A confiança no Amor Misericordioso de Jesus

Introdução

«Teresinha é uma das santas mais conhecidas e amadas em todo o mundo. Como sucede com São Francisco de Assis, é amada até por não-cristãos e não-crentes. Foi também reconhecida pela UNESCO entre as figuras mais significativas para a humanidade contemporânea. Far-nos-á bem aprofundar a sua mensagem, ao comemorarmos o 150º aniversário do seu nascimento que teve lugar em Alençon a 2 de janeiro de 1873 e o centenário da sua beatificação (29/ de Abril de 1023)»[1]. «O núcleo da sua mensagem é o próprio mistério de Deus Amor, de Deus Trindade… o amor misericordioso das três Pessoas divinas» (J. Paulo II).

A 17 de Setembro de 1896, Teresa de Lisieux, escreveu uma carta à sua Irmã Maria do Sagrado Coração, que inspirou a Exortação Apostólica do Papa Francisco sobre a confiança no amor misericordioso de Deus por ocasião do 150º aniversário do nascimento de Santa Teresa do Menino Jesus e da santa Face.

«C’EST LA CONFIANCE et rien que la confiance qui doit nous conduire à l’Amour – só a confiança e nada mais do que a confiança tem de conduzir-nos ao Amor» (Ct 197). Estas palavras tão incisivas de Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face dizem tudo, sintetizam a genialidade da sua espiritualidade e seriam suficientes para justificar o facto de ter sido declarada Doutora da Igreja. Só a confiança e «nada mais»… Não há outra via que devamos percorrer para ser conduzidos ao Amor que tudo dá. Com a confiança, a fonte da graça transborda na nossa vida, o Evangelho faz-se carne em nós e transforma-nos em canais de misericórdia para os irmãos. É a confiança que nos sustenta cada dia e nos manterá de pé diante do olhar do Senhor, quando nos chamar para junto de Si: “Na noite desta vida, aparecerei diante de Vós com as mãos vazias, pois não Vos peço, Senhor, que conteis as minhas obras. Todas as nossas justiças têm manchas aos vossos olhos. Quero, portanto, revestir-me com a vossa própria Justiça, e receber do vosso Amor a posse eterna de Vós mesmo” (Or 6)»[2].

A «confiança»[3] é uma «virtude familiar»[4]. Na casa dos pais de Teresa, Luís Martin e Zélia Guérin, a confiança tinha um lugar de honra e era praticada em todas as vicissitudes e dificuldades da vida: doenças, lutos, ameaças de guerra ou de morte, educação e futuro dos filhos, e enfim na própria morte. Teresa herdou esta virtude familiar»[5].

O que é a confiança e o que é o abandono, segundo Santa Teresinha?

«A confiança teresiana é uma síntese de toda a vida teologal; nasce da fé na bondade de Deus, corre pelo leito da esperança e desagua no Amor ao qual quer unir-se mais intensamente. (…) Sobre a terra, a última palavra só pode ser a esperança. Porque o amor verdadeiro, pela sua própria natureza, leva a desejar mais. A esperança é o amor que aspira. É o amor que, do cimo da casa, estende as mãos suplicantes para o Céu. Pela esperança, o amor estende-se para além da sua própria dimensão e cresce. Neste sentido, Teresa especifica que o seu caminho é feito de “confiança amorosa” (Ct 261): confiança é o substantivo que exprime a essência, amorosa é o adjectivo que indica o colorido. Quando perguntam a Teresa em que consiste exactamente o seu pequeno caminho, ela responde: “É o caminho da confiança e do abandono total” (UC/OP, Julho). Em certo sentido, poder-se-ia dizer que a esperança é apenas a penúltima palavra nesta terra. A última palavra é-nos dita por Jesus, no momento do nosso encontro definitivo. A última palavra na terra, resposta à nossa esperança, volta ao Amor com A maiúsculo e coincide, em plenitude, com a primeira Palavra de Deus no Céu»[6].

O amor, que nos faz comungar com a presença de Deus nos acontecimentos, exprime-se pelo abandono amoroso à vontade de Deus no momento presente:

«O abandono é o que nos entrega a Deus. Ainda sou muito nova, mas parece-me que por vezes sofri muito. Oh! então, quando tudo se enredava, quando o presente era tão doloroso e o futuro me parecia ainda mais sombrio, eu fechava os olhos e abandonava-me como uma criança nos braços do Pai que está nos céus»[7] .

«A confiança – escreve o P. Eugénio Maria – é a esperança teologal toda impregnada de amor; o abandono é a confiança que não se exprime só por actos distintos mas que criou uma atitude de alma»[8].

Jesus proclamou o Evangelho da confiança: «Visto que nos custa confiar, porque fomos feridos por tantas falsidades, agressões e desilusões, ele sussurra-nos ao ouvido: «Filho, tem confiança» (Mt 9, 2); «Filha, tem confiança» (Mt 9, 22). Trata-se de vencer o medo e de tomar consciência de que, com Ele, não temos nada a perder. A Pedro, que estava desconfiado, «Jesus estendeu-lhe a mão, segurou-o e disse-lhe: […] “Porque duvidaste?”» (Mt 14, 31). Não tenhas medo. Deixa-O aproximar-se e sentar-se ao teu lado. Podemos duvidar de muitas pessoas, mas não d’Ele. E não te paralises por causa dos teus pecados. Recorda-te que muitos pecadores «sentaram-se com Ele» (Mt 9, 10) e Jesus não se escandalizou com nenhum deles. Os elitistas da religião queixavam-se e chamavam-Lhe «glutão e bebedor de vinho, amigo de cobradores de impostos e pecadores» (Mt 11, 19). Quando os fariseus criticavam esta sua proximidade com as pessoas consideradas humildes ou pecadoras, Jesus dizia-lhes: «Prefiro a misericórdia ao sacrifício» (Mt 9, 13)[9].

Santa Teresa de Jesus, mãe e mestra espiritual de Santa Teresa do Menino Jesus da Santa Face conta-nos a sua experiência da bondade de Deus – «vejam o que fez comigo» – para com ela e exorta-nos a confiar sempre na bondade de Deus.

«Confie na bondade de Deus, que é maior de que todos os males que podemos fazer e não se lembra da nossa ingratidão, quando, reconhecendo o que somos, queremos voltar à Sua amizade. Nem se recorda das mercês que nos tem feito para por elas nos castigar; antes ajudam a perdoar-nos mais depressa, como a gente que já era de Sua casa e tem comido – como dizem – o seu pão. Lembrem-se das Suas palavras e vejam o que fez comigo: mais me cansei eu de O ofender, que Sua Majestade de me perdoar. Nunca Ele se cansa de dar nem se podem esgotar Suas misericórdias; não nos cansemos nós de receber. Seja bendito para sempre, amen, e louvem-n’O todas as criaturas» (V 19, 15).

São João da Cruz ensina-nos a «dinâmica da confiança» em Deus que «tudo alcança»: «Sem este vestido da esperança em Deus só, é em vão, que a alma se teria lançado à conquista do amor. Não teria obtido nada, porque só a esperança a toda a prova vence» (2 N 21, 8). «A esperança perfeita obtém tudo de Deus» (2 N 21, 8). «Não nos cansemos de rezar, a confiança faz milagres» (Ct 129). «A contemplação pura consiste em receber» (CH 3, 36). «A alma há-de andar só com advertência amorosa a Deus… passivamente… com a advertência amorosa, simples e singela, como quem abre os olhos com advertência de amor» (CH 3, 33). A contemplação mística, enquanto «ciência de amor», ensinada «sem ruído de palavras», é uma «inteligência sem ruído de vozes; e assim se goza nela a suavidade da música e a quietude do silêncio» (CB 14, 25). A «atenção amorosa» a Deus» é «sabedoria de Deus secreta ou escondida, na qual, sem ruído de palavras… como em silêncio e em quietude… Deus ensina ocultíssima e secretissimamente a alma sem ela saber como» (CH 39, 12).

Teresa de Lisieux, que tinha uma grande compreensão do mistério de Deus, objecto da virtude teologal da esperança (confiança). O movimento da esperança, para a posse do Amor, domina a vida de Teresa de Lisieux. A esperança é a virtude do caminho para Deus.

A audácia inquebrantável, alimentada pela esperança (confiança) de atingir o fim do Amor Misericordioso, é o carisma da sua experiência, vocação e missão na Igreja.

Teresa confia em Deus, esperando na sua acção poderosa: «Deus sempre me socorreu, ajudou-me e conduziu-me pela mão desde a minha tenra infância, Conto com ele. Estou segura que continuará o seu socorro até ao fim» (UC 27. 5. 2). «Tenho a certeza de que Deus nunca me abandonará» (UC 4. 7. 3). Habitada pela confiança total na Misericórdia infinita de Deus pode realizar os desejos mais secretos da sua alma (Ct 201) e guiar toda a sua vida no amor preveniente do Pai para com o filho. A sua «corrida de gigante» é um dom da misericórdia infinita de Deus, mediante o nosso «grande esforço» (UC 8. 8. 3).

Utiliza a sua impotência para atrair a acção de Deus. É o fruto da graça do Natal no seu coração. É nesta base que cresce a sua esperança e a doutrina do pequeno caminho. Viveu a esperança de amar mais cada dia na esperança de cada dia ser mais amada (P 31, 6).

«O pequeno caminho é uma dinâmica da esperança, inspirada pela fé, comprometida no amor. É uma expressão e, sobretudo, uma realização da própria essência do Evangelho, o dom da misericórdia dirigido a todos, mas, em primeiro lugar, aos pecadores, aos humildes, aos que estão na miséria, mesmo no pecado»[10].

1. O caminhito da confiança e do amor

É a própria Teresa que apresenta, em resumo, os fundamentos da sua confiança ilimitada na Misericórdia de Deus. A confiança é o caminho de Teresa: «O meu caminho é todo de confiança e de amor, não compreendo as almas que têm medo de um Amigo tão terno» (Ct 226); «o caminho da confiança simples e amorosa» (Ct 261). A confiança filial é a alma e o clima da sua oração[11]: «Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado para o Céu, é um grito de gratidão e de amor tanto no meio do sofrimento como no meio da alegria; enfim, é algo de grande, de sobrenatural, que me dilata a alma e me une a Jesus» (C 25 r). Teresa, confiando na misericórdia de Deus, «eleva-se para Ele pela confiança e pelo amor» (C 36 v).

«Estávamos mergulhadas numa grande dor por causa da nossa pobre Leónia; era como uma verdadeira agonia, Deus que queria experimentar a nossa fé, não nos enviava qualquer consolação e quanto a mim não conseguia fazer outra oração a não ser a de Nosso Senhor na cruz: «Meu Deus, meu Deus, porque nos abandonastes!» (Mt 27, 46) Ou então como no jardim da agonia: «Meu Deus, faça-se a vossa vontade e não a nossa» (Lc 22, 42» (Ct 178).

1. 1. O «caminho do amor»

«Como a Madalena, inclinando-se sem cessar junto do túmulo vazio, acabou por encontrar o que procurava, assim eu, abaixando-me até às profundezas do meu nada, elevei-me tão alto que pude atingir o meu fim… Sem desanimar, continuei a leitura, e consolou-me esta frase: «Procurai com ardor os dons mais perfeitos, mas vou mostrar-vos ainda um caminho mais excelente». E o Apóstolo explica como todos os dons mais perfeitos nada são sem o Amor…, que a Caridade é o caminho excelente que conduz seguramente a Deus. Finalmente encontrara o repouso» (C 3 r-v).

No dia da sua profissão religiosa, pediu a Jesus «o amor infinito sem outro limite para além de Ti… o amor que já não seja eu mas Tu, meu Jesus» (Or 2). Deseja o «perfeito amor», o «martírio de amor» (Or 6), a «plenitude do Amor» (B 4 v). Teresa foi crescendo no amor: «Vejo com alegria que, amando-O, o coração se dilata, e que pode dar incomparavelmente mais ternura àqueles que lhe são queridos, do que se se tivesse concentrado num amor egoísta e infrutífero» (C 22 r). «Dando-se a Deus, o coração não perde a sua ternura natural; pelo contrário, essa ternura aumenta, tornando-se mais pura e divina» (C 9 r).

«Ó meu Jesus, é talvez uma ilusão, mas parece-me que não podeis cumular nenhuma alma com mais amor do que cumulastes a minha… Cá na terra, não posso conceber maior imensidade de amor do que a que Vos dignastes prodigar-me gratuitamente, sem nenhum mérito da minha parte» (C 35 r).

Sente-se atraída pela Misericórdia de Deus: «A mim deu-me a sua Misericórdia infinita, e é através dela que contemplo e adoro as demais perfeições divinas» (A 83 v). É uma percepção objectiva do rosto e do coração de Deus como «amor misericordioso»: não é um privilégio concedido a Teresa, mas um evangelho universal. É a chave de leitura da sua vida e obra (Ct 266)[12]. O que é o Amor Misericordioso de Jesus? – Uma «perfeição divina», um «espelho inefável» para contemplar que Deus é Amor Misericordioso. O Amor Misericordioso da Trindade é o Espírito Santo; o «Espírito de Amor» que fez «arder o seu coração» na via-sacra (UC 7. 7. 2) e que ela suplicava para si cada dia no seu pequeno Pai Nosso para poder «amar Jesus e fazê-lo amar» (Ct 220). A «Misericórdia» é o Amor infinito de Deus à sua criatura» (A 2 v). «Não é a misericórdia o ‘segundo nome’ do amor, cultivado no seu aspecto mais profundo e terno, na sua atitude de cuidar de toda a necessidade, sobretudo na sua imensa capacidade de perdão?»[13]. Teresa sente o toque da misericórdia de Deus em Jesus (C 36 v). Sente-se outra Maria «cheia de graça»: «Deus carregou-me de graças para mim e para muitos outros» (UC 4. 8. 3).

Quer amar Jesus quanto Ele a ama – «o amor aspira à igualdade de amor, porque o amante não pode estar satisfeito senão sente que ama tanto quanto é amado» (CB 38, 2-3) –, mas Deus nunca é amado na medida com que nos ama, pois «Deus é maior que o nosso coração» (1 Jo 3, 20). Descobre que nunca amamos a Deus como Ele nos ama, com amor precedente e actual, que precisamos da sua graça para O amar. Quanto mais amamos a Deus, mais o queremos amar.

«Bem o sabeis, ó meu Deus, nunca desejei senão amar-Vos; não ambiciono outra glória. O vosso amor precedeu-me desde a minha infância, cresceu comigo, e agora é um abismo, cuja profundidade não consigo sondar. O amor atrai o amor; por isso, meu Jesus, o meu lança-se para Vós, e quereria encher o abismo que o atrai, mas, pobre de mim! nem chega a ser uma gota de orvalho perdida no oceano!… Para Vos amar como Vós me amais, preciso de me servir do vosso próprio amor; só então encontro repouso» (C 35 r).

No poema Como eu quero amar pede o amor de Jesus para O poder amar com o mesmo amor com que me amaste.

«É o teu amor, Jesus, que eu reclamo

É o teu amor que há-de transformar-me

Põe no meu coração a tua chama consumidora

E poderei bendizer-Te e amar-Te.

Sim poderei amar-Te como se ama

E bendizer-Te como se faz no Céu

Amar-Te-ei com o mesmo amor

Com que me amaste, Jesus Verbo Eterno» (P 41, 2).

«Teresinha conclui o Manuscrito A com estas palavras, que são quase as últimas, como se tivesse como tema principal o caminho do amor… Em Janeiro de 1895, pediu-se a Teresa para escrever a história da sua infância. Mas, em Janeiro de 1896 ofereceu à Madre Inês um tesouro muito mais valioso: a história do caminho do amor na sua vida… O caminho do amor, não é tanto ou não principalmente o caminho do amor que Teresinha percorre, é sobretudo o caminho que o amor percorre na vida de Teresinha.

Um facto decisivo transtornou a redacção da autobiografia de Teresinha, e que este facto decisivo a levou a descobrir – foi uma revelação – que a história da sua vida era a história do amor de Deus na sua vida. Isto aconteceu a 9 de Junho de 1895, domingo da Santíssima Trindade. O facto decisivo, antes de ser o oferecimento de Teresinha ao amor misericordioso, é a revelação do amor misericordioso: «Este ano, no dia 9 de Junho, festa da Santíssima Trindade, recebi a graça de compreender mais do que nunca quanto Jesus deseja ser amado» (A 84 r). Eis o facto decisivo: receber esta revelação de que Jesus deseja ser amado. Durante a Missa de 9 de Junho de 1895, Teresinha experimenta a fulguração de uma chamada, à qual responde imediatamente: oferecer-se ao amor. Oferecer-se ao amor, não para experimentar a doçura do amor, mas, numa lógica recorrente da espiritualidade de Teresinha, para «agradar» a Jesus[14].

Para Teresinha descobrir – ou seja experimentar – a misericórdia é deixar-se deslumbrar por esta chamada: Jesus deseja ser amado e depende de mim dar-lhe este amor. Deixar que Jesus dê o seu amor, deixar que Jesus seja em mim, para mim, o que ele é em si mesmo… Oferece-se à misericórdia para dar amor a Jesus, para lhe permitir realizar a sua obra de salvação em nós. «Como é fácil agradar a Jesus, encantar o seu coração, basta amá-l’O sem olhar para nós mesmas» (Ct 142). Dois dias depois da entrega espontânea durante a Missa, Teresinha fez um oferecimento mais solene, para o qual compôs uma oração específica, uma oração de oferecimento. É a sua resposta à revelação recebida: o amor revela-se; num instante, Teresinha oferece-se espontânea e incondicionalmente; depois, passados uns dias, faz o seu acto de oferecimento.

Na sexta-feira, 14 de Junho, enquanto fazia a via-sacra, recebeu uma graça única, sentir este fogo de amor no seu coração (UC 7, 7. 2). A graça de 14 de Junho de 1895 pode ser considerada como uma graça de confirmação da revelação do amor e da recepção, por Deus, do oferecimento de Teresinha. Trata-se de uma experiência de quem é Deus e de quem é Deus para ela: o único que a acompanha onde está, que tem em conta a sua debilidade, que a salva, que deseja amá-la e ser amado por ela. O oferecimento ao amor misericordioso, ponto culminante da sua autobiografia, converte-se na principal chave de interpretação do Manuscrito A.

O oferecimento de Teresinha ao amor misericordioso responde à tomada de consciência do desejo de Jesus de ser amado: «Quanto mais não desejará o vosso Amor Misericordioso abrasar as almas, pois a vossa Misericórdia eleva-se até aos Céus» (A 48 r). Para Teresinha já não se trata de satisfazer primeiro o seu próprio desejo, mas de satisfazer o desejo de Deus – que é um desejo de se comunicar, de dar o seu amor – oferecendo-se, e assim ver realizados sem medida os seus próprios desejos. Oferece-se ao amor com o único objectivo de permitir a Deus ser o que é: um Deus que deseja amar e ser amado. Por meio do prisma da misericórdia, «até a justiça […] [lhe] parece revestida de amor…» (A 83 v). Por isso, harmoniza a justiça e a misericórdia de Deus. Em nome da sua justiça, Deus considera a nossa fraqueza e é misericordioso para connosco (Ct 226).

A descoberta capital do amor misericordioso no ano de 1895 deu a Teresinha uma chave para interpretar toda a sua existência: foi esta experiência espiritual fundamental que lhe permitiu escrever a «história da [sua] alma» (A 2 r) como um relato coerente, para configurar as suas recordações dando-lhes um significado espiritual, o de uma acção de graças a Deus pela sua incompreensível misericórdia.

É nesta luz que está escrito o prólogo do Manuscrito A: nada pode explicar o mistério de eleição, o mistério das «preferências» (A 2 r) do Senhor por Teresinha, excepto a incompreensível gratuidade do dom de Deus: «Deus sente compaixão de quem entende e usa de misericórdia com quem quer usar de misericórdia. Logo, não depende daquele que quer nem daquele que corre, mas de Deus que usa de misericórdia» (Rm 9, 15-16). Este mistério da vida e da vocação pessoal de Teresinha está ligado ao mistério da vocação da sua família: a autobiografia de Teresinha é também, em certos aspectos, a história sagrada da sua família. Ainda mais amplamente, no surpreendente prefácio do Manuscrito A, a história pessoal de Teresinha vincula-se à história universal da humanidade. Todos, os grandes santos fiéis desde o berço ou os convertidos depois de vidas turbulentas, as crianças ou inclusive o «pobre selvagem» (A 3 r) – quer dizer, o que, sem nenhuma culpa sua, nunca conheceu o Deus de Jesus Cristo – todos eles, como Teresinha, são beneficiários do projecto misericordioso de Deus. Ninguém fica excluído da grande história da vinda de Deus ao homem, uma vinda que se realiza baixando, baixando-se tanto como Deus quer, para manifestar a grandeza da sua misericórdia. O episódio da intercessão por Pranzini mostra que também os pecadores não estão excluídos deste projecto salvador.

«O Senhor procura, especialmente entre as pessoas que Lhe estão consagradas, quem chore os pecados da Igreja e do mundo, fazendo-se instrumento de intercessão por todos… Adoremos, intercedamos e choremos pelos outros: permitiremos assim que o Senhor realize maravilhas. E não temamos! Ele surpreende-nos sempre»[15].

O relato autobiográfico de Teresinha no Manuscrito A, embora forme um todo coerente, é uma narração aberta, que termina com uma pergunta cheia de confiança: «Como acabará esta “História de uma Florzinha branca”? […] Ignoro-o. Mas do que estou certa é de que a Misericórdia de Deus a acompanhará sempre» (A 84 v). Menos de dois anos depois, minada pela tuberculose e oprimida pela provação da fé, Teresinha veria esta confiança passar pelo crisol de uma noite dramática, de cujas profundidades escreveu à sua Madre Prioresa: «Ó minha Madre, nunca experimentei tão bem como o Senhor é bom e misericordioso. Ele não me enviou este sofrimento senão no momento em que tive a força para o suportar; se o tivesse tido mais cedo, creio bem que teria mergulhado no desânimo… Agora ele retira-me tudo quanto pudesse haver de satisfação natural no desejo que tinha do Céu. Caríssima Madre, parece-me que agora nada me impede de levantar voo, pois já não tenho outros desejos grandes, excepto o de amar até morrer de amor» (C 7 v).

E depois destas palavras, no seu caderninho, acrescenta a data na qual escreve: «9 de Junho», aniversário da revelação do amor e do seu próprio oferecimento ao amor… Menos de 4 meses depois, no seu leito de morte, na enfermaria do Carmelo de Lisieux, poderá afirmar: «E não me arrependo de me ter entregado ao Amor. Oh! não, não, não me arrependo, pelo contrário! Nunca teria acreditado que era possível sofrer tanto! Nunca! Nunca! Não sei explicar isto senão pelos ardentes desejos que eu tive de salvar almas» (U 30. 9). O caminho do amor levou-a até este extremo, o caminho do amor chegou nela até este extremo: o extremo do mistério pascal, da noite da qual surge a Vida «por muitos»[16].

1.2. «O caminho da confiança e do amor»

São Cláudio de La Colombière exprimiu a sua esperança na providência divina apoiado na sua confiança em Deus que promete e dá a bem-aventurança eterna.

«Meu Deus, estou tão convencido que velais sobre aqueles que em Vós confiam, e que nada pode faltar a quem de Vós tudo espera, que resolvi viver o futuro sem preocupação alguma, e descarregar sobre Vós todas as minhas preocupações […]. O que nunca perderei é a esperança; conservá-la-ei até ao último instante da minha vida, embora todas as potências infernais se esforcem em vão por me roubar […]. Esperem outros a felicidade das suas riquezas e talentos; confiem na inocência da sua vida, no rigor da sua penitência, no número das suas boas obras ou no fervor das suas orações […]. Quanto a mim, toda a minha confiança está fundada nesta minha mesma confiança. Ela nunca enganou ninguém. […] E assim, estou seguro de que serei eternamente bem-aventurado, porque espero firmemente sê-lo, e é de Vós, ó meu Deus, que o espero»[17].

Teresa aprende de Jesus «a ciência do Amor», «o único bem que ambiciono». Jesus ensina-lhe a atitude, o caminho, para receber o Amor. A «confiança e o abandono» são duas atitudes essenciais da vida de Teresa, e constituem a sua «pequena doutrina» ensinada a Maria (B 1 r) e ao P. Bellière (Ct 258)[18].

«Jesus compraz-se em mostrar-me o caminho que conduz a essa fornalha divina; o caminho é o abandono da criancinha que adormece sem medo nos braços do seu Pai» (Ct 196; B 1 r). O que agrada a Jesus não são os seus ardentes desejos do martírio, mas «vê-la amar a sua pequenez e a sua pobreza, é a esperança cega que tenho na sua misericórdia… Eis o meu único tesouro (Ct 197).

Prossegue na sua explicação do caminho da confiança no Amor e do abandono ao Amor.

«Compreendei que para amar Jesus, para ser a sua vítima de amor, quanto mais fraco se é, sem desejos, nem virtudes, tanto mais puro se está para as operações deste Amor consumidor e transformante… Só o desejo de ser vítima basta, mas é preciso consentir em permanecer pobre e sem forças e aí está a dificuldade» (Ct 197).

E conclui a sua explicação com uma formulação prodigiosa na sua simplicidade e repleta de actualidade: «Só a confiança e nada mais do que a confiança tem de conduzir-nos ao Amor» (Ct 197).

«No dia das minhas núpcias fui verdadeiramente órfã de pai na terra, mas podendo olhar com confiança para o Céu e dizer com toda a verdade: «Pai nosso, que estais nos Céus» (A 75 v).

«Esta aventura, única no género, fez-me crescer na confiança e no amor d’Aquele que, gravando o seu Sinal na minha fronte, o imprimira ao mesmo tempo na da minha querida Celina» (A 82 r).

A evolução do seu movimento da esperança começa a configurar-se como movimento de confiança no amor de Jesus. Demasiado pequena e imperfeita para alcançar por si a plenitude do amor, não é «águia» para fazer «grandes coisas», resta-lhe a esperança, sob a forma de «audacioso e temerário abandono», de se oferecer como vítima ao Amor e confiar sem limites na Misericórdia de Jesus, isto é, esperar em ser aceite como vítima pelo seu Amor, que é o mesmo que dizer, esperar que sejam as próprias asas da Águia divina a vir procurar a avezinha e a levá-la consigo à Mansão do Amor.

«Ó Jesus! deixa-me no excesso do meu reconhecimento, deixa-me dizer-te que o teu amor vai até à loucura… Como queres que perante esta loucura, o coração não se me atire para ti? Como poderia a minha confiança ter limites?… Jesus, sou demasiado pequena para realizar grandes coisas… e a minha loucura pessoal, é esperar que o teu Amor me aceite como vítima… Ó Jesus! se eu pudesse dizer a todas as pequenas almas quão inefável é a tua condescendência!… Sinto que, se por um impossível, encontrasses uma alma mais débil, mais fraca do que a minha, deleitar-Te-ias a cumulá-la de favores ainda maiores, se ela se abandonasse com inteira confiança à tua misericórdia» (B 5 v).

Diante do apelo das missões, Teresa abandona-se inteiramente à vontade de Jesus a seu respeito, pois «o perfeito abandono é o doce fruto do amor» (P 3).

«Há muito tempo que já não me pertenço. Entreguei-me totalmente a Jesus, portanto Ele é livre de fazer de mim o que Lhe agradar» (C 10 v).

«Nesta esperança, que nela reveste a nota de uma confiança segura e amorosa, ela descobre um dinamismo novo», confiança que é o centro do caminho para a«santidade» e o nó do «pequeno caminho»[19].

«Quanto mais o homem avança, mais descobre que tem as mãos vazias e que está longe e separado de Deus por um abismo intransponível. É preciso lançar uma ponte por cima desse abismo… Na nossa margem, o pilar é a humildade da imperfeição e da impotência… Na margem de Deus, é a misericórdia de Deus em que o homem crê. Sobre estes dois pilares é lançada a ponte da confiança amorosa em que Deus vem buscar o homem e o leva para a outra margem»[20].

Já não se apoia, como há seis anos se apoiava, nas suas forças para realizar o sonho do amor, mas apenas na confiança e no abandono à misericórdia de Deus: «Por mim, não conheço outro meio para chegar à perfeição senão o amor» (Ct 109). «Quanto a mim acho a perfeição muito fácil de praticar, porque compreendi que nada há a fazer senão ganhar Jesus pelo coração»(Ct 191)[21].

«Uma das descobertas mais importantes de Teresinha, para bem de todo o Povo de Deus, é o seu «caminhito», o caminho da confiança e do amor, conhecido também como o caminho da infância espiritual. Todos o podem seguir, em qualquer estado de vida, nos mais diversos momentos da existência. É o caminho que o Pai celeste revela aos pequeninos (Mt 11, 25). Teresinha conta a descoberta do caminhito na História de uma alma (C 2r-3v): «Posso, apesar da minha pequenez, aspirar à santidade. Fazer-me crescer a mim mesma é impossível; tenho de suportar-me tal como sou, com todas as minhas imperfeições. Mas quero procurar a maneira de ir para o Céu por um caminhito muito direito, muito curto; um caminhito completamente novo» (C 2r). 

Para o descrever, recorre à imagem do elevador: «O ascensor que me há-de elevar até ao Céu são os vossos braços, ó Jesus! Para isso não tenho necessidade de crescer; pelo contrário, é preciso que eu permaneça pequena, e que me torne cada vez mais pequena» (C 3 v).  Vê-se pequena, incapaz de fiar-se em si própria, embora firmemente certa da força amorosa dos braços do Senhor. É o «doce caminho do amor» (A 84 v), aberto por Jesus aos pequeninos e aos pobres, a todos. É o caminho da verdadeira alegria. Diversamente da ideia pelagiana de santidade[22], individualista e elitista, mais ascética do que mística, que põe o acento principalmente no esforço humano, Teresinha realça sempre o primado da acção de Deus, da sua graça. Assim chega a dizer: «Sinto sempre a mesma confiança audaciosa de me tornar uma grande Santa, pois não conto com os meus méritos, não tenho nenhum, mas espero n’Aquele que é a Virtude, a própria Santidade. Só Ele, contentando-Se com os meus fracos esforços, me elevará até Ele e, cobrindo-me dos seus méritos infinitos, me fará Santa» (A 32 v)[23].

Teresinha sublinha o primado da acção divina e convida à plena confiança, tendo diante dos olhos o amor de Cristo que Se nos deu até ao fim. No fundo, é este o seu ensinamento: como não podemos ter qualquer certeza olhando para nós mesmos, é impossível estar seguros de possuir méritos próprios. Por conseguinte, não é possível confiar nestes esforços ou realizações. O Catecismo quis citar estas palavras de Santa Teresinha dirigidas ao Senhor: «Aparecerei diante de Vós com as mãos vazias» (Or 6), para exprimir que «os santos tiveram sempre uma consciência viva de que os seus méritos eram pura graça» (CIC 2011). Esta convicção suscita uma jubilosa e terna gratidão. Por isso, a atitude mais adequada é depositar a confiança do coração fora de nós mesmos, ou seja, na infinita misericórdia de um Deus que ama sem limites e que deu tudo na Cruz de Jesus[24]

«Perante o Coração de Cristo, é possível voltar à síntese encarnada do Evangelho e viver o que propus há pouco, recordando a amada Santa Teresa do Menino Jesus: «A atitude mais adequada é depositar a confiança do coração fora de nós mesmos, ou seja, na infinita misericórdia de um Deus que ama sem limites e que deu tudo na Cruz de Jesus». Ela viveu-a intensamente porque descobriu no coração de Cristo que Deus é amor: «A mim deu-me a sua Misericórdia infinita, e é através dela que contemplo e adoro as demais perfeições divinas». É por isso que a oração mais popular, dirigida como um dardo ao Coração de Cristo, diz simplesmente: «Eu confio em Vós». Não são necessárias mais palavras»[25].

Daí que Teresa nunca usa a expressão, frequente no seu tempo, «hei-de fazer-me santa». Todavia a sua confiança sem limites encoraja aqueles que se sentem frágeis, limitados, pecadores a deixarem-se conduzir e transformar para chegar ao alto: «Ah! se todas as almas débeis e imperfeitas sentissem o que sente a mais pequena de todas as almas – a alma da vossa Teresinha – nem uma única perderia a esperança de chegar à Montanha do Amor, uma vez que Jesus não pede grandes acções, mas apenas o abandono e a gratidão» (B 1 r)[26].

«Antes da sua entrada no Carmelo, Teresinha experimentara singular proximidade espiritual a uma das pessoas mais desventuradas: o criminoso e impenitente Henrique Pranzini, condenado à morte por triplo homicídio (A 45v-46r).  Oferecendo a Missa por ele e rezando com toda a confiança pela sua salvação, tem a certeza de o pôr em contacto com o Sangue de Jesus e diz a Deus estar certíssima de que, no último momento, Ele o perdoaria, acreditando nisso «mesmo que ele não se confessasse e não mostrasse nenhum sinal de arrependimento». E dá a razão de ser da sua certeza: «tanta confiança eu tinha na misericórdia infinita de Jesus!» (A 46 r). Grande comoção se apodera dela, depois, ao descobrir que Pranzini, tendo já subido ao cadafalso, «levado por uma súbita inspiração, volta-se, agarra o Crucifixo, que o sacerdote lhe apresentava, e beija por três vezes as suas sagradas chagas!» (A 46 r). Esta experiência intensa a ponto de “esperar contra toda a esperança” (Rm 4, 18) foi fundamental para ela: «Ah! a partir desta graça única, o meu desejo de salvar as almas cresceu de dia para dia» (A 46 v)»[27].

A conversão de Pranzini é a primeira comprovação da confiança absoluta no poder misericordioso e infinito de Jesus (A 46r). Confia no Amor do Pai que só quer o bem do filho e abandona-se completamente ao seu Amor Misericordioso. Teresa esperou muito de Deus que «ultrapassou a sua espera, realizou todas as suas esperanças» (C 3r).

Teresa conta-nos a sua experiência e concepção de Deus infinito Amor Misericordioso, a saber, tudo o que Jesus fez por ela.

«Deus fez por mim o que o que o profeta Ezequiel refere nas suas profecias: «Passando a meu lado, Jesus viu que tinha chegado para mim o tempo de ser amada; Ele fez aliança comigo, e tornei-me sua…; estendeu sobre mim o seu manto, lavou-me em perfumes preciosos, revestiu-me com vestes bordadas, dando-me colares e adornos sem preço…; alimentou-me com a mais pura farinha, com mel e azeite em abundância… Com isto, tornei-me bela a seus olhos, e fez de mim uma poderosa rainha!…» Sim, Jesus fez tudo isso por mim» (A 47 r)[28].

O filme da sua vida é a sequência da misericórdia de Jesus para com Teresa.

«Abrindo o Santo Evangelho, os meus olhos depararam com estas palavras: «Jesus, tendo subido a um monte, chamou a Si os que Ele quis; e foram ter com Ele» (Mc 3, 13). Eis todo o mistério da minha vocação, da minha vida inteira e, sobretudo, o mistério dos privilégios de Jesus para com a minha alma… Ele não chama aqueles que são dignos, mas aqueles que quer ou, como diz S. Paulo: «Deus sente compaixão de quem entende e usa de misericórdia com quem quer usar de misericórdia. Logo, não depende daquele que quer nem daquele que corre, mas de Deus que usa de misericórdia» (Rm 9, 15-16)… O Senhor sempre foi compassivo e cheio de bondade para comigo (Sl 22, 1-4)… Tardo em castigar e abundante em misericórdias!… (Sl 102, 8). Por isso, minha Madre, é com prazer que venho cantar junto de vós as misericórdias do Senhor» (A 2r; 3 v).

Jesus, na sua Palavra, ouvida no Espírito, revela-lhe que «Deus é amor» e não justiça vindicativa. O Jesus de Teresa é o «Jesus da paz e do amor».

Jesus fez a experiência do «Abbá», de Deus Pai, não do temor, mas do amor, da justiça e da misericórdia. Sentiu o amor do Pai: «Como o Pai me amou» (Jo 15, 9). Amou o Pai: «Permaneço no Seu amor» (Jo 15, 10). Aos 12 anos vive já a experiência de Deus como Pai: «Não sabíeis que devia estar em casa de Meu Pai? (Lc 2, 4). Jesus confiou no Amor Misericordioso do Pai. Adorou e amou o Pai, abandonou-se nas Suas mãos com infinita confiança (Lc 23, 46). «Eu não estou só, o Pai está sempre comigo» (Jo 8, 29). «Eu e o Pai somos um» (Jo 10, 30) «Mostra-nos o Pai e isso nos basta!» (Jo 14, 8): «Quem Me vê, vê o Pai» (Jo 14, 9). «Eu estou no Pai e o Pai está em Mim» (Jo 14, 10).

Jesus, na sua Palavra, ouvida no Espírito, revela-lhe que «Deus é amor» e não justiça vindicativa. O Jesus de Teresa é o «Jesus da paz e do amor». Possuiu a «paixão de amar Jesus e de o fazer amar pelos pecadores» (A 45 v). Teresa contempla a sua vida à luz do Amor Misericordioso de Jesus: o filme da sua vida contém cenas da misericórdia de Jesus para com ela… a misericórdia de Deus é o resumo de toda a sua vida. «O coração dela [Maria Madalena] compreendeu os abismos de amor e misericórdia do Coração de Jesus… perdão, intimidade, contemplação…. Quando me foi dado compreender… afastou de mim todo o temor» (Ct 247). Da «lei do temor» passou à «lei do amor»: «Sou de um carácter tal, que o temor me faz recuar. Com o amor não avanço apenas, mas voo» (A 80 v). «Chamado a elevar-se para Deus pelos ASCENSOR do amor e não a subir a rude escada do temor» (Ct 258). Fez a experiência da centralidade da misericórdia de Deus na sua vida (A 83 v): «Como é misericordioso o caminho pelo qual Deus sempre me conduziu» (A 71 r).

Teresa sabe-se e sente-se «a filha, objecto do amor previdente de um Pai que não enviou o seu Verbo para resgatar os justos, mas os pecadores».

«Sei que Jesus me perdoou mais que a Sta Madalena, porque me perdoou antecipadamente, impedindo-me de cair… Eu sou essa filha, objecto do amor previdente de um Pai que não enviou o seu Verbo para resgatar os justos, mas os pecadores. Quer que O ame, porque me perdoou, não muito, mas tudo. Não esperou que eu O amasse muito como Santa Madalena, mas quis que EU SOUBESSE como me tinha amado com um amor de inefável previdência, para que agora O ame loucamente!… Ouvi dizer que nunca se encontrou uma alma pura que amasse mais do que uma alma arrependida. Ah! como gostaria de desmentir essa palavra!… (A 38 v-39 r).

«O ato de amor «Jesus, amo-Te», vivido continuamente por Teresa ao ritmo da respiração, é a sua chave de leitura do Evangelho. Com este amor, mergulha em todos os mistérios da vida de Cristo, dos quais se faz contemporânea, habitando o Evangelho juntamente com Maria e José, Maria de Magdala e os Apóstolos. Juntamente com eles, penetra nas profundezas do amor do Coração de Jesus. Vejamos um exemplo: «Quando vejo Madalena avançar na presença de numerosos convidados, banhar com as suas lágrimas os pés do Mestre adorado que toca pela primeira vez, sinto que o coração dela compreendeu os abismos de amor e de misericórdia do Coração de Jesus e que, por muito pecadora que ela seja, este Coração de amor está não só disposto a perdoar-lhe, mas ainda a prodigalizar-lhe os benefícios da sua intimidade divina, e elevá-la até aos mais altos cumes da contemplação» (Ct 247)»[29].

A Justiça de Deus é Amor Misericordioso de Deus. A justiça de Deus é a actividade salvífica, misericordiosa e fiel de Deus para com o homem.

«A mim deu-me a sua Misericórdia infinita, e é através dela que contemplo e adoro as demais perfeições divinas. Assim, todas se me apresentam resplandecentes de amor. A própria Justiça (e talvez mais ainda que qualquer outra) me parece revestida de amor» (A 83 v)[30].

A última frase dos Manuscritos autobiográficos mostra como a confiança de Teresa não se apoia na sua própria virtude, mas na bondade de Deus.

«Não é porque Deus, na sua previdente misericórdia, preservou a minha alma do pecado mortal, que me elevo para Ele pela confiança e pelo amo (C 36 v-37 r).

«Poderia julgar-se que tenho uma tão grande confiança em Deus porque não pequei. Diga claramente, minha Madre, que ainda que eu tivesse cometido todos os crimes possíveis, mesmo assim teria sempre a mesma confiança: sinto que toda essa multidão de ofensas seria como uma gota de água lançada num braseiro ardente. Conte em seguida a história da pecadora convertida que morreu de amor; as almas compreenderão rapidamente, pois é um exemplo tão impressionante daquilo que eu queria dizer, mas estas coisas não podem exprimir-se» (UC 11. 7. 6).

«A confiança é o que mais agrada a Jesus. Se confiamos no coração de um amigo que nos ama, como não confiar no coração de um Deus, onde reside a bondade infinita, da qual a bondade das criaturas é uma pálida sombra? Desconfiar do coração de um Deus que se fez homem, que morreu como malfeitor numa cruz, que diariamente se dá em alimento às nossas almas para se fazer uno com suas criaturas, não é um crime[31] .

Deus foi o primeiro a confiar e a esperar em nós, fica surpreendido com a esperança dos homens, maravilha da sua graça.

«La foi que j’aime le mieux, dit Dieu, c’est l’espérance. La foi, ça ne m’étonne pas.
Ça n’est pas étonnant. J’éclate tellement dans ma création… La charité, dit Dieu, ça ne m’étonne pas.
Ça n’est pas étonnant. Ces pauvres créatures sont si malheureuses qu’à moins d’avoir un cœur de pierre, comment n’auraient-elles point charité les unes des autres… Mais l’espérance, dit Dieu, voilà ce qui m’étonne.
Moi-même. Ça c’est étonnant. Que ces pauvres enfants voient comme tout ça se passe et qu’ils croient que demain ça ira mieux. Qu’ils voient comme ça se passe aujourd’hui et qu’ils croient que ça ira mieux demain matin. Ça c’est étonnant et c’est bien la plus grande merveille de notre grâce. Et j’en suis étonné moi-même…. Ce qui m’étonne, dit Dieu, c’est l’espérance. Et je n’en reviens pas. Cette petite espérance qui n’a l’air de rien du tout. Cette petite fille espérance. Immortelle»[32].

Por isso, é preciso ter confiança em Deus… é preciso ter esperança em Deus…

Il faut avoir confiance en Dieu mon enfant.

Il faut avoir espérance en Dieu.

Il faut faire confiance à Dieu.

Il faut faire crédit à Dieu.

Il faut avoir cette confiance en Dieu d’avoir espérance en lui.

Il faut faire cette confiance à Dieu d’avoir espérance en lui.

Il faut faire ce crédit à Dieu d’avoir espérance en lui.

Il faut faire espérance à Dieu.

Il faut espérer en Dieu, il faut avoir foi en Dieu, c’est tout un, c’est tout le même.

Il faut avoir cette foi en Dieu que d’espérer en lui.

Il faut croire en lui, qui est d’espérer.

Il faut avoir confiance en Dieu, il a bien eu confiance en nous.

Il faut faire confiance à Dieu, il nous a bien l’ait confiance à nous.

Il faut faire espérance à Dieu, il nous a bien fait espérance à nous.

Il faut faire crédit à Dieu, il nous a bien fait crédit à nous.

Quel crédit.

Tous les crédits.

Il faut faire foi à Dieu, il nous a bien fait foi à nous[33].

2. A nova descoberta da Misericórdia infinita

Em todos os seus escritos, Teresinha utiliza a palavra miséricorde («misericórdia») 58 vezes e o adjectivo miséricordieux («misericordioso») 18 vezes[34]. E é quase exclusivamente para falar de Deus. Além disso, na maioria dos casos, utiliza estas palavras nos escritos que datam dos três últimos anos da sua vida, quer dizer, a partir de do mês de Junho de 1895. O uso do léxico da misericórdia, nos escritos de Teresinha, é posterior à revelação de 9 de Junho de 1895. Teresa descobriu a misericórdia no dia da Santíssima Trindade.

«No Evangelho, Teresa descobre sobretudo a misericórdia de Jesus, a ponto de dizer: “A mim deu-me a sua Misericórdia infinita, e é através dela que contemplo e adoro as demais perfeições divinas. Assim, todas se me apresentam resplandecentes de amor. A própria Justiça (e talvez mais ainda que qualquer outra) me parece revestida de amor” (A 83v). Assim se expressa também nas últimas linhas da História de uma alma: “Basta-me lançar o olhar para o santo Evangelho, e logo respiro os perfumes da vida de Jesus, e sei para que lado correr. Não é para o primeiro lugar, mas para o último que eu corro… Sim, estou certa de que mesmo que tivesse na minha consciência todos os pecados que se possam cometer, eu iria com o coração despedaçado de arrependimento lançar-me nos braços de Jesus, pois sei quanto ama o filho pródigo que para Ele volta” (C 36v-37r). “Confiança e amor” são, portanto, o ponto final do relato da sua vida, duas palavras que, como faróis, iluminaram todo o seu caminho de santidade, para poder guiar no seu próprio “pequeno caminho de confiança e amor”, da infância espiritual (Ms C 2v-3r; Ct 226). Confiança como a da criança que se abandona nas mãos de Deus, inseparável pelo compromisso forte, radical do verdadeiro amor, que é o dom total de si mesmo, para sempre, como diz a santa, contemplando Maria: “Amar é tudo dar e dar-se a si mesmo” (P 54, 22). Assim, Teresa indica a todos nós que a vida cristã consiste em viver em plenitude a graça do Batismo, no dom total de si ao amor do Pai, para viver como Cristo, no fogo do Espírito Santo, o seu próprio amor aos outros»[35].

Viveu a fé «mais forte e segura no meio da escuridão da noite e até na escuridão do Calvário… Nos últimos dezoito meses da sua vida padeceu a grande «provação contra a fé»… na qual manifestou o carácter heróico da sua fé e a sua vitória no combate espiritual contra as mais fortes tentações… Renovou continuamente o seu ato de fé no Senhor»[36].

«Juntamente com a fé, Teresa vive intensamente uma confiança ilimitada na misericórdia infinita de Deus, «a confiança [que] tem de conduzir-nos ao Amor» (Ct 197).  Vive, mesmo na escuridão, a confiança total da criança que se abandona sem medo nos braços do pai e da mãe. De facto, para Teresinha, Deus resplandece antes de mais nada através da sua misericórdia, chave de compreensão para qualquer outra coisa que se diga d’Ele: «A mim deu-me a sua Misericórdia infinita, e é através dela que contemplo e adoro as demais perfeições divinas. Assim, todas se me apresentam resplandecentes de amor. A própria Justiça (e talvez mais ainda que qualquer outra) me parece revestida de amor» (A 83 v). Esta é uma das descobertas mais importantes de Teresinha, um dos maiores contributos que prestou a todo o Povo de Deus. De modo extraordinário, penetrou nas profundezas da misericórdia divina e, de lá, retirou a luz da sua ilimitada esperança»[37].

«A doutrina do pequeno caminho descobre-nos a esperança perfeita de Teresa, porque mostra o poder da esperança sobre o coração de Deus, que chama à santidade pelo abandono, na pobreza, à confiança e humildade de coração, na acção do Espírito Santo. A santificação é obra da esperança»[38].

«O Deus que se revela e descobre a Teresa no meio da obscuridade da prova prolongada da fé é o Deus Amor, o Deus Misericórdia, que se dá independentemente de toda a exigência, de todo o direito e de todo o mérito, se é que diante de Deus se pode fazer valer outro direito ou mérito que o do próprio nada e inutilidade».

Teresa contempla a sua vida como pura gratuidade do Amor Misericordioso de Jesus. A «compreensão do amor do Coração de Jesus», que «afastou do coração de Teresa todo o temor» (Ct 247), está na origem da sua vocação eclesial de amor confiante e abandonado ao poder do Amor de Deus e da sua missão de O fazer amar[39].

O amor é o grande desejo que a anima a sua esperança»: «desejo amar-vos e fazer amar-vos»; «a fim de viver num acto de perfeito amor»; «é por amor que olho o céu…» (UC 8. 8. 2). A esperança do Céu: «espero ir gozar de Vós na Pátria» [participação na felicidade de Deus]; «espero parecer-me convosco no Céu» [a glorificação como assemelhação a Jesus]; a «minha alma se lance sem demora para o eterno abraço do Amor misericordioso» [a comunhão eterna do Amor Misericordioso de Deus]. Teresa sempre desejou-esperou o Céu para aí encontrar Deus e também os entes queridos que deixaram já a terra de exílio. A esperança está ao serviço do Amor. A sua esperança abre-se ao Céu e ao Amor, que o habita.

Teresa é esperança do Céu a alcançar no fim da vida; esperança do Amor alcançado e continuará no Céu. Teresa espera ser consumada aqui em baixo no amor: «consumi o vosso holocausto pelo fogo do vosso Divino Amor»[40].

O Ms B é a expressão das suas «esperanças infinitas»: «O Amor que espera tudo» (1 Cor 13, 7). O Ms B é um texto para conhecer a esperança de Teresa em ligação com o seu desejo de amar[41]. «Só o amor é digno de fé»[42] e de esperança: «Maria, se tu nada és não deves esquecer que Jesus é tudo, por isso tens de perder o teu pequeno nada no seu tudo infinito e não pensar mais senão nesse tudo unicamente digno de amor» (Ct 109).

A abundância dos desejos expressa a intensidade do amor a Jesus e à Igreja. A esperança perfeita que nasce do seu amor a Deus. O amor de Deus não limita a sua esperança. Os seus desejos de amar são «maiores que o universo» (B 3 r). A confiança no Senhor animou a sua generosidade no Carmelo. Jesus libertou-a do sofrimento das suas «grandes provações interiores de todas as espécies) até me interrogar, por vezes, se haveria Céu), e da tristeza pelas «suas faltas», no retiro de 1891, pregado pelo P. Alexis Prou que «me lançou a todo o pano sobre as ondas da confiança e do amor, que me atraíam com tanta força, mas sobre as quais não me atrevia a navegar… Disse-me que as minhas faltas não contristavam a Deus, que, estando no seu lugar, me dizia da sua parte que estava muito contente comigo…» (A 80 v)[43].

Em 1893, abandonou a obra da sua santificação nas mãos de Deus e, no Outono de 1894, descobriu o caminhito da confiança na misericórdia divina, que passou a ser o coração da sua vida. A confiança na acção santificadora de Deus constitui o factor fundamental da sua procura da santidade: «Só a confiança e nada mais do que a confiança tem de conduzir-nos ao Amor» (Ct 197). Não são os seus «desejos audaciosos» (B 4 r) que lhe dão «a confiança ilimitada que sente no seu coração» (Ct 197), mas a visão de Deus Amor Misericordioso: «O que lhe agrada é ver-me amar a minha pequenez e a minha pobreza, é a esperança cega que tenho na sua misericórdia… Eis o meu único tesouro» (Ct 197).

Jesus guia-a no caminho da procura da sua vocação de carmelita: «O meu coração batia com muita força, e as minhas preces eram bem ardentes, enquanto Jesus descia às mãos do seu Pontífice. Mas estava cheia de confiança. O Evangelho desse dia continha estas encantadoras palavras: «Não temais, pequeno rebanho, pois foi do agrado do meu Pai dar-vos o reino». Não, eu não tinha receio; esperava que o reino do Carmelo me pertenceria em breve» (A 62 v).

Jesus guia-a, por meio da sua Palavra, para o «último lugar», para a humildade, para amorosa audácia, cheia de confiança, no poder da sua misericórdia: «Não é para o primeiro lugar, mas para o último que eu corro. Em vez de avançar como o fariseu, repito, cheia de confiança, a oração do publicano… Não é porque Deus, na sua previdente misericórdia, preservou a minha alma do pecado mortal, que me elevo para Ele pela confiança e pelo amor» (C 36 v-37 r).

«Ah! perdoa-me Jesus se digo despropósitos querendo exprimir os meus desejos, as minhas esperanças que tocam o infinito»… «perdoa-me e cura-me a alma concedendo-lhe o que ela espera!!!». «Existe o puro amor de facto no meu coração?». Sabe que «amor com amor se paga» e que para amar Jesus tem que lhe pedir emprestado o próprio amor de Jesus. Encontra a resposta aos seus desejos infinitos no próprio amor: só a caridade (1 Cor 12, 31), responde à sua esperança e lhe dá a «chave da sua vocação»: «o meu lugar na Igreja… no Coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o Amor…» (B 3 v). É o amor que espera e espera o amor (UC 13.7.17). É o segredo da esperança e da confiança – de Teresa de Lisieux. O amor fá-la desejar e esperar tudo… O amor fá-la esperar em paz e encontrar o segredo para alcançar mo amor: «ó Farol luminoso do amor, sei como chegar junto de ti, encontrei o segredo de me apropriar da tua chama» (B 3 v). O amor – «chave da sua vocação» (B 3 v) – é também «a chave da esperança teresiana e revela-lhe a perfeição: é só o Amor que a deve guiar até à plena realização dos seus desejos de amar» (B 4 v). Teresa tem experiência disso: «o Amor me penetra e me envolve. Parece-me que a cada instante este Amor Misericordioso me renova, purifica a minha alma e não deixa nela nenhum vestígio de pecado» (A 84 r).

O pensamento do Céu e a esperança de amar sem limites (Ct 166). A sua esperança adquire a medida do seu amor. Na provação da fé, Teresa realiza misticamente a sua vocação de amar e fazer amar o Amor, antes de a realizar, depois da sua morte, na glória do Céu. A provação da sua , alargou a sua esperança às dimensões da sua caridade: «Não posso pensar muito na felicidade que me espera no Céu; uma só esperança faz palpitar o meu coração, é o amor que receberei e que poderei dar» (UC 13. 7. 17). «O que me impele para a Pátria dos Céus é o chamamento do Senhor, é a esperança de o amar enfim como tanto tenho desejado e o pensamento de que O poderei fazer amar por uma multidão de almas que hão-de bendizê-l’O eternamente» (Ct 254). «Sinto que vou entrar no repouso… Mas sinto sobretudo que a minha missão vai começar, a missão de fazer amar a Deus como eu O amo, de dar às almas o meu pequeno caminho» (UC 17. 7).

A natureza da esperança teologal teresiana fá-la desejar, em pobreza espiritual, o próprio Deus: «receber do vosso Amor a posse eterna de Vós mesmo» (Or 6). «É preciso consentir em permanecer pobre e sem forças e aí está a dificuldade» (Ct 197).

Ofereceu a Deus a sua pobreza, e comparece diante de Deus de «mãos vazias». «Sim. Para que o Amor fique plenamente satisfeito, é preciso que Ele se abaixe até ao nada, e transforme esse nada em fogo…» (B 3v), a saber, «a pequena gota de orvalho recolhida pela Flor dos campos» (Ct 141). O poder de transformação do Amor de Deus exige a pobreza de coração… é a esperança teologal que revela a santidade de Teresa, alcançada pela acção transformadora de Deus.

A pobreza espiritual cria as disposições necessárias para a perfeição da esperança. Esperamos a ajuda de Deus e na ajuda de Deus. A nossa esperança será perfeita se for apenas esperança em Deus para chegarmos à santidade, sem nos apegarmos aos seus dons. O fim e o meio da esperança teologal é Deus: esperamos obter a vida eterna, que é a visão de Deus e a fonte da nossa felicidade; esperamos que Deus nos conceda a graça para caminhar para este nosso fim, que é Deus.

Viveu a pobreza espiritual, a humildade de coração, e Deus purificou passivamente a sua esperança. Renunciou a tudo o que a poderia engrandecer aos seus próprios olhos e aos dos outros, e actuou apenas para agradar a Jesus: «O que lhe agrada é ver-me amar a minha pequenez e a minha pobreza, é a esperança cega que tenho na sua misericórdia… Eis o meu único tesouro» (Ct 197).

«Tudo isto requer um coração humilde, que tenha a coragem de se tornar mendigo. Um coração pronto a reconhecer-se pobre e necessitado. Existe, efetivamente, uma correspondência entre pobreza, humildade e confiança. O verdadeiro pobre é o humilde, como afirmava o santo bispo Agostinho: «O pobre não tem de que se orgulhar, o rico tem o orgulho para combater. Portanto, escuta-me: sê um verdadeiro pobre, sê virtuoso, sê humilde» (Discursos, 14, 4). O homem humilde não tem nada de que se vangloriar nem nada a reclamar, sabe que não pode contar consigo próprio, mas acredita firmemente que pode recorrer ao amor misericordioso de Deus, diante do qual se encontra como o filho pródigo que regressa a casa arrependido para receber o abraço do pai (Lc 15, 11-24). O pobre, sem nada em que se apoiar, recebe a força de Deus e coloca n’Ele toda a sua confiança. Com efeito, a humildade gera a confiança de que Deus nunca nos abandonará e não nos deixará sem resposta»[44].

Esperamos, nesta vida, a ajuda de Deus, para obter d’Ele a felicidade eterna. A alma perfeita no amor «não tem esperança noutra coisa senão em Deus» (CB 28, 4): «Quanto mais espera mais alcança» (3 S 7, 2).

«Sede Vós mesmo, ó meu Deus, a minha santidade». Para alcançar a santidade põe toda a sua esperança (= confiança) no poder da acção de Deus nela, aceitando pacificamente a sua pobreza e imperfeição. A acção de Deus purifica a esperança teologal de Teresa, privando-a de outro apoio senão Deus. Os grandes desejos de santidade – «sempre desejei ser uma grande santa» (C 2v) – a sua fraqueza e imperfeição não a desanimam – «posso aspirar à santidade, apesar da minha pequenez» –, a novidade do ascensor permite-lhe expressar a ajuda de Deus – «para me elevar até Jesus… o ascensor que me deve elevar até ao Céu são os vossos braços ó Jesus!» (C 3r). «Os braços de Jesus» – simbolizam o carácter divino e poderoso da ajuda de Jesus – foram o meio da sua santificação.

«A santidade não está nesta ou naquela prática; consiste antes em uma disposição do coração que nos torna humildes e pequenos nos braços de Deus, conscientes da nossa fraqueza, e confiantes até à audácia na sua bondade de Pai» (UC 3. 8. 2, nota 10).

A sua pequenez não é obstáculo à santidade… Teresa não pede a Jesus só que a ajude a subir a difícil escada da perfeição, mas que seja quase e só Jesus (a sua acção) que a leve até Ele, até à perfeição de amar. O esforço de Teresa é apenas colaboração com a actividade de Deus, princípio-meio-fim da sua santidade, que manifesta a sua boa vontade, a mantém na humildade, e fá-la desejar sempre o socorro de Deus. Teresa abandona-se e entrega-se passivamente: «Confiei no Senhor, mesmo quando disse: “Sou um homem de todo infeliz”» (Sl 115, 10). «Estas palavras de Job: «Mesmo que Deus me matasse eu ainda esperaria n’Ele» encantaram-me desde a infância. Mas andei muito tempo antes de me fixar neste grau de abandono. Agora lá estou; Deus aí me colocou, pegou-me nos seus braços e colocou-me aí…» (UC 7.7.3). De facto, «a esperança é a maior força da alma de Teresa»[45].

A sua esperança, perfeita porque pobre de tudo, consente na vontade de Deus, deixa-lhe liberdade para infundir nela o seu amor e a sua vida. Espera em Deus, em pobreza total, sem agir por si, mas deixando-se mover pela acção sobrenatural do Espírito Santo. Só Deus, sabe e pode conduzir a alma ao fim que lhe fixou: «Não temos pois mais nada a fazer senão entregar a nossa alma, abandoná-la ao nosso grande Deus» (Ct 165). «Não temas, quanto mais pobre fores, mais Jesus te amará. Ele irá longe, bem longe para te procurar, se por vezes te extravias um pouco» (Ct 211).

Teresa fez a experiência do nada, do vazio, da fraqueza, da pobreza diante de Deus: «Não me posso apoiar em nada, em nenhuma das minhas obras para ter confiança» (UC 6. 8.4), porque, apoiar-se nas suas próprias forças, seria infidelidade a Deus, seria parar voluntariamente num pensamento de orgulho, acreditar em si, como Pedro, sem se apoiar unicamente na força de Deus» (UC 7. 8. 4). Reconheceu que todo o bem quem havia em si vinha de Deus: Deus põe este tesouro na mão do seu pequeno filho para que dele se sirva quando tem necessidade… mas é sempre o tesouro de Deus» (UC 6. 8. 8). Na sua pobreza, necessitou sempre de Deus: «a minha paciência não é minha! Enganamo-nos sempre!» (UC 18. 8.4; 20. 9. 1). «A paciência é uma virtude, que é parente próxima da esperança»[46]. Assim, podemos parafrasear: «a minha esperança não é minha! Enganamo-nos sempre!». Sempre nos enganamos, porque, quer a esperança, quer a paciência, são fruto do Espírito Santo.

O amor fazia que temesse filialmente afastar-se do Pai, fonte de todos os bens. A esperança, purificada pela pobreza, fortalecida pela acção de Deus, torna-se o abandono do pequeno filho nos braços de seu Pai.

Teresa apoia a sua esperança na capacidade de «o amor (de Deus) se abaixar» (A 2 v) até ao fraco e «ao descer assim Deus mostra a sua grandeza infinita» (A 3r), e exprime a sua fé: «Permanecerá sempre com os olhos fixos em ti… quer tornar-se a presa do teu Amor» (B 5v), e, a seguir, o movimento da sua esperança: «um dia, assim o espero… virás procurar a tua avezinha» (B 5v).

Animada pelo amor, a esperança torna-se confiança, vivida na pobreza, do filho que se abandona... nas mãos do Pai (nos braços de Jesus, no poder transformador do Amor, do Espírito Santo). A esperança é confiança em Deus, que nos justifica e salva pela graça (Ef 2, 5), e abandono a Deus[47]. A confiança é, por um lado, graça de Deus – fonte e fim da sua «audácia» (A 32 r), «audácia ilimitada» (A 61 v; Ct 197), audácia «sem limites» (B 5 v), «uma confiança inteiramente filial» (Ct 247) – e, por outro, exercício de fé, esperança e amor.

«Ser filho de Deus significa deixar-se guiar pela mão de Deus, fazer a vontade do Pai, não a própria, pôr nas mãos de Deus todas as nossas preocupações e esperanças, não nos preocuparmos mais connosco e com o nosso próprio futuro. Nisto fundamentam-se a liberdade e a alegria dos filhos de Deus. Quão poucos são, mesmo entre os homens de autêntica piedade, e também entre aqueles que sabem sacrificar-se heroicamente, os que a possuem! Vivem sempre como que oprimidos pelo peso dos seus afazeres, dos seus deveres. Todos conhecemos a parábola das aves do céu e dos lírios do campo. Mas quando se encontra um homem que não tem património, nem pensão, nem seguro, e que vive sem se preocupar com o seu futuro, então meneia-se a cabeça como sobre algo de anormal. Engana-se certamente nas contas aquele que espera que o Pai celeste lhe dê sempre a seu tempo aquele rendimento e aquele alimento que julga desejável. Não é nestas condições que se estabelece um pacto com Deus. Só se pode viver com inquebrantável confiança no Senhor quando se compreende a disponibilidade para aceitar da mão do Senhor qualquer coisa. Só Ele sabe o que nos convém. E se acontecer ser mais conveniente a necessidade e a privação do que uma situação abastada e segura, ou o insucesso e a humilhação serem melhores do que a honra e a consideração, então devemos estar prontos para aceitar também isso. Se procedermos assim, podemos então viver do presente, desembaraçados do futuro»[48].

«O único futuro é a infinita misericórdia do seu coração. Esta aceitação incondicional, que nos é oferecida pelo “Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação” (2 Cor 1, 3), é aquilo que nos permite continuar a esperar em silêncio uma cura… que nunca chega… ou, pelo menos, que nunca chega da forma como nós a esperamos. Porque, afinal, a nossa verdadeira e definitiva cura é o abandono confiante de uma criancinha nos braços da sua mãe (Sl 131, 2). Abandono que foi a obra-prima do Espírito Santo em Jesus crucificado, quando o fez gritar a sua última palavra terra: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23, 46). É este abandono que nos cura do desânimo, da falta de esperança»[49].

2.1. O abandono ao Amor

«São Francisco de Sales fiel ao seu ensinamento sobre a santificação na vida ordinária, propõe que esta seja vivida no meio das atividades, das tarefas e dos deveres do quotidiano: «Perguntais-me como as almas que são levadas na oração a esta santa simplicidade e a este perfeito abandono em Deus devem comportar-se em todos os seus atos? Respondo que, não só na oração, mas na conduta de toda a sua vida, devem caminhar invariavelmente em espírito de simplicidade, abandonando e entregando toda a sua alma, as suas ações e os seus sucessos à vontade de Deus, com um amor de perfeita e absoluta confiança, abandonando-se à graça e aos cuidados do amor eterno que a Divina Providência sente por elas»[50].

«Senti por ela [Santa Cecília] algo mais do que devoção: senti uma verdadeira ternura de amiga… Tornou-se a minha santa predilecta e a minha confidente íntima… Tudo nela me encantava, sobretudo o seu abandono, a sua confiança ilimitada que a tornaram capaz de virginizar almas que nunca desejaram outras alegrias senão as da vida presente…» (A 61 v).

«Antes de ver abrirem-se diante de mim as portas da bendita prisão pela qual suspirava, tinha ainda que lutar e sofrer. Pressentia isso ao regressar à França. No entanto, a minha confiança era tão grande, que não deixava de esperar que me seria permitido entrar para o Carmelo a 25 de Dezembro… Mal chegámos a Lisieux, a nossa primeira visita foi ao Carmelo. Que encontro aquele!… Tínhamos tantas coisas a dizer umas às outras, após um mês de separação, mês que me pareceu mais longo, e durante o qual aprendi mais do que durante muitos anos… Entreguei-me inteiramente a vós. Tinha feito tudo o que dependia de mim. Tudo. Até falar ao Santo Padre. Por isso, não sabia que mais havia de fazer» (A 67 r).

«Encontrara no meu quarto, no meio de uma encantadora bacia, um pequeno navio, que levava dentro o pequeno Jesus, a dormir, com uma pequena bola ao pé d’Ele. Na vela branca, a Celina escrevera estas palavras: «Eu durmo, mas o meu coração vigia»; e no barco, esta única palavra: «Abandono!» Ah! se Jesus não falava ainda à sua noivazinha, se os seus olhos divinos continuavam ainda fechados, pelo menos revelava-se a ela por intermédio de almas que compreendiam todas as delicadezas e o amor do seu coração…» (A 68 r).

O «abandono» é a palavra-chave dos «três meses» de espera para entrar no Carmelo.

«Concordo que devo ter parecido insensata, ao não aceitar com alegria esses três meses de exílio; mas penso também que, sem o parecer, essa provação foi muito grande, e fez-me crescer muito no abandono e nas outras virtudes» (A 68 r). «A aridez mais absoluta e quase o abandono, foram o meu quinhão» (A 75 v). «No meio desse abandono, eu sentia que Deus velava por nós» (A 79 v). «Agora apenas me guia o abandono. Não tenho nenhuma outra bússola!…» (A 83 r). «Oh! como é doce o caminho do Amor!… Quanto desejo aplicar-me a fazer sempre com o maior abandono a vontade de Deus!…» (A 84 v).

«Este amor é o único bem que ambiciono. Jesus compraz-se em mostrar-me o caminho que conduz a essa fornalha divina; o caminho é o abandono da criancinha que adormece sem medo nos braços do seu Pai…» (B 1 r). «Jesus não pede grandes acções, mas apenas o abandono e a gratidão» (B 1 v). «O passarinho nem sequer se vai afligir. Com um audacioso abandono, quer ficar a fixar o seu divino Sol» (B 5 r).

«O meu director que é Jesus não me ensina a contar os meus actos; ensina-me a fazer tudo por amor, a não Lhe recusar nada, a ficar contente quando Ele me dá uma ocasião de Lhe provar que o amo, mas isto faz-se na paz, no abandono, é Jesus que faz tudo e eu não faço nada» (Ct 142). «Cecília cantava no seu coração… Que abandono!…» (Ct 149). «Seria preciso uma linguagem que não fosse a da terra para exprimir a beleza do abandono de uma alma nas mãos de Deus, o meu coração não pode senão balbuciar aquilo que sente. Celina, a história de Cecília (a Santa do ABANDONO) é também a tua história!…» (Ct 161).

«O próprio Jesus contentou-Se com os meus desejos, com o meu abandono total, dignou-Se unir-me a Ele muito mais cedo do que eu ousava esperar… Agora Deus continua a dirigir-me pelo mesmo caminho, tenho um só desejo, o de fazer a sua vontade» (Ct 176).

«Sinto que temos de ir para o Céu pela mesma via, a do sofrimento unido ao amor. Quando estiver no porto de abrigo ensinar-vos-ei, querido Irmãozinho da minha alma, como deveis navegar no mar tempestuoso do mundo com o abandono e o amor de uma criança que sabe que o Pai a ama e não poderia deixá-la só na hora de perigo» (Ct 258).

«A sua Irmãzinha Leónia encanta-a pelo seu abandono e a sua verdadeira afeição» (Ct 260).

Inefável abandono! Divina melodia!

Revelas o amor pelo teu celeste canto.

O amor que não teme, adormece e se olvida

Como uma criancinha, no Coração de Deus…

Ajuda-me a saborear na terra estrangeira

O perfeito abandono, doce fruto do amor» (P 3, 29-32; 109-110).

«O meu Céu é sentir em mim a semelhança

Do Deus que me criou com o seu Sopro Poderoso

O meu Céu é ficar sempre na sua presença

Chamar-Lhe meu Pai e ser sua filha

Nos seus braços Divinos, não receio a tempestade

O total abandono é a minha única lei.

Dormitar no seu Coração, bem junto do seu Rosto

Eis o meu Céu! (P 32, 4).

«Eu mesmo, embelezo esta alma,

«Dos meus tesouros faço-lhe dádiva

«Mas em troca… Ah! Eu reclamo

«De Joana um perfeito Abandono…» (P 38, 4).

«Menino, tu sabes o meu nome,

E o teu doce olhar chama-me

Diz-me: Simples abandono

Eu quero guiar a tua barca» (P 42, 1).

«Sois vós que o Senhor me dá como modelo

Santos Inocentes

Quero ser cá na terra a vossa fiel imagem

Meus Pequeninos.

Ah! Dignai-vos alcançar-me as virtudes da infância

A vossa candura,

O vosso abandono, a vossa amável inocência

Cativam-me o coração» (P 44, 9).

O Abandono é o fruto delicioso do Amor…

Esta Árvore inefável

Tem por nome o Amor,

E o seu fruto delicioso

Chama-se o Abandono…

Só o Abandono me entrega

Aos teus braços, ó Jesus!

É ele que me faz viver

Da vida dos Eleitos.

A Ti eu me abandono

Ó meu Divino Esposo!

Nada mais ambiciono

Senão o teu doce olhar,,,

Da sua Celeste chama

O raio luminoso

Faz nascer na minha alma

O perfeito Abandono» (P 52, tít.; 3; 7-8; 12).

«Se Deus não Se encarregasse verdadeiramente de tudo, não sei o que faria. Mas tenho uma confiança tão grande nele que não pode abandonar-me, ponho tudo nas suas mãos» (Ct 32).

«Deus faz-me passar por muitas provações antes de entrar no Carmelo. Vou contar-te como se passou a visita ao Papa. Ó Paulina, se tivesses podido ler no meu coração terias visto nele uma grande confiança; creio que fiz o que Deus queria de mim, agora só me resta rezar» (Ct 36).

«Espero, minha irmãzinha querida, que tu continuarás a rezar muito por mim, tenho muita confiança nas tuas orações, parece-me que Deus não te pode recusar nada» (Ct 37).

«Senhor Bispo! O Natal aproxima-se, mas eu espero a vossa resposta com uma grande confiança. Nunca esquecerei que é a V. Ex.cia Reverendíssima que ficarei a dever o cumprimento da vontade de Deus» (Ct 38 B).

«Acabo de escrever ao Senhor Bispo, o Papá e o meu Tio autorizaram-me a fazê-lo. Continuo a esperar com confiança o sim do Menino Jesus. Rev.mo Senhor Padre, só faltam oito dias para o Natal! Mas quanto mais o tempo passa, mais eu espero, é talvez temeridade mas no entanto parece-me que é Jesus que fala em mi» (Ct 39).

«É a fraqueza dele [pequeno caniço] que faz toda a sua confiança, mas não poderia quebrar-se visto que, aconteça o que acontecer, não quer ver senão a doce mão do seu Jesus» (Ct 55).

«Não, é IMPOSSÍVEL que um coração «que não descansa senão à vista do tabernáculo» ofenda Jesus a ponto de não poder recebê-l’O. O que ofende Jesus, o que Lhe fere o coração é a falta de confiança!… Espero que o meu desejo seja realizado e que no último dia do seu mês, a SSma Virgem cure a minha irmãzinha querida. Mas para isso é preciso rezar, rezar muito, se pudesses acender uma vela a Nossa Senhora das Vitórias… tenho tanta confiança nela!…» (Ct 92).

«Não nos cansemos de rezar, a confiança faz milagres e Jesus disse à Bem-aventurada Margarida Maria: «Uma alma justa tem tanto poder sobre o meu coração que pode obter dele o perdão para mil criminosos» (Ct 129).

«Peço a Nosso Senhor que deixe por muito, muito tempo na terra aquela que sabe trabalhar tão bem para a sua glória e desejo que ela veja «os filhos dos seus filhinhos». Talvez a minha irmãzinha Joana sorrisse se lesse estas linhas, mas tenho muito mais confiança do que ela e espero «o grande Santo e o grande Pontífice» seguido de um grande número de outros anjinhos» (Ct 152).

«Tenho uma grande confiança em que a minha querida Visitandina sairá vitoriosa de todas as grandes provas e será um dia uma religiosa modelo. Deus já lhe concedeu tantas graças, poderia abandoná-la agora que perece ter chegado ao porto?… Não, Jesus está a dormitar enquanto a sua pobre esposa luta contra as ondas da tentação, mas nós vamos chamá-l’O tão suavemente que Ele depressa acordará, dando ordem ao vento e à tempestade, e a calma restabelecer-se-á…» (Ct 171).

«Em breve, tenho nisso íntima confiança, receberás um cêntuplo mais abundante, um anjinho que virá alegrar o teu lar e receber os teus beijos maternais…» (Ct 180).

«Se tivésseis compreendido a história do meu passarinho, não me faríeis essa pergunta. Os meus desejos do martírio não são nada, não são eles que me dão a confiança ilimitada que sinto no coração… Só a confiança e nada mais do que a confiança tem de conduzir-nos ao Amor…» (Ct 197).

«O menino troça do Senhor Satanás, e adormece sempre sobre o Coração do Grande General… Junto desse Coração aprende-se a valentia e, sobretudo, a confiança. A metralha, o ruído do canhão, o que é tudo isso quando se é levado pelo General?…» (Ct 200).

«Sei que o Senhor é infinitamente justo e esta justiça que assusta tantas almas é a razão da minha alegria e confiança. Ser justo, não é somente exercer a severidade para castigar os culpados, é também reconhecer as intenções rectas e recompensar a virtude. Espero tanto da justiça de Deus como da sua misericórdia… Aqui tendes, meu Irmão, o que penso sobre a justiça de Deus, o meu caminho é todo de confiança e de amor, não compreendo as almas que têm medo de um Amigo tão terno» (Ct 226)[51].

«Ao descobrir «o seu novo caminho» começou o seu movimento de abandono»[52].

«A confiança que Teresinha fomenta não deve ser entendida apenas em referimento à própria santificação e salvação. Mas possui um sentido integral, que abraça o conjunto da existência concreta e aplica-se a toda a nossa vida, onde muitas vezes nos dominam os medos, o desejo de seguranças humanas, a necessidade de ter tudo sob controlo. É aqui que aparece o convite ao santo «abandono». A confiança plena, que se torna abandono ao Amor, liberta-nos de cálculos obsessivos, da preocupação constante com o futuro, dos medos que tiram a paz. Nos últimos dias da sua vida, Teresinha insistia nisto: «Creio que nós, que corremos pelo caminho do Amor, não devemos pensar no que nos pode acontecer de doloroso no futuro, porque é faltar à confiança» (UC 23. 7. 3). A verdade é que, se estamos nas mãos dum Pai que nos ama sem limites, venha o que vier havemos de o ultrapassar e, duma forma ou doutra, cumprir-se-á na nossa vida o seu projecto de amor e de plenitude»[53].

A 9 de Junho de 1895, ofereceu-se confiadamente ao Amor misericordioso de Deus (Or 6).

«Teresa nunca quer diminuir a sua absoluta dependência em relação à pura misericórdia de Deus; e é nisso, em definitivo, que consiste o seu maior mérito! Vive da mão de Deus e está aberta em total abandono a tudo o que Ele pedir e a tudo o que Ele der, mesmo que seja através do sofrimento. O abandono é nela um acto constante de confiança: um estado de doação nas mãos do Bem-Amado em quem confia e de quem espera a intervenção misericordiosa»[54].

Jesus «ensina-lhe a jogar à banca do amor ou antes, joga Ele por ela sem lhe dizer como se faz porque isso é assunto d’Ele e não de Teresa, o que ela tem de fazer é abandonar-se, entregar-se sem nada reservar para si, nem mesmo a alegria de saber quanto lhe rende a banca… O meu director que é Jesus não me ensina a contar os meus actos; ensina-me a fazer tudo por amor, a não Lhe recusar nada, a ficar contente quando Ele me dá uma ocasião de Lhe provar que o amo, mas isto faz-se na paz, no abandono, é Jesus que faz tudo e eu não faço nada» (Ct 142).

O efeito negativo da nossa recusa, rejeição e indiferença sobre a doação do amor de Deus, e o efeito positivo da nossa confiança, oferta e abertura sobre a efusão do Seu amor sobre nos e o mundo.

«Ele mesmo aceitou limitar a glória expansiva da sua ressurreição, conter a difusão do seu imenso e ardente amor para dar lugar à nossa livre cooperação com o seu Coração. Isto é tão real que a nossa recusa o detém nesse impulso de doação, tal como a nossa confiança e a oferta de nós próprios abre um espaço, oferece um canal desimpedido para a efusão do seu amor. A nossa rejeição ou indiferença limitam os efeitos do seu poder e a fecundidade do seu amor em nós. Se Ele não encontra em mim confiança e abertura, o seu amor fica privado – porque Ele mesmo assim o quis – do seu prolongamento na minha vida, que é única e irrepetível, e no mundo onde me chama a torná-lo presente. Isso não vem da sua fragilidade, mas da sua liberdade infinita, do seu poder paradoxal e da perfeição do seu amor por cada um de nós. Quando a omnipotência de Deus se manifesta na fraqueza da nossa liberdade, «só a fé a pode descobrir»[55].

«Não sou sempre fiel, mas nunca desanimo, abandono-me nos braços de Jesus» (Ct 143). «A CIÊNCIA da criancita fica reduzida a nada, já não sabe para onde vai o seu barquinho; não conhecendo a maneira de regular o leme, a única coisa que pode fazer é abandonar-se, deixar a sua vela flutuar ao sabor do vento» (Ct 144).

«Seria preciso uma linguagem que não fosse a da terra para exprimir a beleza do abandono de uma alma nas mãos de Deus, o meu coração não pode senão balbuciar aquilo que sente… Celina, a história de Cecília (a Santa do ABANDONO) é também a tua história» (Ct 161).

«Pedir-lhe para fechar os olhos será pedir muito?… Pedir-lhe para não lutar contra as quimeras da morte?… Não, não é muito e a criancinha vai abandonar-se, vai pensar que Jesus a leva, vai aceitar não o ver e deixar muito longe o medo inútil de ser infiel (medo que não convém a uma criança)» (Ct 205).

Mostrou-me, no pequeno breviário do Sagrado Coração, as palavras de N. S. à Bem-aventurada Margarida Maria, que tinha tirado desse livro, no dia da Ascensão.

«A cruz é o leito das minhas esposas; é aí que te farei consumar as delícias do meu amor».

«E contou-me que um dia, tendo uma Irmã aberto esse mesmo livro e tendo-lhe calhado uma passagem severa, tinha-lhe pedido para também o abrir à sorte. Encontrou então estas palavras:

«Abandona-te em Mim…» (UC 6.8. 3).

3. Cantora do Amor misericordioso de Jesus

«Ó minha querida Madre! depois de tantas graças, não poderei eu cantar com o salmista: «O Senhor é bom, é eterna a sua misericórdia?». Parece-me que se todas as criaturas tivessem as mesmas graças que eu, Deus não seria temido por ninguém, mas amado até à loucura, e que por amor, e não a tremer, nunca nenhuma alma consentiria em contristá-l’O!…» (A 83 v).

«Não julgueis assustar-me falando-me «dos vossos belos anos desperdiçados». Agradeço a Jesus que olhou para vós com um olhar de amor como outrora para o jovem do Evangelho (Mc 10, 21). Mais feliz do que ele respondestes fielmente ao chamamento do Mestre, deixastes tudo para O seguir, e isso na mais bela idade da vida, aos 18 anos. Ah! meu Irmão, como eu podeis cantar as misericórdias do Senhor (Sl 88, 2), elas brilham em vós com todo o esplendor… Amais S.to Agostinho, S.ta Madalena, essas almas a quem «Muitos pecados foram perdoados porque muito amaram (Lc 7, 47)». Também eu as amo, amo o seu arrependimento, e sobretudo… a sua amorosa audácia! Quando vejo Madalena avançar na presença de numerosos convidados, banhar com as suas lágrimas os pés do Mestre adorado que toca pela primeira vez (Lc 7, 36-38), sinto que o coração dela compreendeu os abismos de amor e de misericórdia do Coração de Jesus, e que, por muito pecadora que ela seja, este Coração de amor está não só disposto a perdoar-lhe, mas ainda a prodigalizar-lhe os benefícios da sua intimidade divina (Lc 10, 39), a elevá-la até aos mais altos cumes da contemplação. Ah! meu querido Irmãozinho, desde que me foi dado compreender também o amor do Coração de Jesus, confesso que ele afastou do meu coração todo o temor. A lembrança das minhas faltas humilha-me, leva-me a nunca me apoiar na minha força que só é fraqueza, mas esta lembrança fala-me ainda mais de misericórdia e de amor. Quando lançamos as nossas faltas com uma confiança inteiramente filial no braseiro devorador do Amor, como não seriam elas consumidas para sempre? Sei que há santos que passaram a vida a praticar admiráveis mortificações para expiarem os seus pecados; mas que quereis, «Há várias moradas na casa do Pai Celeste (Jo 14, 2)», disse-o Jesus e é por isso que sigo a via que Ele me indica. Procuro não me ocupar de mim mesma em nada, e o que Jesus Se digna realizar na minha alma abandono-lho, porque não escolhi uma vida austera para expiar as minhas faltas, mas as dos outros» (Ct 247)[56].

4. Doutora do Amor Misericordioso de Deus

Em 1931, o P. Travert, capelão do Carmelo, relata a opinião do P. Desbuquois, SJ sobre a «Doutora» que «contempla a doutrina tradicional sobre o Amor misericordioso, apresentando-a, precisando-a, enriquecendo-a com novas perspectivas, num ensinamento levado à sua perfeição, transformado em lição de vida».

«A Doutorazinha” de 10 anos, cuja intuição e saber na catequese para a primeira Comunhão encantaram o seu capelão, cresceu, e tornou-se, na sua precoce e maravilhosa maturidade, ousarei dizer, uma autêntica “Doutora”, cujo génio, reforçado pela santidade, contempla a doutrina tradicional sobre o Amor misericordioso, apresenta-a, precisa-a, enriquece-a com novas perspectivas, num ensinamento levado à sua perfeição, transformado em lição de vida, onde se exprime a substância mesma do seu espírito e do seu coração»[57].

A 30 de Junho de 1932, o P. Gustavo Desbuquois, no Congresso teresiano de Paris, resumia a sua argumentação para a petição da Santa Teresa do Menino Jesus da Santa Face como Doutora da Igreja.

«Para santa Teresa do Menino Jesus a doutrina assim realçada era evidentemente a doutrina tradicional, universal, do amor de Deus ao homem e do amor do homem a Deus, que expusemos. Em Deus, o amor é contemplado por ela numa luz especial, o Amor Misericordioso; no homem realiza-se, graças à humildade, completada pelo abandono e a esperança no Amor Misericordioso. Santa Teresa ensinou esta doutrina de todos os tempos, sem a modificar, numa luz que a torna mais acessível; enriqueceu-a com perspectivas novas, originais, com intuições penetrantes sobre o Coração de Deus e a psicologia da alma humana. Propô-la corno uma doutrina universal de salvação e de santificação na qual toda a alma – a alma santa, a alma tíbia ou culpável –, possa tirar proveito, pelo facto de ser humana, sendo essencialmente chamada à humildade, ao abandono, a esperança e ao amor, digamos a palavra, ao estado de infância espiritual… Intérprete privilegiada da doutrina fundamental do Amor, santa Teresa trouxe ao mundo, a este mundo superpovoado de almas débeis, a mensagem da santidade universal, da santidade, ouso dizê-lo, popularizada… Bento XV disse-o: “Aqui está o segredo da santidade para todos os fiéis espalhados pelo mundo inteiro”. Santa Teresa deu a esta doutrina um brilho extraordinário nunca antes alcançado»[58].

Porque soube, com a sua «teologia do amor», «indicar um caminho completamente novo» e «seguro» para encontrar e ser encontrado por Deus, é que foi proclamada «Doutora» da «Ciência do Amor Divino».

«Queridos religiosos e religiosas, quanta riqueza espiritual possui a vossa história! Quão preciosa é a herança que tendes nas vossas mãos! Porém, recordai que tudo isto vos é concedido não só para a vossa perfeição, mas também para que o coloqueis à disposição da Igreja e da humanidade, a fim de que constitua motivo de sabedoria e de felicidade para todos. Assim o fez Santa Teresa de Lisieux, com o seu «caminho da infância espiritual», que é uma autêntica teologia do amor. Jovem como vós, conseguiu transmitir a inumeráveis almas a beleza da confiança e do abandono em Deus, da simplicidade da infância evangélica, da intimidade com o Senhor, da qual brotam espontaneamente a comunhão fraterna e o serviço ao próximo. A simples e grande Teresa do Menino Jesus e da Santa Face será proclamada Doutora da Igreja precisamente por este motivo: porque com a «teologia do coração» soube indicar, com termos acessíveis a todos, um caminho seguro para buscar a Deus e para se deixar encontrar por Ele»[59].

«A CIÊNCIA DO AMOR DIVINO, que o Pai das misericórdias efunde mediante Jesus Cristo no Espírito Santo, é um dom concedido aos pequeninos e aos humildes, para que conheçam e proclamem os segredos do Reino, escondidos aos entendidos e aos sábios: por isso Jesus exultou no Espírito Santo, dando louvor ao Pai, que assim dispôs (Lc 10, 21-22;Mt 11, 25-26)… Entre os pequeninos, aos quais foram manifestados duma maneira muito especial os segredos do Reino, resplandece Teresa do Menino Jesus e da Santa Face»[60].

A proclamação de Teresa de Lisieux como Doutor da Igreja universal na «Divini Amoris Scientia», a 19 de Outubro de 1997, Dia Mundial das Missões, apresentou ao mundo a pequena Teresa como arauto privilegiado do Amor Misericordioso do Pai, manifestado pelo Filho Jesus, pelo poder do Espírito e como autêntica mestra da fé no Amor misericordioso e da vida cristã vivida como amor no coração da Igreja, a exemplo da Virgem Maria.

«Esta jovem Carmelita, de facto, sem uma especial preparação teológica, mas iluminada pela luz do Evangelho, sente-se instruída pelo Mestre divino que, como ela diz, é «o Doutor dos Doutores» (A 83 v), do Qual haure os «ensinamentos divinos» (B 1 r). Sente que se realizaram nela as palavras da Escritura: «Se alguém é pequeno venha a Mim…; a misericórdia é concedida aos pequenos» e sabe que foi instruída na ciência do amor, escondida aos sábios e aos entendidos, que o divino Mestre se dignou revelar-lhe, como aos pequeninos.

«Compreendo, e sei por experiência, que «o reino de Deus está dentro de nós». Jesus não tem necessidade nenhuma de livros nem de doutores para instruir as almas. Ele, o Doutor dos doutores, ensina sem ruído de palavras. Nunca O ouvi falar, mas sei que Ele está em mim. Ele guia-me e inspira-me a cada instante o que devo dizer ou fazer. Precisamente no momento em que delas tenho necessidade, descubro luzes que ainda não tinha visto. Não é durante a oração que elas se me manifestam mais; a maior parte das vezes é no meio das ocupações do dia» (A 83 v).

A oração é, verdadeiramente, a alavanca da sua confiança em Jesus, o ponto de apoio da sua «ciência divina». A oração, «a arma invencível que Jesus lhe deu», «constitui toda a sua força» (C 24 v) – «é grande o poder da oração» (C 25 r) – para, em nome de Jesus, alcançar do seu Pai tudo o que se pede (C 35 v).

«Sem se mostrar, sem fazer ouvir a sua voz, Jesus ensina-me em segredo. Não é por meio de livros, pois não compreendo o que leio. Mas às vezes vem consolar-me uma palavra como esta que encontrei no fim da oração (depois de ter permanecido em silêncio e secura): «Eis o mestre que te dou, que te ensinará tudo o que deves fazer. Quero fazer-te ler no livro da vida, onde está contida a ciência do Amor». A ciência do Amor! Ah, sim! Esta palavra ressoa docemente ao ouvido da minha alma. Não desejo senão essa ciência» (B 1 r).

«Todos os Santos o compreenderam, e mais particularmente talvez, aqueles que encheram o universo com a iluminação da doutrina evangélica. Não foi, acaso, na oração onde os Santos Paulo, Agostinho, João da Cruz, Tomás de Aquino, Francisco, Domingos e tantos outros ilustres amigos de Deus beberam esta ciência divina que arrebata os maiores génios» (C 36 r)[61].

A sua «pequena doutrina» é, de facto, o «pequeno caminho» para caminhar com «confiança ao Amor» (Ct 197) e «abandonar-se nas mãos de Deus» (B 1 r). «A confiança e o abandono levam-nos ao Amor» (Ct 197).

«O caminho que percorreu para chegar a este ideal de vida não é o dos grandes empreendimentos reservados a um pequeno número mas, ao contrário, uma via ao alcance de todos, a “pequena via”, caminho de confiança e abandono total de si mesma à graça do Senhor. Não se trata de uma via a ser banalizada, como se fosse menos exigente. Na realidade ela é exigente, como o é sempre o Evangelho. Mas é uma via impregnada do sentido do abandono confiante na misericórdia divina, que torna suave até mesmo o mais rigoroso empenho espiritual»[62].

Os desejos infinitos de ser e fazer tudo têm o seu contrapeso na atitude da pequena criança diante de Deus: a confiança, o abandono e o amor ao Pai, que é o seu «pequeno caminho». O «pequeno caminho» torna-nos crianças diante de Deus. O que é «permanecer criança diante de Deus»? (UC 6. 8. 8). «O meu caminho é todo de confiança e de amor» (Ct 226). «Sigo o caminho que Ele me traça» (Ct 247).

«Deus precedeu-nos: é o mistério de todos os mistérios. Todos os sentimentos, todos os impulsos que devemos ter para Deus, teve-os Deus em relação a nós. Singular inversão das coisas, que acompanha todos os mistérios, os multiplica, os dilata até ao infinito. É necessário ter confiança em Deus: Ele teve confiança em nós, a ponto de nos entregar o seu Filho Unigénito (ai de mim, que fizemos dele!). Foi Deus que nos deu crédito e confiança, que acreditou em nós, que teve fé em nós. Deus esperou em nós. Deus pôs em nós a sua esperança, a sua pobre esperança em cada um de nós, no mais ínfimo dos pecadores. E então nós, ínfimos, nós, pecadores, não havemos de colocar a nossa esperança nele?»[63].

«Confiei no Senhor, mesmo quando disse: “Sou um homem de todo infeliz”» (Sl 115, 10). «Estas palavras de Job: «Mesmo que Deus me matasse eu ainda esperaria n’Ele» encantaram-me desde a infância. Mas andei muito tempo antes de me fixar neste grau de abandono. Agora lá estou; Deus aí me colocou, pegou-me nos seus braços e colocou-me aí…» (UC 7.7.3). De facto, «a esperança é a maior força da alma de Teresa»[64].

Chegou a duvidar da existência do Céu (C 5 v). É convidada a confiar e a abandonar-se ao amor de Deus… O pensamento do Céu… fá-la sofrer… na sua vontade, quer cantar a sua Fé-Esperança no Céu… na posse de Deus… «O pensamento do Céu tão delicioso para mim não fosse senão motivo de combate e de tormento» (C 5 v)… «Quando canto a felicidade do Céu, a posse eterna de Deus… canto apenas o que quero acreditar» (C 7 v).

A provação da sua fé limita-se à existência do Céu, não de Deus (UC 3. 7. 3). Provada a sua fé, é provada a sua esperança: «A e a esperança unem-se no amor do seu objecto que é Deus, conhecido e desejado: “crer em bens futuros é esperá-los[65].

A esperança de Teresa é provada no seu objecto [«a posse eterna do Criador de todas estas maravilhas»), como no seu acto [«continua! continua! Alegra-te com a morte, que te dará, não o que tu esperas, mas uma noite mais profunda ainda, a noite do nada»] (C 6 v). O acto da esperança: é o caminho. O objecto da esperança é o seu fim: ou Deus («a posse eterna de Vós mesmo«) ou o nada. Reage, sem enfrentar os seus «inimigos», mas «corro para o meu Jesus, e digo-Lhe que estou pronta a derramar o sangue até à última gota para confessar que o Céu existe (C 7 r). Esta esperança activa-passiva é o segredo do seu coração: «Oh! Paulina, se pudesses ler no meu coração, poderias ver nele uma grande confiança; creio que fiz o que o bom Deus queria de mim, agora só me resta orar» (Ct 36).

Com esta experiência e doutrina sobre a esperança, está bem preparada para exercer um magistério doutoral sobre o mistério da confiança cristã. Assim aos que, como a sua noviça, são tentados contra a esperança e desanimam e não tentam sequer levantar o pé, incita-os a continuar no esforço inútil de o levantar sempre, crendo e esperando que o Amor Misericordioso nos espera no fim dos nossos esforços difíceis e nos virá ajudar com a graça de O amar e o espírito do sacrifício fraterno»[66].

5. Profetisa do Amor Misericordioso de Deus

«A Igreja sente, fortemente, a urgência de anunciar a misericórdia de Deus. A sua vida é autêntica e credível, quando faz da misericórdia seu convicto anúncio. Sabe que a sua missão primeira, sobretudo numa época como a nossa cheia de grandes esperanças e fortes contradições, é a de introduzir a todos no grande mistério da misericórdia de Deus, contemplando o rosto de Cristo»[67].

«Ah! como a bondade o amor misericordioso de Jesus são pouco conhecidos!» (Ct 261). «Não posso temer um Deus que se fez por mim tão pequeno… amo-o!… porque Ele não é senão amor e misericórdia!» (Ct 266).

Como esperar receber pessoalmente a salvação sem esperar que todos a recebam? Teresa, que acreditou no Amor Misericordioso, esperou dele – «no Coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o Amo» – a salvação de cada um e de todos.É a esperança maternal de Teresa pela salvação de todos. No fim da sua vida, Teresa sente que tem uma «missão» a cumprir (UC 17, 7).

Maria «vivia de fé como nós” (UC 21. 8. 3). “Mãe, o teu doce Filho quer que sejas o exemplo / Da alma que O procura na noite da fé” (P 54, 15). «Maria ensina-nos a fundar a nossa existência, não na generosidade, mas na confiança. Demasiadas vezes queremos dar, e dar aquilo que não nos pertence; dar a nossa vida, o nosso tempo, os nossos bens, mas aquilo que nos é pedido é a confiança. A confiança de Maria baseia-se na confiança do Senhor nela. Esta confiança é a força e o poder que a habita… que a levam a abandonar-se, num  ato de radical confiança, à Palavra do Senhor»[68].

“Sei que em Nazaré, Mãe cheia de graça

Viveste pobremente, não querendo nada mais

Nem arroubamentos, nem milagres, nem êxtases

Embelezam a tua vida, ó Rainha dos Eleitos!….

O número dos pequenos é bem grande na terra

Eles podem sem receio erguer os olhos para ti

É pela via comum, incomparável Mãe

Que te apraz caminhar guiando-os para o Céu” (P 54, 17)[69].

Diz-nos Teresa por meio da Santíssima Virgem, «a mais misericordiosa das mães» (Ct 129), que podemos confiar totalmente na misericórdia infinita de Deus que apaga os maiores crimes: «É certo que aqueles que amais ofenderam o Deus que os encheu de benefícios; mas tende confiança na misericórdia infinita de Deus; ela é suficientemente grande para apagar os maiores crimes quando encontra um coração de mãe que põe nela toda a sua confiança. Jesus não deseja a morte do pecador, mas que ele se converta e viva eternamente (Ez 33, 11). Este Menino que, sem dificuldade, acaba de curar da lepra o vosso filho, curá-lo-á um dia de uma lepra muito mais perigosa… Então, já não bastará um simples banho, será preciso que Dimas seja lavado no sangue do Redentor… Jesus morrerá para dar a vida a Dimas e este entrará no mesmo dia que o Filho de Deus no seu reino Celestial (Lc 23, 43)» (RP 6, 10 r).

Teresa, recitando o Confiteor, tem a impressão de ser uma «grande pecadora» (UC 12. 8. 3). Debaixo da imagem de Jesus crucificado escreveu: «Senhor, sabeis que eu Vos amo, mas tende piedade de mim, porque sou pecadora». «Ó meu Irmão! peço-vos que acrediteis em mim, Deus não vos deu como Irmã uma grande alma, mas uma muito pequenina e muito imperfeita» (Ct 224). «Não quero dizer com isto que nunca me aconteça cometer faltas, ah! sou demasiado imperfeita para tal» (C 13 v). Teresa «sabe o que ela é aos olhos de Deus: um pobre pequeno nada, e nada mais» (C 2 r). «O justo cai sete vezes ao dia» (Pr 24, 16). «Todas as nossas justiças têm manchas aos vossos olhos» (Is 64, 5) (Or 6). «É certo que nenhuma vida humana está isenta de pecados» (Ct 226). «As mais santas não serão perfeitas senão no Céu» (C 28 r). É o caso de Teresa que, a poucos meses da morte, se sabe e sente ainda «imperfeita».

«Quando me recordo do tempo do meu noviciado, vejo bem quanto era imperfeita… Sofria por tão pouco, que agora rio-me disso. Ah! como o Senhor é bom por ter feito crescer a minha alma, por lhe ter dado asas… Mais tarde, sem dúvida, o tempo em que estou vai-me parecer ainda cheio de imperfeições, mas agora já não me admiro nada, não tenho desgosto por ver que sou a própria fraqueza, pelo contrário, é nela que me glorio, e conto descobrir em mim todos os dias novas imperfeições» (C 15 r). «Quanto mais se avança por este caminho, mais se pensa estar longe do fim; por isso, agora resigno-me a ver-me sempre imperfeita, e nisso encontro a minha alegria…» (A 74 r).

Mas sente-se impressionada com as palavras de Jesus: «Ó meu Deus! longe de desanimar à vista das minhas misérias, venho até Vós confiadamente, lembrando-me de que: “Os sãos não têm necessidade de médico, mas sim os enfermos” (Mt 9, 12-13). Suplico-Vos pois que me cureis, que me perdoeis, e eu lembrar-me-ei, Senhor, de «que a alma a quem mais perdoastes, deve também amar-Vos mais do que as outras!…» (Or 7). Jesus procurou Teresa, a sua ovelha perdida nos seus extravios: «Não temas, quanto mais pobre fores, mais Jesus te amará. Ele irá longe, bem longe para te procurar, se por vezes te extravias um pouco» (Ct 211).

De facto, «Jesus «morreu por nós ainda pecadores» (Rm 5, 8). A esperança cristã abre-nos à salvação de todos. «Para todo o pecado existe misericórdia» (Ct 147).

A sua confiança – a sua «boa vontade» – foi coroada na graça de Natal de 1886, a «graça da sua conversão completa», em que sentiu o A. M. de Jesus para consigo: Jesus foi mais misericordioso comigo que com seus discípulos, Jesus… fez de mim um pescador de almas…».

Com «confiança» rezou pela conversão de Pranzini e foi atendida. Ao contemplar o mistério da Cruz, Teresa compreendeu qual deve ser a sua atitude face à Cruz: «resolvi manter-me em espírito ao pé da Cruz para receber as «divinas gotas” e “espalhá-las pelas almas”». O amor oferecido de Jesus e desprezado pelos homens deve continuar a ser oferecido por Teresa em favor dos que não se mantêm ao pé da cruz… O seu amor é já maternal: recebe para dar. Ao participar do amor maternal de Deus, Teresa esperou com amor sofrido de mãe a conversão de Pranzini, do «meu primeiro filho» (A 45 v).

Ao designar Pranzini como «seu filho», Teresa está a revelar o carácter maternal do amor que a anima, que, como o de Deus – no dizer de João da Cruz a «amorosa mãe» (1 N 1, 2), a «mãe de ternura» (CB 27, 1) –, «mais terno que uma Mãe» (A 80 v), e, na sua ternura para com ela, a faz participar do seu amor e dor, porque o sofrimento torna-nos semelhantes a Ele» (Ct 173).

Teresa tem a «certeza» de ser atendida, é imensa a «confiança que tinha na misericórdia infinita de Jesus». Assim, a sentença divina que Pranzini vai receber no céu é uma «sentença misericordiosa» (A 46 r).

Com «uma grande confiança» começou as diligências para alcançar a autorização para entrar no Carmelo (Ct 32; 36; 37; 38b; 39).

Na prova da fé, Teresa partilhou a experiência das trevas dos que não crêem no Céu, na salvação… Jesus associa-a à sua redenção… Teresa evoca o valor redentor da sua provação. Compreendeu que, por abuso de graças, há almas que perderam o tesouro da fé [almas que perderam a esperança no amor Misericordioso de Deus] (C 5 v). Estando privada da alegria que lhe havia de dar a esperança próxima do Céu, comunga da condição dos incrédulos. Jesus veio ao mundo para salvar os homens do pecado, fazendo-se pecado (2 Cor 5, 21). Sentada «à mesa dos pecadores» (C 5 r), entra no movimento redentor de Jesus, intercedendo pelos pecadores, pedindo perdão em nome deles… aceitando comer o pão da dor até que Deus queira… pede  a justificação de todos os incrédulos [comunga da condição dos desesperados] para que vejam brilhar a Luz» (C 6 r). Ao confessar a sua no Céu, espera merecer o Céu para os pobres incrédulos. A sua esperança do Céu leva-a a levar consigo os pecadores – «seus irmãos» – a quem o Amor (Jesus) a uniu e a quem ela amou. A confiança, colocada, não em nós, mas na misericórdia infinita de Deus, tem um grande poder sobre o amor misericordioso e infinito de Jesus, nosso Redentor.

«Como nos ensina Santa Teresa do Menino Jesus, além desta confiança “não há outro caminho a seguir para ser conduzido ao Amor que tudo dá. Com confiança, a fonte da graça transborda em nossas vidas […]. A atitude mais adequada é colocar a confiança do coração fora de nós mesmos: na misericórdia infinita de um Deus que ama sem limites […]. O pecado do mundo é imenso, mas não é infinito. Pelo contrário, o amor misericordioso do Redentor, sim, é infinito”»[70]

O amor infinito euniversal por todos origina a esperança infinita e universal por todos. A esperança por si inclui a esperança pelos outros. «O próprio da esperança cristã é o seu carácter abrangente de salvação para todos e para tudo, enquanto obra de Deus (dom), não sem o empenhamento dos homens» (GS 92). «Teresa dá frequentemente à sua esperança o nome de “confiança”. A confiança de Teresa reza: “Espero-vos de Vós mesmo, para Vós e para todos os homens». A esperança teologal faz desejar para si um bem que não possui, a eterna posse de Deus, abrindo-nos ao poder transformador do Amor Misericordioso de Deus sobre nós. Amando os outros, esperamos para eles, o que esperamos para nós. Teresa religa o amor pelos outros à esperança pelos outros.

«Teresa do Menino Jesus é uma evangelizadora eficaz e uma missionária apaixonada do amor misericordioso de Deus por todos e do anúncio de uma salvação que pede simplesmente para ser acolhida. A Santa propõe hoje, com a frescura de uma jovem que interpreta a mensagem evangélica, e abre novamente o Evangelho para a espiritualidade, com o anúncio simples e sugestivo, cheio de admiração e reconhecimento, que Deus é amor, que a pessoa humana é amada por Deus, até às fronteiras da misericórdia: Deus deve ser pois acolhido e amado por cada pessoa, na confiança extrema e no abandono ao seu amor misericordioso»[71].

«Jesus deu-me um meio simples: “atrai-me, correremos»… todas as almas que ma sermão arrastadas arás dela» (C 34 r), como o rio… que arrasta tudo consigo… até ao mar… como o fogo... que torna tudo incandescente (C 36 r).

Como realizou a sua missão de ser «instrumento» do amor/esperança universal de Jesus junto das suas noviças, dos dois missionários, de orar por todos»? – Por meio da «oração sacerdotal» de Jesus encontra a medida da sua «esperança por todos» (C 34 v-35 r).

Faz sua a esperança do pai do filho pródigo: «Tudo o que é meu é teu», que é a esperança de Jesus, que vem a ser a sua esperança. Não pede para «as almas que estão unidas à sua» a mesma glória, apenas «pedir que um dia estejamos todos reunidos no vosso lindo Céu» (C 34 v). Confirma que o fundamento da sua esperança e da sua oração é o amor que Deus lhe manifestou desde sempre e para sempre: «Bem sabeis, ó meu Deus, ouso pedir-vos para amardes os que me destes como vós me amastes a mim» (C 34 v). Deixou-se atrair totalmente pelo amor de Deus… e nele descobriu e entendeu a sua missão universal… A esperança teologal – do Pai, do Filho e do Espírito Santo – é a esperança teologal de Teresa. O coração da sua esperança pascal foi morrer de amor como Jesus. «Morrer de Amor eis a minha esperança… Eis o meu Céu… Viver de amor!!!» (P 17, 15). A sua esperança actual é «Viver de amor», a sua esperança futura é «Morrer de amor». Confidencia-nos: «Todas as minhas esperanças se realizaram» (Ct 230).

Teresa tornou-se «profeta» da misericórdia infinita» de Deus para com «todas as pequenas almas».

«Ó Jesus! se eu pudesse dizer a todas as pequenas almas quão inefável é a tua condescendência!… Sinto que, se por um impossível, encontrasses uma alma mais débil, mais fraca do que a minha, deleitar-Te-ias a cumulá-la de favores ainda maiores, se ela se abandonasse com inteira confiança à tua misericórdia infinita. Mas, porque desejar comunicar os teus segredos de amor, ó Jesus? Não és só Tu a ensinarmos? E não podes acaso revelá-los a outros? Sim, estou certa disso, e peço-Te que o faças. Suplico-Te que baixes o teu olhar divino sobre um grande número de pequenas almas… Suplico-Te que escolhas uma legião de pequenas vítimas do teu AMOR!… Amen» (B 5 v).

Por exemplo, à sua prima Maria da Eucaristia, exortou-a a contemplar sempre o «Deus misericordioso», que, por certo, é o «Jesus da Eucaristia».

«De agora em diante, Maria não deve olhar para mais nada neste mundo, só para o Deus misericordioso, para o Jesus da EUCARISTIA!…» (Ct 234).

Inculcou a confiança no poder da bondade infinita de Deus às jovens Irmãs – as suas criancinhas – para elas experimentarem nas suas vidas a irrupção do Amor misericordioso de Deus.

«Consenti em serdes esta criancinha. Pela prática de todas as virtudes, levantai sempre o vosso pezinho para subirdes a escada da santidade. Não conseguireis sequer subir o primeiro degrau, mas Deus só vos pede a boa vontade. Depressa, vencido pelos vossos esforços inúteis, descerá Ele mesmo e, pegando-vos ao colo, levar-vos-á para sempre para o seu reino»[72].

«E se Deus a quer fraca e impotente como uma criança… pensa que terá menos méritos?… Aceite, pois, tropeçar a cada passo, aceita cair, levar debilmente as suas cruzes, ame a sua impotência, a sua alma torará dela mais proveito do que se, levada pela graça, realizasse com entusiasmo actos heróicos que lhe encheriam a alma de satisfação pessoal e de orgulho»[73].

«Sou uma alma muito pequena que não pode oferecer a Deus senão coisas muito pequenas. E ainda me acontece muitas vezes deixar escapar destes pequenos sacrifícios que dão tanta paz à alma. Isso não me desanima; suporto ter um pouco menos de paz e procuro ser mais vigilante para outra vez» (C 31 r).

«Se fizermos todos os nossos pequenos esforços, esperemos tudo da misericórdia de Deus e não das nossas miseráveis obras, seremos tão recompensados como os maiores santos»[74].

A confiança na misericórdia de Deus não exclui, mas inclui as obras da fé, da esperança e da caridade. Amamos quanto podemos. Quando não podemos mais, confiamos no infinitamente Misericordioso.

«O amor só com amor se paga», «o amor prova-se com as obras» (B 4 r). «Jesus não precisa para nada das nossas obras, mas unicamente do nosso amor» (B 1 v). O meu caminho não é o do «quietismo», um abandono passivo (PO 1358). Quer morrer de «mãos vazias»: «Se eu tivesse procurado acumular méritos, na hora em que me encontro, estaria desesperada»[75]. O amor é uma «torrente» que tudo arrasta na sua passagem[76], mas quando Deus tiver de recompensar as suas obras de amor, «ficará muito embaraçado, eu não tenho obras…» – então esperemos que me dê segundo as obras d’Ele…» (UC 15. 5.1). Contudo, não defende o activismo nem tolera a tibieza: «A energia é a virtude mais necessária, com a energia pode-se chegar facilmente ao cume da perfeição» (Ct 178). Teresa, apesar da «graça do Natal» ser um dom de pura misericórdia, «fez um grande esforço»: «Muitas almas dizem: “Mas eu não tenho força para realizar esse sacrifício”. Então que façam o que eu fiz: um grande esforço!» (UC 8. 8. 3). Não basta dizer: «Senhor! Senhor!», mas «fazer a vontade de Deus» (C 11 v) e com «boa vontade» (A 45 v). É o amor que dá valor a todas as coisas: «Compreendi que, sem o amor, todas as obras são nada, mesmo as mais espectaculares, como ressuscitar mortos ou converter povos» (A 81 v). «Não é o valor nem sequer a santidade aparente das obras que conta, mas somente o amor que nelas se põe»[77]. «Pensar lindas e santas coisas, compor livros, escrever biografias de santos não vale tanto como um acto de amor a Deus, nem como a acção de corresponder ao toque do sino, mesmo que nos incomode»[78].

Teresa relativiza as «obras», especialmente as «deslumbrantes», como as grandes mortificações corporais, os fenómenos místicos extraordinários, prefere a pureza e a provação da fé, para não cair no perigo da auto-suficiência: «É tão doce servir a Deus na noite da provação; só temos esta vida para viver de fé!…»[79]. Teresa procura provar o seu amor na fidelidade às pequenas coisas de cada dia. Eis o seu programa de vida, cheio de amor e alegria em «tudo», nos «nadas» das «pequenas coisas», embora, o «débil passarinho», a «criatura imperfeita», apesar da sua boa vontade e da misericórdia de Deus, de tempos e tempos «se deixe distrair um pouco da sua única ocupação» e reconhece as suas pequenas «travessuras» e «infidelidades» (B 5r).

«Sim, meu Bem-amado! assim se consumirá a minha vida… Não tenho outro meio de Te provar o meu amor, senão o de lançar flores, isto é, não deixar escapar nenhum pequeno sacrifício, nenhum olhar, nenhuma palavra; aproveitar todas as mais pequenas coisas e fazê-las por amor… Quero sofrer por amor e gozar por amor. Assim lançarei flores diante do teu trono. Não encontrarei nenhuma sem a desfolhar para Ti… E depois, ao lançar as minhas flores, cantarei, (poder-se-ia chorar ao praticar uma acção tão alegre?), cantarei, mesmo quando tiver de colher as minhas flores no meio de espinhos; e o meu cantar será tanto mais melodioso quanto maiores e mais agudos forem os espinhos» (B 4 r-v).

«O exemplo de Santa Teresa de Lisieux convida-nos a pôr em prática o pequeno caminho do amor, a não perder a oportunidade duma palavra gentil, dum sorriso, de qualquer pequeno gesto que semeie paz e amizade. Uma ecologia integral é feita também de simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo. Pelo contrário, o mundo do consumo exacerbado é, simultaneamente, o mundo que maltrata a vida em todas as suas formas. O amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político, manifestando-se em todas as acções que procuram construir um mundo melhor. O amor à sociedade e o compromisso pelo bem comum são uma forma eminente de caridade, que toca não só as relações entre os indivíduos, mas também «as macrorrelações como relacionamentos sociais, económicos, políticos». Por isso, a Igreja propôs ao mundo o ideal duma «civilização do amor»»[80].

O seu pequeno caminho é o Tudo e o nada de São João da Cruz: pelo caminho do nada, aproximamo-nos do Tudo. Mas observa que este Tudo vem Ele mesmo ao nosso encontro e que a nossa doação total a Ele deve, em definitivo, vir d’Ele: «Subir? Deus quer fazê-la descer! Ganhar? Diga antes perder[81]. «É preciso consentir em permanecer pobre e sem forças e aí está a dificuldade» (Ct 197).

Teresa ensina a harmonia entre as obras e a confiança, a síntese entre fazer o possível e deixar Deus fazer o resto… Deus faz o possível, nós, falamos o resto.

Devemos esforçar-nos por agir, como se tudo dependesse de nós (e nós somos capazes de muitas coisas) e permanecer diante de Deus, como se tudo dependesse d’Ele (e finalmente, tudo vem d’Ele).

«É preciso fazer tudo o que está na sua mão, dar sem contar, renunciar constantemente a si mesmo, numa palavra, provar o seu amor por todas as boas obras ao seu alcance. Mas, na verdade, como tudo isso é pouca coisa… É necessário, quando tiverdes feito tudo o que julgamos dever fazer, reconhecermo-nos “servos inúteis” (Lc 17, 10), esperando, contudo, que Deus nos dará, por bondade, tudo o que desejamos»[82].

«Mesmo que eu tivesse realizado todas as obras de S. Paulo, havia de considerar-me ainda “servo inútil” (Lc 17, 10); mas é isto precisamente que constitui a minha alegria, pois não tenho nada, tudo receberei de Deus» (UC 23. 6.1).

6. Conclusão

Depois de «confiar» durante toda a vida em Deus, em Jesus[83], na Santíssima Virgem Maria[84] e nos Santos[85], Teresa tornou-se uma «mulher de confiança» nos humanos: «Acreditai que nunca deixei de confiar em Vós!» (Ct 232).

«A este soldado – P. Bellière – que tem um ar tão marcial, dou-lhe conselhos como a uma rapariguinha! Mostro-lhe o caminho do amor e da confiança» (UC 12.8. 2). Teresa de Lisieux, «Doutora da Igreja na Ciência do Amor Divino», «mostra-nos – a todos – «o caminho do amor e da confiança». «O carácter amoroso da sua esperança leva-a a chamá-la de confiança e a ter-se diante de Deus como um filho ante seu pai»[86].

«Ah! Como eu queria fazer-vos compreender a ternura do Coração de Jesus, o que Ele espera de vós!… Queria tentar fazer-vos compreender por uma comparação muito simples como Jesus ama as almas, mesmo imperfeitas, que confiam n’Ele: Suponhamos que um pai tem dois filhos travessos e desobedientes e que ao ir castigá-los vê um que treme e se afasta dele com pavor, embora sinta no fundo do coração que merece ser punido; e que o irmão, pelo contrário, se lança nos braços do pai dizendo que lamenta ter-lhe dado desgosto, que o ama e que, para o provar, se portará bem daí em diante; depois, se este filho pedir ao pai para o castigar com um beijo, não acredito que o coração do ditoso pai possa resistir à confiança filial do filho de quem conhece a sinceridade e o amor. Não ignora todavia que o filho mais uma vez cairá nas mesmas faltas mas está disposto a perdoar-lhe sempre, se o filho sempre lhe falar ao coração… Não vos digo nada sobre o primeiro filho, meu querido Irmãozinho, deveis compreender se o pai pode amá-lo tanto e tratá-lo com a mesma indulgência com que trata o outro… Mas porquê falar-vos da vida de confiança e de amor?» (Ct 258)[87].

«A indulgência permite-nos descobrir como é ilimitada a misericórdia de Deus. Não é por acaso que, na antiguidade, o termo “misericórdia” era cambiável com o de “indulgência”, precisamente porque pretende exprimir a plenitude do perdão de Deus que não conhece limites (…) Os “efeitos residuais do pecado” são tirados pela indulgência, sempre por graça de Cristo, o Qual, como escreveu São Paulo VI, é «a nossa “indulgência”»[88].

«A esperança é uma virtude contra a qual pecamos frequentemente: nas nossas saudades negativas, nas nossas melancolias, quando pensamos que as felicidades do passado estão enterradas para sempre. Pecamos contra a esperança, quando desanimamos diante dos nossos pecados, esquecendo que Deus é misericordioso e é maior do que o nosso coração. Não esqueçamos isto, irmãos e irmãs: Deus perdoa tudo, Deus perdoa sempre. Somos nós que nos cansamos de pedir perdão. Mas não esqueçamos esta verdade: Deus perdoa tudo, Deus perdoa sempre! Pecamos contra a esperança, quando desanimamos perante os nossos pecados; pecamos contra a esperança, quando o outono anula em nós a primavera; quando o amor de Deus deixa de ser um fogo eterno e não temos a coragem de tomar decisões que nos comprometem para toda a vida»[89].

«Resta-nos seguir com fé esta palavra de vida eterna; segui-la com fé e com aquela humildade de uma criança que, certa da própria impotência, se abandona nos braços do pai; aí descansa e dorme tranquila, porque sabe que o pai a segura, defende e leva ao lugar de repouso; e, se algum dia ofendeu o pai, transgredindo alguma das suas ordens, ela conhece o seu coração, confia no seu amor, corre ao seu encontro, com humildade confessa a sua falta, espera o seu perdão e, com a mesma confiança de antes, lança-se nos seus braços. Junto de Deus, todos somos crianças. Ele é o pai da grande família humana: embala-nos a todos no berço da sua Providência e conduz-nos pelos caminhos do amor. Não queiramos nós desviar-nos desta via, nem arrancarmo-nos dos Seus braços paternais! Assim, a nossa esperança está assente em Deus, na Sua palavra, no Seu amor de Pai, na Sua mão salvadora. Como filhos abandonados em Seus braços, certos da Sua infinita misericórdia, sabemos que a nossa confiança não será desiludida»[90].

«Poderia julgar-se que tenho uma tão grande confiança em Deus porque não pequei. Diga claramente, minha Madre, que ainda que eu tivesse cometido todos os crimes possíveis, mesmo assim teria sempre a mesma confiança: sinto que toda essa multidão de ofensas seria como uma gota de água lançada num braseiro ardente. Conte em seguida a história da pecadora convertida que morreu de amor; as almas compreenderão rapidamente, pois é um exemplo tão impressionante daquilo que eu queria dizer, mas estas coisas não podem exprimir-se» (UC 11.7.6)[91].

Ao conhecermos a nossa miséria devemos unir-nos muito mais a Cristo e confiar sem limites na Misericórdia de Deus. A confiança da cananeia, que pede insistentemente, é um modelo para nós de confiança na misericórdia do Senhor. Respondeu à recusa de Jesus com uma confiança ainda mais profunda e uma súplica mais fervorosa. «Socorre-me, Senhor!» (Mt 15, 25). Jesus quer que Lhe peçamos: «Pedi e dar-se-vos-á» (Lc 11, 9). Ela recebe um novo não de Jesus: «Não é justo que se tome o pão dos filhos para o lançar aos cachorros» (Mt 15,26). Embora sendo uma estrangeira indigna, com humildade e fé profundas, respondeu a Jesus: «Até os cachorros comem as migalhas que caem da mesa de seus donos» (Mt 15, 27). Reconhecendo o seu próprio nada e incapacidade, a mulher fez um acto de confiança sem limites em Jesus, que louva a sua fé: «Ó mulher, grande é a tua fé!» (Mt 25, 28). Encantado coma fé da cananeia, Jesus satisfaz o seu pedido: «Faça-se como desejas» (Mt 15, 28). O reconhecimento do próprio nada, a confiança em Deus própria da criança e a fé no Seu Amor constituem a atitude que realiza milagres[92].

Teresa de Lisieux, como a mulher cananeia, é para nós modelo de confiança na misericórdia de Deus, melhor ainda, é «imagem da misericórdia do bom Deus» para connosco na terra (Ct 230) e, do Céu, «participa da misericórdia infinita do Senhor» e intercede por nós.

«Confesso-vos, meu Irmão, que não compreendemos o Céu da mesma maneira. Parece-vos que participando da justiça, da santidade de Deus, eu não poderei desculpar as vossas faltas como na terra. Então esqueceis que participarei também da misericórdia infinita do Senhor? Creio que os Bem-aventurados têm uma grande compaixão pelas nossas misérias, lembram-se de que enquanto eram frágeis e mortais como nós, cometeram as mesmas faltas, travaram os mesmos combates e a ternura fraternal torna-se ainda maior do que era na terra, por isso não cessam de nos proteger nem de rezar por nós» (Ct 263).

Sabe-se e sente-se «servo inútil» nas mãos do Senhor, como instrumento de luz na vida dos humanos. Dizíamos-lhe que ela era muito feliz por ser escolhida por Deus para mostrar às almas o caminho da confiança. Respondeu: «Que diferença faz que seja eu ou outra quem revela este caminho às almas? Desde que ele seja indicado, que importa o instrumento?» (UC 21. 7, 5).

Por isso, podemos confiar nesta jovem Santa a quem o Senhor revelou os segredos do seu amor e misericórdia.

«Tenho agora uma grande confiança nesta jovem, porque ela disse-me coisas secretas que só Deus lhe pôde revelar» (RP 3, 7 v).

«Cada um de nós tem as próprias histórias. Cada um de nós tem os próprios pecados. E se não os recordamos, reflita um pouco um pouco: há-de encontrá-los. Demos graças a Deus quando os encontramos, porque se não os encontramos, estamos corrompidos. Todos nós temos os nossos pecados. Olhemos para o Senhor que faz justiça, mas que é tão misericordioso. Não tenhamos vergonha de estar na Igreja: tenhamos vergonha de ser pecadores. A Igreja é a mãe de todos. Agradeçamos a Deus porque não somos corruptos,  somos pecadores. E cada um de nós, vendo como Jesus age nestes casos, confie na misericórdia de Deus. E reze, confiando na misericórdia de Deus, reze pelo perdão. Pois Deus «guia-me pelos caminhos rectos, por amor do Seu Nome. Mesmo que atravesse os vales sombrios – o vale do pecado – nenhum mal temerei porque estais comigo; o Vosso bastão e o Vosso  cajado dão-me conforto» (Sl 23, 4)»[93].

«Normalmente dá à sua esperança o nome de confiança. A confiança é a esperança. Mas, em virtude da fé na misericórdia bondosa de Deus, a confiança apresenta um carácter mais pronunciadamente familiar e uma maior certeza de ser escutada. Ter confiança é fiar-se de Deus, apostar na sua bondade, contar com o apoio do seu amor ao homem, orientar-se para o futuro»[94].

«É preciso abandonar o futuro nas mãos de Deus» (RP 1, 17r) e ter «muita confiança» e «grande abandono» no «amor misericordioso» do Pai e do Filho, que nos chamam à «morada celeste».

«Recebi há pouco a sua dolorosa cartinha, sinto imenso não me encontrar junto de si, mas estamos unidas no Coração Santíssimo de Jesus que no Sacramento do seu amor vem cada dia aos nossos corações não só nos ajudar a viver, mas também para na última hora levar a nossa alma àquela morada celestial que o seu amor e misericórdia nos têm lá preparada; portanto minha querida Mãe muita confiança no seu Coração Divino e um grande abandono no nosso Paizinho do Céu que nos ama com um amor eterno»[95].

«Teresa ajuda a compreender que o mais belo presente que podemos oferecer a Deus é a confiança, nascida da fé e da esperança… Ela sabe que toda a possibilidade de ofertório é um presente que Deus nos faz… ele que nos mendiga a confiança… Teresa oferecerá à Trindade as suas mãos vazias, mas cheias do mais belo fruto do seu amor: a sua confiança»[96].

«A descoberta do coração da Igreja é uma grande luz também para nós hoje, a fim de não nos escandalizarmos por causa das limitações e fraquezas da instituição eclesiástica, marcada por obscuridades e pecados, e entrarmos no seu coração ardente de amor, que se incendiou no Pentecostes graças ao dom do Espírito Santo. É o coração cujo fogo se reaviva ainda com cada um dos nossos actos de caridade. «Eu serei o amor»: esta é a opção radical de Teresinha, a sua síntese definitiva, a sua identidade espiritual mais pessoal»[97].

«Teresa chegou à última síntese pessoal do Evangelho, que partia da plena confiança para culminar no dom total aos outros. Não duvidava da fecundidade desta entrega: «Penso em todo o bem que quereria fazer depois da minha morte» (UC 13.7.17); «Deus não me daria este desejo de fazer o bem sobre a terra depois da minha morte, se não quisesse realizá-lo» (UC 18.7.1). «Será como uma chuva de rosas» (UC 9.6.3). 

A confiança conduz-nos ao Amor de Deus, liberta-nos do temor, ajuda-nos a sair da auto-referencialidade, a abandonar-nos à Providência de Deus, a entregar-nos ao bem dos irmãos, pois, só o amor nos abre os caminhos do Evangelho.

Fecha-se o círculo. « C’est la confiance». É a confiança que nos conduz ao Amor e assim nos liberta do temor; é a confiança que nos ajuda a desviar o olhar de nós mesmos; é a confiança que nos permite colocar nas mãos de Deus aquilo que só Ele pode fazer. Isto deixa-nos uma imensa torrente de amor e de energias disponíveis para procurar o bem dos irmãos. E assim, no meio do sofrimento dos seus últimos dias, Teresa podia dizer: «Conto somente com o amor» (Ct 242).  Em última análise, conta só o amor. A confiança faz desabrochar as rosas e espalha-as como um transbordar da superabundância do amor divino. Peçamo-la como dom gratuito, como valiosa prenda da graça, para que se abram na nossa vida os caminhos do Evangelho»[98].

O Papa João Paulo II declarou Santa Teresa de Lisieux a Doutora da Igreja universal na «Ciência do «Amor Divino»[99]. O Papa Francisco apresentou-a no coração do Evangelho, como a «Doutora da síntese», da «síntese pessoal do Evangelho, que partia da plena confiança para culminar no dom total aos outros», da «confiança que nos conduz ao Amor e nos liberta do temor»; daquela que «em última análise, conta só o amor», com «a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado». Na verdade, a fé nasce do encontro pessoal com Jesus Cristo.

«Esta Exortação sobre Santa Teresinha permite-me recordar que, numa Igreja missionária, «o anúncio concentra-se no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário. A proposta acaba simplificada, sem com isso perder profundidade e verdade, e assim se torna mais convincente e radiosa». O núcleo luminoso é «a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo morto e ressuscitado»… O contributo específico que Teresinha nos oferece como Santa e como Doutora da Igreja não é analítico, como poderia ser, por exemplo, o de São Tomás de Aquino. O seu contributo é sobretudo sintético, porque a sua genialidade consiste em levar-nos ao centro, àquilo que é essencial, àquilo que é indispensável. Com as suas palavras e com o seu percurso pessoal, mostra que, embora todos os ensinamentos e normas da Igreja tenham a sua importância, o seu valor, a sua luz, alguns são mais urgentes e mais constitutivos para a vida cristã. Foi nestes que Teresa fixou o olhar e o coração. Como teólogos, moralistas, estudiosos de espiritualidade, como pastores e como crentes, cada qual no respectivo âmbito, temos ainda necessidade de acolher esta intuição genial de Teresinha e tirar as devidas consequências teóricas e práticas, doutrinais e pastorais, pessoais e comunitárias. São precisas audácia e liberdade interior para o poder fazer»[100].

«Cada santo é uma missão; é um projecto do Pai que visa reflectir e encarnar, num momento determinado da história, um aspecto do Evangelho».  Por isso, «para identificar qual seja essa palavra que o Senhor quer dizer através dum santo, não convém deter-se nos detalhes, porque nisso também pode haver erros e quedas. Nem tudo o que um santo diz é plenamente fiel ao Evangelho, nem tudo o que faz é autêntico ou perfeito. O que devemos contemplar é o conjunto da sua vida, o seu caminho inteiro de santificação, aquela figura que reflecte algo de Jesus Cristo e que sobressai quando se consegue compor o sentido da totalidade da sua pessoa». E isto vale com maior força de razão para Santa Teresinha, senda ela uma «Doutora da síntese»[101].

«O teu Coração que guarda e restitui a inocência

Não poderia enganar a minha confiança!

Em Ti, Senhor, repousa a minha esperança

Depois do exílio, irei ver-Te no Céu…

Quando no meu coração se levanta a tempestade

Para Ti, Jesus, torno a erguer a cabeça

No teu olhar misericordioso

Eu leio: «Filha, para ti, criei os Céus» (P 36, 4).

«As almas puras invocarão a Santa

Vozes subirão até aos Céus

Cantando em coro com amor e confiança (RP 1, 20 r).

A sua função providencial, neste século XXI, é conduzir a Igreja e o mundo, pela fé, à esperança no amor: «O mundo da descrença só pode ser desmantelado pela força do Amor». A esperança teresiana é a fé no amor: «a minha loucura é esperar que o teu Amor me aceite como vítima». «Fazer amar o Amor é a missão de Teresa, doutora do Amor para o mundo da descrença, porque com o seu amor misericordioso leva o desespero deste mundo com esperança, isto é, com fé no amor»[102]. A sua única e eterna palavra histórica é a da caridade teologal ensinada aos homens como infinita misericórdia: «Há uma só coisa a fazer durante a noite… é amar Jesus… fazer amar Jesus» (Ct 96).

«Do céu à terra, a actualidade de Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face permanece em toda a sua «pequena grandeza». Num tempo que nos convida a fechar-nos nos próprios interesses, Teresinha mostra a beleza de fazer da vida um dom… Numa época de individualismo, ela faz-nos descobrir o valor do amor que se torna intercessão… Num momento de complexidade, ela pode ajudar-nos a redescobrir a simplicidade, o primado absoluto do amor, da confiança e do abandono, superando uma lógica legalista e moralista que enche a vida cristã de obrigações e preceitos e congela a alegria do Evangelho. Num tempo de entrincheiramento e reclusão, Teresinha convida-nos à saída missionária, conquistados pela atracção de Jesus Cristo e do Evangelho»[103].

«Século e meio depois do seu nascimento, Teresa está mais viva do que nunca no meio da Igreja em caminho, no coração do Povo de Deus. Está a peregrinar connosco, fazendo o bem sobre a terra, como tanto desejou. O sinal mais belo da sua vitalidade espiritual são as inúmeras «rosas» que vai espalhando, isto é, as graças que Deus nos concede pela sua intercessão cheia de amor, para nos sustentar no percurso da vida.

Amada Santa Teresinha,

A Igreja precisa de fazer resplandecer

A cor, o perfume, a alegria do Evangelho.

Enviai-nos as vossas rosas!


Ajudai-nos a ter sempre confiança,

Como fizestes vós,

No grande amor que Deus tem por nós,
Para podermos imitar cada dia

O vosso caminhito de santidade.

Amen[104].

O sonho de Santa Faustina

Helena Kowalska quis entrar no Carmelo, mas a saúde não lho permitiu. Entrou nas Irmãs de Nossa Senhora da Misericórdia. Leu a História de uma Alma e foi influenciada por Santa Teresa de Lisieux no caminho da santidade pela confiança na misericórdia de Jesus.

«Quero tomar nota de um sonho que tive a respeito de St.a Teresa do Menino Jesus. Eu era ainda noviça e passava por certas dificuldades, [que] não conseguia ultrapassar. Tratava-se de obstáculos interiores, mas que se relacionavam com circunstâncias exteriores. Fiz Novenas a vários Santos mas a situação tornava-se cada vez mais custosa. Os meus sofrimentos por esse motivo eram tão grandes, que já não sabia como continuar a viver. De repente, veio-me à ideia rezar a Santa Teresa do M [enino] Jesus. Comecei-lhe uma Novena, pois já antes do meu ingresso <no Convento> tinha grande devoção a esta Santa. Depois havia-a descurado um pouco, porém, <é certo>, encontrando-me naquela necessidade, comecei-lhe a rezar com todo o fervor.

No quinto dia da Novena, sonhei com St.a Teresinha, mas como se ela ainda estivesse <viva> na Terra. Ocultando-me ser uma Santa, começou a confortar-me, dizendo que não ficasse tão triste por causa desse meu problema, mas que confiasse mais em Deus. Afirmava-me: «Também eu sofri muito». O que eu não era capaz de acreditar, dizendo-lhe então: «A mim me parece nada haveres padecido». Mas St.a Teresa garantiu-mo, convencendo-me de que de facto havia sofrido. E acrescentou: «Dentro de três dias, a Irmã verá que essa dificuldade se terá resolvido da melhor maneira». Como eu não queria acreditar muito na promessa, então ela deu-se a conhecer, revelando-me que era uma Santa. A minha alma encheu-se de alegria e perguntei-lhe: «Tu és Santa?» Respondeu-me que sim: «Sou uma Santa, e confia que o teu problema se solucionará ao terceiro dia». Voltei a perguntar: «Minha St.a Teresinha, diz-me, irei para o Céu?» Confirmou-mo. «E serei santa?» – A sua resposta foi: «A Irmã será santa». – «Mas, Teresinha, eu serei uma Santa como tu, nos altares?» Ela me disse-me: «Sim, serás uma Santa como eu, mas é preciso que muito confies em Jesus». Quis saber <depois> se o <meu> pai e a <minha> mãe iriam para o Céu, se… [frase incompleta].

Respondeu-me: «Hão-de ir». Continuei a perguntar: «E as minhas irmãs e meus irmãos vão também para o Céu?» A sua resposta foi que rezasse muito por eles, mas não me deu uma certeza. Compreendi que necessitavam de muitas orações.

Tratou-se de um sonho e, como diz o adágio: “O sonho é ilusão e só Deus salvação”. No entanto, no terceiro dia, resolveu-se esse difícil problema com muita felicidade. Conforme <santa Teresinha> me havia dito, assim se cumpriu à letra tudo o que se relacionava com essa questão. Foi um sonho, todavia lá teve o seu significado[105].

Por isso, a Igreja recorre, na sua oração, à «grande apóstola da Misericórdia» para «alcançar a graça de viver e caminhar sempre no perdão de Deus e na confiança inabalável do seu amor».

«E a nossa oração estenda-se também a tantos Santos e Beatos que fizeram da misericórdia a sua missão vital. Em particular, o pensamento volta-se para a grande apóstola da Misericórdia, Santa Faustina Kowalska. Ela, que foi chamada a entrar nas profundezas da misericórdia divina, interceda por nós e nos obtenha a graça de viver e caminhar sempre no perdão de Deus e na confiança inabalável do seu amor».

«“Jesus, eu confio em Vós”. Esta jaculatória, que numerosos devotos rezam, expressa muito bem a atitude com que também nós queremos abandonar-nos com confiança nas tuas mãos, Senhor, nosso único Salvador.

Tu ardes no desejo de ser amado, e aquele que sintoniza com os sentimentos do teu Coração aprende a ser construtor da nova civilização do amor. Um simples acto de abandono basta para romper as barreiras da obscuridade e da tristeza, da dúvida e do desespero. Os raios da tua divina misericórdia devolvem a esperança, de modo especial, àquele que se sente oprimido pelo peso do pecado.

Maria, Mãe de misericórdia, faz que mantenhamos sempre viva esta confiança no teu Filho, nosso Redentor. Ajuda-nos também tu, santa Faustina, que hoje recordamos com particular afecto. Fixando o nosso débil olhar no rosto do Salvador divino, queremos repetir contigo: “Jesus, eu confio em Vós”. Hoje e sempre. Amén»[106].

O Papa Francisco, na Bula Spes non confundit, anunciou que «o Ano Jubilar há de ser um Ano Santo caraterizado pela esperança que não conhece ocaso, a esperança em Deus».

«Agora chegou o momento dum novo Jubileu, em que se abre novamente de par em par a Porta Santa para oferecer a experiência viva do amor de Deus, que desperta no coração a esperança segura da salvação em Cristo. Ao mesmo tempo, este Ano Santo orientará o caminho rumo a outra data fundamental para todos os cristãos: de facto, em 2033, celebrar-se-ão os dois mil anos da Redenção, realizada por meio da paixão, morte e ressurreição do Senhor Jesus. Abre-se, assim, diante de nós um percurso marcado por grandes etapas, nas quais a graça de Deus precede e acompanha o povo que caminha zeloso na fé, diligente na caridade e perseverante na esperança (1Ts 1, 3)… A esperança é para nós uma âncora segura e firme, que penetra até ao interior do véu, onde Jesus entrou como nosso precursor» (Hb 6, 18-20), e, como tal, é um forte convite a nunca perder a esperança que nos foi dada, a mantê-la firme, encontrando refúgio em Deus… A esperança exorta-nos a caminhar sem perder de vista a grandeza da meta a que somos chamados: o Céu… Deixemo-nos, desde já, atrair pela esperança, consentindo-lhe que, por nosso intermédio, se torne contagiosa para quantos a desejam. Possa a nossa vida dizer-lhes: «Confia no Senhor! Sê forte e corajoso, e confia no Senhor» (Sl 27, 14). Que a força da esperança encha o nosso presente, aguardando com confiança o regresso do Senhor Jesus Cristo, a Quem é devido o louvor e a glória agora e nos séculos futuros»[107].

P. Manuel Reis


[1] Papa Francisco Exortação Apostólica C’est la confiance, n. 4, 15 de Outubro de 2023.

[2] Papa Francisco Exortação Apostólica C’est la confiance, nn. 1-3, 15 de Outubro de 2023.

[3] Nos seus escritos, Teresa usa o termo «confiança» 49 vezes (Cf. Sœur Geneviève, Les mots de sainte Thérèse de l’Enfant-Jésus et de la Sainte-Face. Concordance générale, Cerf, Paris 1996, 191). Na Exortação Apostólica C’est la Confiance, o termo «confiança» é usado 30 vezes ; o termo «amor» 77 vezes ; o termo «amor misericordioso» 8 vezes ; o termo «misericórdia» 9 vezes ; e o termo «misericórdia infinita» 4 vezes.

[4] «A confiança em Deus e o total abandono nas suas mãos eram em nossa casa virtudes familiares» (C. de Meester, Dinámica de la confianza. Génesis y estructura del «camino de infancia espiritual» de santa Teresa de Lisieux, Monte Carmelo, Burgos2, 1989, p. 95).

[5] Conrad de Meester, Diccionario de Santa Teresa de Lisieux, Editorial Monte Carmelo, Burgos, 1997, 147.

[6] C. Meester, As mãos Vazias. Mensagem de Santa Teresa do Menino Jesus, Edições Carmelo, Convento de Avessadas, 2ª ed., 2023, pp. 137-139.

[7] S. Isabel da Trindade, Carta 129.

[8] Je veux voir Dieu, p. 837.

[9] Papa Francisco, Carta Encíclica Dilexit nos, n. 37.

[10]  R. Laurentin, Thérèse de Lisieux, mythes et réalité, Beauchesne, Paris, 1972, p. 130.

[11] «Para Teresa, ter confiança é dizer «Tu», é orar» (C. Meester, Dynamique, p. 498)

[12] «O Amor Misericordioso foi a verdade vital que iluminou a sua existência» (L. Aróstegui, a. c., p. 227).

[13] João Paulo II, Homilia na canonização da Faustina Kowalska, 30-4-2000.

[14] «Acto de oferecimento ao amor misericordioso», in: Teresa de Lisieux, Obras completas (cit.) 1077.

[15] Papa Francisco, Homilia na Missa Crismal de 2024.

[16] Anthony-Joseph Pinelli, O caminho do amor, em Revista de Espiritualidade, 2024.

[17] Papa Francisco, Carta Encíclica Dilexit nos, n. 126.

[18] Teresa de Lisieux usa o vocábulo «abandono» 29 vezes nos seus escritos e «abandonar» 50 vezes (Cf. Sœur Geneviève, Les mots de sainte Thérèse de l’Enfant-Jésus et de la Sainte-Face. Concordance générale, Cerf, Paris 1996, 12-13).

[19] C. Meester, Dynamique de la Confiance, Cerf, Paris, 1995, pp. 41.43.45). «Normalmente, dá à sua esperança o nome de confiança. A confiança é a esperança» (Id., Las Manos Vacías, Burgos, 1981, p. 147). «A confiança teresiana é uma das mais belas expressões da esperança cristã» (F. M. Léthel, «Teresa teóloga, según la Positio de su doctorado», em Teresa de Lisieux, Profeta de Dios, Doctora de la Iglesia, Salamanca, 1999, p. 398). «A esperança exige uma abertura que só se dá quando se mostra uma profunda confiança no outro, e é o clamor dessa confiança que desperta o mistério da esperança. É o crédito no outro que é capaz de despertar a esperança» (Nurya Martínez-Gayol, La esperanza Cristiana, in Sal Terrae, Junio 2024, 511).

[20] C. Meester, Dynamique de la Confiance, p. 152.

[21] Papa Francisco, Carta Encíclica Dilexit nos, n. 140.

[22] Papa Francisco, Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, nn. 46-62.

[23] Papa Francisco, Exortação Apostólica C’est la Confiance, nn. 14-17.

[24] «Nenhum homem piedoso pode duvidar da misericórdia de Deus» (Concílio de Trento, Decreto sobre a justificação, IX: DzS 1534). «Todos devem depositar a mais firme confiança na ajuda de Deus» (Ibid., XIII: DzS 1541).

[25] Papa Francisco, Carta Encíclica Dilexit nos, n. 90.

[26] Papa Francisco, Exortação Apostólica C’est la Confiance, nn. 19-21.

[27] Papa Francisco, Exortação Apostólica C’est la Confiance, n. 28.

[28] «Jesus descobre-lhe que Deus é Amor, misericórdia, gratuidade (…) Teresa cristianiza o texto, pondo-o em boca de Jesus» (R. Llamas, a. c., pp. 291-292).

[29] Papa Francisco, Exortação Apostólica, C’est la Confiance, n. 34. E a contemplação, enquanto «amorosa notícia geral de Deus» (2 S 13, 7), é um acto contínuo de confiança em Deus: «Os que dessa maneira se virem, convém-lhes que se consolem perseverando em paciência, não tendo pena, confiem em Deus, que não deixa os que o buscam com coração simples e recto» (1 N 10, 3).

[30] «A sua missão doutrinal na Igreja consiste em ensinar-nos a sua fundamental experiência e a sua concepção de Deus infinito Amor Misericordioso» (A 83 v) (P. Roberto, o. c., p. 20).

[31] S. Teresa dos Andes, Carta 143.

[32] C. Péguy, Les Mystères de Jeanne d’Arc. Le Porche du Mystère de la Deuxième Vertu, Émile-Paul, Éditeur, Paris, 1911, pp. 258. 262-263. Esta «petite espérance», esta a «petite fille esperance», dorme cada noite e cada manhã deve ser despertada e reactivada para fecundar a nossa história de vida (Ch. Pèguy, El pórtico del misterio de la segunda virtud, Encuentro, Madrid, 2023, p. 14).

[33] C. Péguy, Les Mystères de Jeanne d’Arc. Le Porche du Mystère de la Deuxième Vertu, Émile-Paul, Éditeur, Paris, 1911, pp. 360-361. De facto, o «Deus da esperança» é o «Deus que tem esperança em nós», o «Deus que espera no homem», que aguarda, confia, espera incansavelmente na sua criação, no seu povo e em cada ser humano em particular para que realize a sua missão (O. González de Cardedal, Raíz de la esperanza, Sígueme, Salamanca, 1996, p. 247).

[34] Cf. Sœur Geneviève, o.p. & alii, Les mots de sainte Thérèse de l’Enfant-Jésus et de la Sainte-Face. Concordance générale, Cerf, Paris 1996, 528-529.

[35] Papa Francisco, Catequese: Teresa do Menino Jesus e a ciência do amor, 6 de Abril de 2011.

[36] Papa Francisco, Exortação Apostólica C’est la Confiance, n. 25-27.

[37] Papa Francisco, Exortação Apostólica C’est la Confiance, n. 27. «A confiança é a melhor oferta agradável ao Coração de Cristo» (Papa Francisco, Carta Encíclica, Dilexit nos, n.138).

[38] C. Niqueux, a. c., p. 238.

[39] «A experiência de Deus Amor Misericordioso gratuidade absoluta é a nota bíblica mais destacada e universal da vida e da obra de S. Teresinha… raiz da sua confiança em Deus, do seu amor sem limites a Jesus, da sua humildade sincera no reconhecimento do seu próprio nada» (R. Llamas). O acto de oferecimento ao Amor misericordioso usa a linguagem da esperança. Toda a esperança de Teresa, animada pelo amor, tende para a fonte donde provém: Deus na Trindade (C. Niqueux, a. c., p. 245).

[40] C. Niqueux, «L’ esperance aveugle en la Miséricorde divine», em Thérèse de l’Enfant.Jésus. Docteur de l’Amour, Éditions du Carmel, Venasque, 1990, pp. 215-261.

[41] C. Niqueux, a. c., p. 246.

[42] H.U. von Balthasar, Solo el amor es digno de fe, Herder, Barcelona, 1989.

[43] «A partir deste retiro entrega-se toda inteira à confiança em Deus e busca nos Livros Santos a aprovação da sua audácia. Repetia com alegria a frase de S. João da Cruz: “Alcança-se de Deus quanto se espera”» (M. Inês, PO I, p. 155).

[44] Papa Francisco, Mensagem para o VIII Dia Mundial dos Pobres, n. 5.

[45] H. U. von Balthasar, Thérèse von Lisieux. Geschichte einer Sendung, Colónia, 1950, p. 276.

[46] «A paciência – fruto também ela do Espírito Santo – mantém viva a esperança e consolida-a como virtude e estilo de vida. Por isso, aprendamos a pedir muitas vezes a graça da paciência, que é filha da esperança e, ao mesmo tempo, seu suporte» (Papa Francisco, Bula “Spes non confundit”, n. 4).

[47] «A sua confiança é a alma da “pistis” de S. Paulo: o abandono amoroso à graça salvadora de Deus. O seu oferecimento à Misericórdia consiste em conceder plenamente direito à lógica do “amor de Deus manifestado em Jesus Cristo, e de quem nada nos pode separar» (C. Meester, Las manos vacías, pp. 168-169).

[48] Edith Stein, O Mistério do Natal, n. 3, 3.

[49] Monges Cartuxos, A Igreja em Oração, Paulinas, 2024, p. 77.

[50] Papa Francisco, Carta Encíclica Dilexit nos, n. 117.

[51] Papa Francisco, Carta Encíclica Dilexit nos, n. 141.

[52] J. Lafrance, A minha vocação é o amor, Lisboa, 1986, p. 131.

[53] Papa Francisco, Exortação Apostólica C’est la Confiance, nn. 23-24.

[54] Conrad de Meester, Mãos vazias, p. 148.

[55] Papa Francisco Carta Encíclica Dilexit nos, n. 193. «A recusa da nossa liberdade não permite que o Coração de Cristo espalhe as suas “ondas de infinita ternura” neste mundo» (Ibidem, n. 197). «Não se trata apenas de deixar que o Coração de Cristo difunda a beleza do seu amor no nosso coração, através de uma confiança total, mas também que, através da própria vida, chegue aos outros e transforme o mundo: “No coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o Amor […], assim o meu sonho será realizado” (B 3v). Os dois aspectos estão inseparavelmente ligados» (Ibidem, n. 198).

[56] «Talvez o texto mais relevante para compreender o significado da sua devoção ao Coração de Cristo seja a carta que escreveu, três meses antes de falecer, ao seu amigo Maurice Bellière» (Papa Francisco, Carta Encíclica Dilexit nos, n. 136).

[57] Les Annales de Sainte Thérèse de Lisieux, 1931, p. 112.

[58] Positio, História do Doutoramento de Santa Teresa do Menino Jesus da Santa Face.

[59] J. Paulo II, «Discurso aos Jovens Religiosos (as) do Congresso Internacional de Roma, 30 de Setembro de 1997.

[60] J. Paulo II, Carta Apostólica “Divini Amoris Scientia”, n. 1, 19 de Outubro de 1997.

[61] No fim da Oração para orientar a vida com sabedoria, São Tomás de Aquino pede a Deus o dom da confiança: «Concedei-me, Senhor, meu Deus, […] uma perseverança confiante que vos espere e a confiança de, no fim, vos abraçar». «Rezar com confiança» é talvez a atitude que melhor distingue a oração do Aquinate: «A confiança que um ser humano tem em Deus deve ser absolutamente segura» (Compêndio de teologia, parte II, cap. 4, n. 552).

[62] J. Paulo II, Homilia na Missa da Praça de São Pedro, Dia Mundial das Missões, 19 de Outubro de 1997.

[63] Desta confiança e esperança de Deus em nós, ínfimos e pecadores, escrevia Charles Péguy, em 1914, aos 41 anos.

[64] H. U. von Balthasar, Thérèse von Lisieux. Geschichte einer Sendung, Colónia, 1950, p. 276.

[65] S. Agostinho, Enchiridion, II, 8.

[66] J. Lafrance, o. c., pp. 154-156.

[67] Papa Francisco, Bula Misericordiae vultus, n. 25.

[68] Catherine Aubin, A Oração de Maria, Paulinas, 2024, pp. 46-47.

[69] «Esta estrofe é particularmente importante por revelar claramente o carácter mariano do “Caminho de confiança”, de abandono, de amor, de Santa Teresa de Lisieux. Aprofunda, de facto, o mistério da pobreza de Maria, como pobreza espiritual da fé, despojada de qualquer tipo de graças extraordinárias, e seguindo o caminho comum dos mortais de uma fé obscura, purgativa e unitiva, que está na base da confiança e do amor que se torna abandono ao Amor Misericordioso de Deus Pai, manifestado em Jesus Cristo» (Mauricio Martín del Blanco, Maria e os Santos do Carmelo, Edições Carmelo, Avessadas, 2006, p. 83).

[70] Dicastério para a Doutrina da Fé, Declaração Fiducia suplicans sobre o sentido pastoral de bênçãos, n. 22. «O amor, isso é algo infinito e no infinito podemos sempre ir mais longe!» (S. Isabel da Trindade, Carta 192).

[71] Positio, A eminência da doutrina de Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, pp. 600-601.

[72] PA 1403.

[73] Maria da Trindade, PO 2129.

[74] PO 1043.

[75] CSG 57.

[76] CSG 62.

[77] CSG 65.

[78] CSG 101.

[79] CSG 156.

[80] Papa Francisco, Carta Encíclica, Laudato Si’ sobre o Cuidado da Casa Comum, nn. 230-231.

[81] CSG 26.

[82] CSG 50.

[83] «É com confiança que Vos peço que venhais tomar posse da minha alma» (Or 6).

[84] «Não encontrando na terra nenhum auxílio, a pobre Teresinha voltara-se também para a sua Mãe do Céu; pediu-lhe com todo o coração que tivesse finalmente piedade dela» (A 30 r). «A Santíssima Virgem, minha querida Mãe: é a ela que entrego o meu oferecimento, pedindo-lhe que Vo-lo apresente» (Or 6).

[85] «Desde a minha infância venerava particularmente a Virgem Santa Bárbara; por isso com o coração cheio de confiança, supliquei-Lhe que não me deixasse morr5er sem ter recebido o santo Viático» (RP 8, 5 r).

[86] C. Meester, Dynamique, p. 498.

[87] Papa Francisco, Carta Encíclica Dilexit nos, n, 142.

[88] Papa Francisco, Bula “Spes non confundit”, n. 23.

[89] Papa Francisco, Catequeses. Os vícios e as virtudes. 18. A esperança.

[90] Irmã Lúcia de Jesus, Apelos da Mensagem de Fátima, Secretariado dos Pastorinhos, Fátima, 2005, p. 78.

[91] Cf. a «História da pecadora convertida e morta de amor»: «a história é edificante e muito própria para inspirar aos maiores pecadores confiança na misericórdia do Senhor, quando regressam sinceramente a Ele… a sua penitência de uma hora foi mais agradável a Deus do que a que outros fazem durante muito tempo, porque não a fazem com tanto fervor como ela» (O. C., pp. 1381-1382). «A bela novidade da espiritualidade teresiana da confiança no amor misericordioso de Jesus reflecte o coração do Evangelho» (Papa Francisco, Carta Encíclica Dilexit nos, n. 137).

[92] Slawomir Biela, Abandonar-se ao Amor, Paulus, 2002, p. 94.

[93] Papa Francisco, Homilia matinal “Confiar na misericórdia de Deus”, 30 de Março de 2020.

[94] Conrad de Meester, Mãos vazias, pp. 150-151.

[95] Irmã Lúcia de Jesus, Carta à Mãe, Tuy, 01-23-1930.

[96] B. Bro, o. c., pp. 231-233.

[97] Papa Francisco, Exortação Apostólica, C’est la Confiance, n. 41.

[98] Papa Francisco, Exortação Apostólica, C’est la Confiance, nn. 42-45.

[99] J. Paulo II, Carta Apostólica Divini Amoris Scientia, 19 de Outubro de 1997.

[100] Papa Francisco, Exortação Apostólica, C’est la Confiance, nn. 47. 49-50.

[101] Papa Francisco, Exortação Apostólica, C’est la Confiance, n. 51.

[102] P. Poupard, Thérèse de Lisieux: La force de l’amour pour le monde de l’incroyance, em Thérèse de l’Enfant-Jésus Docteur de l’Amour, Venasque,1990, pp. 311-312.

[103] Papa Francisco, Exortação Apostólica, C’est la Confiance, n. 52.

[104] Papa Francisco, Exortação Apostólica, C’est la Confiance, n. 53.

[105] Irmã Faustina Kowalska, Diário, n. 150, Caderno I, Edição dos Marianos da Imaculada Conceição, Fátima, 1995, pp. 72-73. (Cf. A biografia: La Miséricorde de Dieu dans mon âme. Petit Journal de Sœur Faustine, Éditions Hovine, 1985, pp. 98-99). Disse-lhe o Senhor: «Secretária do meu mais profundo mistério, […] a tua tarefa é escrever tudo o que eu te dou a conhecer sobre a minha Misericórdia para o bem das almas que, lendo estes escritos, possam experimentar um consolo interior e terem a coragem de se aproximar de Mim» (Diário, 1693)

[106] J. Paulo II, Homilia na Praça de S. Pedro, 22/04/2001.

[107] Papa Francisco, Bula “Spes non confundit”, nn. 6. 25.