoje, ela me vem à mente, tenho a certeza que não é aquilo que penso, mas também sei que é aquilo que muita gente pensa e vive no seu dia-a-dia.
Hoje, estou certo que Deus é criador, é futuro, é a nossa esperança, nos oferece sempre uma nova hipótese, um novo alento, acredita em nós e nos dá todas as possibilidades para (voltarmos a) ser felizes.
Estamos a começar um novo ano, um tempo que nos é aberto para o inventarmos juntamente com Deus; um tempo que nos é desconhecido e que depende de tantas opções, de tantos condicionalismos, de tantas incógnitas. É, precisamente, tudo isto que faz com que cada ano que começa seja digno de ser enfrentado e inventado com a liberdade que Deus nos proporciona gratuitamente.
Caminhemos em frente!
Vamos, que vamos acompanhados por Deus. Vamos, porque Deus nos desafia e nos proporciona mais este tempo «de esperança». Deus vai à nossa frente, a iluminar-nos o caminho, como fez, outrora, ao povo que ia pelo deserto. E Deus vai provendo a tudo o que nos é necessário: «Coroas o ano com os teus benefícios, por onde passas, brota a abundância» (Salmo 65,12).
E a pergunta que nos pode aparecer é esta: estou a aproveitar o melhor que posso esta nova oportunidade que Deus me dá? Vou com entusiasmo? Apercebo-me, aceito, uso bem tudo o que Deus me propõe para me ajudar a «ir indo»?
Uma das coisas que Ele, hoje, nos propõe, mais concretamente no texto da primeira leitura, é que nos deixemos conduzir, apenas, pelo seu Espírito, pois só Ele nos pode levar a reconhecer, seguramente, que Jesus Cristo é o seu Filho unigénito e a praticar o amor que Ele veio instaurar entre nós.
Pelo espírito do Mundo não chegamos lá…
Por isso, importa ver por qual espírito nos deixamos inspirar em relação a Cristo e aos irmãos. Que espírito me move nas minhas boas obras e apostolado? Pois, só os que sabem agir pelo Espírito de Deus, são capazes de dar ao Senhor «povos em herança», como rezávamos no Salmo.
A outra Sua proposta é de, na nossa ação pastoral, não deixarmos ninguém de fora, ainda que possamos surpreender e escandalizar alguém… Mas, afinal, não foi essa a atuação do Seu Filho?
Jesus não inicia a Sua missão em Jerusalém, o centro religioso, social e político de Israel, mas sim na «Galileia dos povos», terra de gentios, indicada pelo profeta Isaías. A Sua missão começou numa zona periférica, numa região desprezada pelos judeus piedosos, devido à presença de diversas populações estrangeiras.
Jesus enfrenta, corajosamente, este ambiente urbano, esta mistura de etnias, culturas e religiões. Sai ao seu encontro, na certeza de que Deus habita na cidade, a começar pelos carenciados. Sai para Se encontrar, para ouvir, para abençoar, para caminhar com as pessoas…
Ao longo deste ano, estas atitudes, e tantas outras, hão-de dar forma à nossa vida, desde o nosso carisma e espiritualidade. Partindo da Galileia, Jesus ensina-nos a estarmos atentos às mais variadas periferias existenciais para a todos alcançarmos, a todos tocarmos!
Como bem sabeis, amados irmãos, nos Evangelhos, vem-nos contada uma história acerca de uma figueira. Revela-se aí um Deus que é justo, que nos chama a atenção para tanto que nos dá e que nos pergunta o que fazemos com tudo isso. Mas é também um Deus que dá sempre outra oportunidade (mais este ano…), para nos poder continuar a entusiasmar, a «esperançar», a ver «se é desta» que nos resolvemos a pôr a render tantas e tantas capacidades recebidas.
Seremos felizes se pudermos louvar o nosso Deus no fim deste novo ano que agora começa, tal como Moisés o fez, no final da sua vida na nossa terra:
«Escutai, ó céus, que eu vou falar,
ouça a terra as palavras da minha boca.
Derrame-se como chuva o meu ensinamento,
espalhe-se como orvalho a minha palavra,
como aguaceiros sobre a erva,
como chuvisco sobre a relva!
Eu vou proclamar o nome do Senhor,
enaltecei a grandeza do nosso Deus!
Ele é o rochedo, perfeitas são as suas obras.
Todos os seus caminhos são justiça!
Deus fiel, sem iniquidade, Ele é justo e reto».
(Deuteronómio 32,1-4)
Amen.
P. Vasco Nuno Costa, Prov.
Homilia na Igreja do Carmo de Viana do Castelo, janeiro 6 de 2025


