A Esperança não subsiste sozinha

Com meus artigos,não pretendo apresentar uma doutrina devidamente estruturada e teologicamente fundamentada. Sempre gostei de partilhar e, à medida que me surgem questões que reputo de algum interesse, sinto que não tenho o direito de as reservar para mim.

No artigo anterior, quis sublinhar que o novo tempo, nascido com o imperador Constantino, foi acompanhado por uma resposta que perdura até aos dias de hoje naquilo que é estruturante da fé. Não quis, nem quero, advogar a necessidade ou conveniência de um novo concílio. Creio que o Espírito Santo conduziu a Igreja para uma novidade permanente, a encontrar em todos os lugares onde os cristãos vivem e dialogam sobre as razões da fé. A resposta surgirá sempre das orientações do Papa. A comunidade, pequena ou grande, pode intuir quanto o momento presente lhe está a solicitar.

Basta a atenção e a vontade de estar na fidelidade ao Espírito. Num futuro próximo, não temos outro caminho a percorrer senão o caminho sinodal, e ele pode – e deve – acontecer em qualquer lugar, desde que a fidelidade à Igreja também se verifique.

O Espírito é único, e a unidade da Igreja distinguirá sempre todas e quaisquer formas de associativismo. Foi isso que quis sublinhar ao falar do Concílio de Niceia, numa época que se tornou paradigmática e emblemática.

Hoje, dou continuidade à conclusão que retirei da última partilha. Santo Agostinho referia – e sabemos como poderá influenciar este novo Papa – «que não se pode passar sem estas três propensões da alma: crer, esperar, amar». A teologia deu a estas três atitudes a categoria de virtudes teologais, no sentido em que reproduzem o modo de ser e de estar em Deus. Delas nascem todas as outras virtudes, bem como toda a moralidade, entendida como modo de ser cristão. Nunca devemos esquecer que a vocação cristã está sempre orientada para um agir na caridade e no amor. Não uma mera filantropia de palavras, mas uma caridade operativa e interventiva.

Somos permanentemente artesãos do amor, e cada momento é uma graça onde manifestar quanto acreditamos — sobretudo quando nos encontramos com os outros, mas também na vida particular, onde entram os hábitos rotineiros, assim como numa relação de verdadeira responsabilidade conservadora de uma natureza que se torna casa de todos e de cada um.

Se a caridade é a visibilidade da vida cristã, a fé é o motor e o impulso. O logotipo do Sínodo sobre a esperança apresenta-a como a âncora. A segurança perante os desafios e a problemática humana só encontra a devida equação quando está verdadeiramente cimentada num amor a Deus. A esperança é o sonho que nos impele a tornar a fé operativa e a manifestar que a caridade nunca se cansa de lutar e trabalhar por um mundo idealizado na lógica da vida trinitária. O amor entre as três Pessoas divinas passa para o concreto da vida, com todas as implicações que isto possa sugerir.

Estas três virtudes são inseparáveis e só se compreendem quando se exigem e explicam umas às outras. É interessantíssimo o poema de Charles Péguy: «são três irmãs gémeas que crescem juntas numa vida que parece única, embora, em momentos diferentes, se apresentem separadas e interventivas de modos distintos – mas que devem ser complementares».

Daí que me pareça que este ano da esperança é um manancial de iniciativas a manifestar esta interligação entre estas três virtudes. Não basta ficar nos títulos bombásticos para a comunicação social. Há muito caminho a percorrer e muita novidade a interpretar. Será que vão deixar tudo na mesma?

São significativas as palavras do Papa Francisco: «Todos esperam. No coração de cada pessoa, encerra-se a esperança como desejo e expetativa do bem, apesar de não saber o que trará consigo o amanhã». Porém, esta imprevisibilidade do futuro faz surgir sentimentos por vezes contrapostos: desde a confiança ao medo, da serenidade ao ceticismo e pessimismo, perante o futuro como se nada lhes pudesse proporcionar felicidade» (Bula do Jubileu, 1).

Trata-se de reanimar a esperança, sabendo que esta precisa de se alicerçar numa fé mais consistente e confiante e numa caridade que não teme

os males do mundo, mas que age confiadamente – talvez na pequenez das coisas – sabendo que, juntos, somos capazes de construir um mundo melhor. Nesta articulação entre as três virtudes, lembro-me de que Santo Agostinho afirmava que a esperança tem «duas filhas muito queridas»: a indignação e a coragem. Quando há caridade perante o mundo, só nos resta a indignação. A fé e, particularmente, a esperança obrigam-nos à coragem.

Acreditamos, sonhamos que algo podemos mudar, e não temos medo!

D. Jorge Ortiga, Arcebispo Emérito de Braga