Deus não pode padecer, mas pode-se compadecer. O homem tem para Deus um valor tão grande que Ele mesmo Se fez homem para poder padecer com o homem, de modo muito real, na carne e no sangue, como nos é demonstrado na narração da Paixão de Jesus.
A partir de lá entrou em todo o sofrimento humano alguém que partilha o sofrimento e a sua suportação; a partir de lá se propaga em todo o sofrimento a con-solatio, a consolação do amor solidário de Deus, surgindo assim a estrela da esperança. Certamente, nos nossos inúmeros sofrimentos e provas sempre temos necessidade também das nossas pequenas ou grandes esperanças – de uma visita amiga, da cura das feridas internas e externas, da solução positiva de uma crise, etc. Nas provações menores, estes tipos de esperança podem mesmo ser suficientes. Mas, nas provações verdadeiramente graves, quando tenho de assumir a decisão definitiva de antepor a verdade ao bem-estar, à carreira e à propriedade, a certeza da verdadeira grande esperança, de que falámos, faz-se necessária.
Para isto, precisamos também de testemunhas, de mártires, que se entregaram totalmente, para que no-lo manifestem, dia após dia. Temos necessidade deles para preferirmos, mesmo nas pequenas alternativas do dia-a-dia, o bem à comodidade, sabendo que precisamente assim vivemos a vida de verdade. Digamo-lo uma vez mais: a capacidade de sofrer por amor da verdade é medida de humanidade. No entanto, esta capacidade de sofrer depende do género e da grandeza da esperança que trazemos dentro de nós e sobre a qual construímos. Os santos puderam percorrer o grande caminho do ser-homem no modo como Cristo o percorreu antes de nós, porque estavam repletos da grande esperança.
(Bento XVI, Spe Salvi, 39)