REIS, Manuel, in Didaskalia XXXIV (2004) pp.183-238. (Revisto)
– «Nunca deixei um instante de esperar»[1].
– «Quanto mais avança o tempo, mais eu espero»[2].
– «O que me fazia viver era a esperança de ser um dia carmelita»[3].
– «Deus, assim o espero, dar-me-á os meios para lhe ser fiel»[4].
– «Espero que Deus escute a minha oração»[5].
– «Espero n’Aquele que é a Virtude, a própria Santidade. Só Ele, contentando-se com os meus fracos esforços me elevará até Ele e, cobrindo-me dos seus méritos infinitos, me fará Santa»[6].
– «Certamente que Deus não defraudará uma esperança tão cheia de humildade»[7].
– «O que lhe agrada… é a esperança cega que tenho na sua misericórdia»[8].
– «Os meus desejos, as minhas esperanças que tocam o infinito»[9].
– «A minha loucura é esperar que o teu Amor me aceite como vítima»[10].
– «Quero, ó meu Deus, fundar a minha esperança só em Vós»[11].
– «Ó meu Deus, fostes além da minha esperança»[12].
– «A esperança de ir para o Céu inundava-me de alegria»[13].
– «Morrer de amor, eis a minha esperança»[14].
– «Todas as minhas esperanças se realizaram»[15].
– «As minhas esperanças foram largamente ultrapassadas»[16].
– «Todas as minhas esperanças serão realizadas»[17].
Introdução
Vivemos numa época marcada por uma «crise de esperança»[18], melhor dito, em tempos de «tormento e ventura» da esperança[19], em que tanto a esperança quanto o desespero, estão sempre cada vez mais presentes no nosso mundo, e a tal ponto, que os espíritos se desorientam perante o drama humano[20].
«O homem contemporâneo está debilitado, porque desespiritualizado. Fazê-lo esperar a salvação pelo conforto material é, em definitivo, entregá-lo ao desespero… O homem moderno é um angustiado… A crise horrível que veio perturbar a humanidade é uma crise de desespero recalcado»[21].
«A esperança e o desespero,
impelem-nos através do mundo.
Há horas em que a esperança
nos beija e acaricia,
e há horas em que o desespero nos bate
e nos arrasta pelos cabelos»[22].
Assim como a Igreja de hoje sintonizou com «as alegrias e as esperanças dos homens do nosso tempo»[23], assim também Teresa de Lisieux acompanhou a alegria e a esperança dos homens do seu tempo[24]. Ela ensina-nos a procurar a esperança no meio do desespero, a vencer a tentação do desespero com a força da esperança. É mestra para nos ajudar a reactivar uma espiritualidade da esperança comprometida, especialmente em tempo de crise[25]. Apesar de estarmos a um século de distância, admiramos a tenacidade do seu combate espiritual pela esperança[26], espicaçado pela tentação do inimigo contra a esperança[27], fortalecido pela força da vitória de Cristo[28]. No âmbito da Igreja, a Comunidade de esperança ao serviço dos irmãos[29], os místicos «esperando como esperam», são homens[30] e mulheres[31] de esperança certa e segura[32] na vitória da vida[33].
«Podemos ver na eclosão de uma primavera da esperança cristã o sinal característico do presente cristão. Esta primavera da esperança foi canonizada no jardim de rosas de Lisieux»[34].
Com o seu sentido teológico da esperança[35], Teresa pode continuar a oferecer à humanidade de hoje, sempre em maior profanidade e carência de esperança, um «projecto-esperança», já que «a esperança é o maior desafio do nosso tempo»[36], para que não decaia no medo do desespero, mas receba «o suplemento de alma» que necessita para, em vez de desmoronar-se, se refazer das cinzas da sua pequenez, e crescer até à grandeza do seu destino de glória[37].
«Em vez de desanimar… posso aspirar à santidade apesar da minha pequenez… o ascensor que me deve elevar até ao Céu, são os vossos braços ó Jesus»[38].
Talvez seja necessário estar alguma vez desesperado, isto é, sem esperança «activa», como foi o caso de Teresa, diante da «montanha do amor», para descobrir a esperança «passiva», a saber, a graça de Cristo, como «caminho inteiramente novo» de elevação humana. Com esta descoberta, começou o seu caminho de esperança[39], ou de confiança[40], a ponte sempre nova que interliga a realidade e o ideal de vida[41]. Desde esta hora de luz, vê o processo da sua santificação, na plenitude do amor, como obra da confiança da sua esperança na gratuidade divina.
«Sinto sempre a mesma confiança audaciosa de me fazer uma grande Santa, pois não conto com os meus méritos, não tenho nenhum, mas espero n’Aquele que é a Virtude, a Própria Santidade. É Ele só que, contentando-se com os meus fracos esforços, me elevará até Ele, e cobrindo-me com seus méritos infinitos, me fará Santa»[42].
Só a sua consciência de «pobre pequeno nada sem mais»[43], lhe dá o direito de dizer que «a sua esperança é o seu tesouro»[44] e, ao mesmo tempo, reconhecer que ele pertence a Deus[45]. Só «o Deus da esperança»[46] – «que não se cansa de esperar por certas almas»[47] – a «fez abundar na esperança» (Rm 15, 13), de tal modo que, não só não se cansou de esperar por Deus[48], mas soube esperar a hora de Deus na sua vida, o que nem sempre é fácil, senão com muita fé[49].
«C’est d’espérer qui est difficile
Et le facile et la pente est de désespérer, et c’est la tentation…
Il faut avoir confiance en Dieu mon enfant.
Il faut avoir espérance en Dieu.
Il faut avoir confiance à Dieu.
Il faut faire crédit à Dieu.
Il faut avoir cette confiance en Dieu d’avoir espérance en Lui.
Il faut faire cette confiance à Dieu d’avoir espérance en Lui.
Il faut faire ce crédit à Dieu d’avoir espérance en Lui.
Il faut faire espérance à Dieu.
Il faut espérer en Dieu, il faut avoir foi en Dieu, c’est tout un,
c’est tout le même»[50].
Na sua fé, esperou na fidelidade inquebrantável do Senhor[51], com a certeza de que o bom Deus não pode enganar uma esperança tão cheia de humildade[52]. Esta certeza absoluta da sua esperança é exclusivamente de raiz teologal – «nunca a minha esperança foi confundida»[53] –, porque «Deus nunca me fez desejar qualquer coisa sem ma dar»[54]. Na grande paz de ser absolutamente pobre, de contar só com Deus[55], de reconhecer-se «tão miserável»[56], de «ver o seu pequeno nada»[57], só lhe resta «a esperança dos pobres»[58] – «os pobres têm o segredo da esperança»[59]– que nunca será iludida (Sl 9, 19), porque clamam e o Senhor ouve-os (Sl 34, 7). Ela, para quem esperar é orar o amor[60] e orar é esperar pacientemente o amor[61], amor que, por sua vez, «espera sempre» (1 Co 13, 7), reconhece que Deus cumulou sempre a sua esperança[62] e o seu amor[63], levando-a sempre mais longe na grandeza da sua pequenez[64].
A natureza da esperança cristã
Saber o que é a esperança cristã, na óptica teresiana, obriga, por certo, a situá-la primeiro no contexto da tradição, rica de recriações sobre o tema, fundamentada na esperança de Jesus de que «o Reino de Deus está perto» (Mc 1, 15). Na verdade, não só Cristo nos espera (Hb 10, 13), como, em nós, é a esperança de glória (Cl 1, 27). De facto, o abaixamento do Filho de Deus (Fl 2, 8), e a sua consequente exaltação (Fl 2, 9), constituem o fundamento cristológico e a razão de ser da nossa esperança cristã[65]. A ressurreição de Jesus de entre os mortos é o fundamento e a síntese da esperança cristã, porque é a confirmação de todas as promessas de Deus, o «sim» de Deus à sua criação e à história humana (1 Pe 1, 3-4; 2 Co 1, 20). «As nações colocarão a esperança no seu nome» (Is 42, 1. 4; Mt 12, 21).
«Deus precedeu-nos: é o mistério de todos os mistérios. Todos os sentimentos, todos os impulsos que devemos ter para Deus, teve-os Deus em relação a nós. Singular inversão das coisas, que acompanha todos os mistérios, os multiplica, os dilata até ao infinito. É necessário ter confiança em Deus: Ele teve confiança em nós, a ponto de nos entregar o seu Filho Unigénito (ai de mim, que fizemos dele!). Foi Deus que nos deu crédito e confiança, que acreditou em nós, que teve fé em nós. Deus esperou em nós. Deus pôs em nós a sua esperança, a sua pobre esperança em cada um de nós, no mais ínfimo dos pecadores. E então nós, ínfimos, nós, pecadores, não havemos de colocar a nossa esperança nele?»[66].
Espera recíproca cheia de confiança no cumprimento da promessa de Deus: «Espera que contém a presença, pergunta que contém a resposta, esperança que contém o cumprimento» (Karl Barth). Deus, porém, que foi o primeiro a confiar e a esperar em nós, diz o mesmo poeta, fica surpreendido com a esperança dos homens, maravilha da sua graça. »para esperar é preciso ter tido uma grande graça»[67].
«A virtude que mais gosto, diz Deus, é a esperança. A fé não me surpreende. Não se torna para mim surpreendente. Resplandeço tanto na minha criação… e sobretudo nas crianças, minhas criaturas, sobretudo no olhar e na voz das crianças, que, verdadeiramente, para não me ver seria necessário que os homens estivessem cegos. A caridade, diz Deus, não me surpreende. Não se torna para mim surpreendente. Estas pobres criaturas são tão infelizes que, a não ser que tenham um coração de pedra, como não iam ter caridade umas com as outras? Mas a esperança, diz Deus, esta sim que me surpreende. Surpreende-me até a mim mesmo. Que esses pobres filhos vejam como correm hoje as coisas e acreditem que amanhã irá tudo melhor, isto sim que é surpreendente e é, de longe, a maior maravilha da nossa graça. Essa pequena esperança que parece uma coisinha de nada, esta pequena criança esperança imortal…».
S. Paulo diz-nos que «toda a criação aguarda ansiosa a revelação dos filhos de Deus, que nós próprios gememos aguardando a filiação adoptiva, pois, fomos salvos na esperança do que se não vê e, por isso, com paciência o esperamos»[68].
Esta «movimento para o que não temos»[69], esta procura da posse de Deus, comum a todos os cristãos – «existe uma só esperança no chamamento que recebemos» (Ef 4, 4) – é, no dizer de um homem, que «em esperar não foi falto»[70], «o meio teologal de união com Deus»[71], que implica o vazio da memória «no de aqui e no de ali», para o homem poder voar a Deus[72], «tendo o coração tão levantado do mundo e vivendo somente vestido de esperança de vida eterna»[73].
«Sem este vestido verde da esperança só em Deus, não lhe convinha à alma sair a esta pretensão de amor, porque não alcançaria nada, porque o que move e vence é a esperança porfiada»[74].
Esta «esperança porfiada» no «reino que há-de vir», nascida no Baptismo[75], alimentada na Eucaristia[76], no seu conteúdo objectivo de espera (espoir) – a «teologia da esperança»[77] – e na sua atitude e sentimento subjectivo de esperança (espérance) – a «espiritualidade da esperança»[78] –, quer como critério hermenêutico da teologia contemporânea para ler a história da salvação, quer como chave para interpretar o sentido último da existência[79], é a força que move todo o movimento da vida teologal[80], que, na perspectiva mística, vai de eternidade à eternidade[81], mas sem nunca trair a terra.
«A esperança escatológica não diminui a importância das tarefas terrestres, antes fortalece a sua realização com motivos novos. Na verdade, se faltam o fundamento divino e a esperança da vida eterna, a dignidade do homem é gravemente lesada, como acontece frequentemente em nossos dias, e os enigmas da vida e da morte, do pecado e do sofrimento, ficam sem solução, levando frequentemente os homens ao abismo do desespero»[82].
Neste sentido, «a miragem de uma vida futura, não desvia o homem de edificar a cidade terrestre»[83]; pelo contrário, a «firme esperança, dom do Espírito Santo[84], obriga os cristãos, quer a aproveitar o tempo presente e a exprimir esta sua esperança nas estruturas da vida social»[85], quer «a esperar com fé firme o cumprimento da “feliz esperança” de Cristo»[86].
«Aquele que espera, vigilante, o cumprimento das promessas de Cristo, é capaz de infundir também a esperança nos seus irmãos e irmãs, frequentemente desanimados e pessimistas relativamente ao futuro. A sua esperança está fundada na promessa de Deus, contida na Palavra revelada: a história dos homens caminha para «o novo céu e a nova terra» (Ap 21, 1), onde o Senhor «enxugará as lágrimas dos seus olhos: não haverá mais morte, nem pranto, nem gritos, nem dor, porque as primeiras coisas passaram (Ap 21, 4)»[87].
Na sua vida, Teresa harmoniza esta dupla atitude imanente e transcendente da «alegre esperança» da «vida eterna» já começada no tempo: «Jesus o Rei do Céu, tomando-me para si, não me tirou o meu santo Rei da terra»[88]. Sabemos que chegou a pedir o «duplo Amor»[89], não para um amor duplo, mas para «correr com alegria no caminho do mandamento novo»[90]. Contudo, parece que nela, ao princípio, predomina a tendência lamartiniana da terra inóspita para um habitante do céu: «a terra parecia-me lugar de exílio e sonhava com o céu… a terra parecia-me ainda mais triste e compreendia que só no Céu a alegria é sem nuvens»[91]. Daí querer passar por esta «terra estrangeira»[92], «indiferente às coisas da terra»[93], «elevando-se acima do que passa, mantendo-se à distância da terra, pois, mais alto o ar é mais puro»[94].
«Estou ainda na terra estrangeira,
Mas pressentindo a felicidade eterna,
Oh! quereria deixar já a terra
E contemplar as maravilhas do Céu…»[95].
No entanto, ao ser fiel ao amor, foi fiel à esperança cristã[96], e, ao ser fiel à esperança, foi fiel ao amor[97]. Na sua esperança, encontrou o seu Céu no Amor[98], que foi tanto a sua esperança na terra como no céu[99]. Na terra, «desejou amar e fazer amar»[100] e, no céu, «fazer amar o bom Deus como eu o amo»[101]. Esperança da terra e esperança do céu, unificadas pelo fogo do céu lançado sobre a terra, o amor inextinguível.
«Uma só espera faz bater o meu coração, é o amor que receberei e o que poderei dar»[102].
Em Teresa, o conteúdo da esperança cristã esgota-se no tempo, como morte de amor[103], mas ressurge na eternidade, como vida de Amor[104]. A esperança de Teresa «não morreu, entrou na vida»[105].
«Nesta perspectiva escatológica, os crentes serão chamados a redescobrir a virtude teologal da esperança, de que tiveram «conhecimento pela palavra da verdade, o Evangelho» (Cl 1, 5). A atitude fundamental da esperança, por um lado impele o cristão a não perder de vista a meta final que dá sentido e valor à sua existência inteira, e por outro oferece-lhe motivações sólidas e profundas para o empenhamento quotidiano na transformação da realidade a fim de a tornar conforme ao projecto de Deus. (…). Os cristãos são chamados a preparar-se para o Grande Jubileu do início do terceiro milénio, renovando a sua esperança no advento definitivo do Reino de Deus, preparando-o dia após dia no seu íntimo, na Comunidade cristã a que pertencem, no contexto social onde estão inseridos e deste modo também na história do mundo»[106].
A concepção teresiana da esperança
Como não podia deixar de ser, Teresa é devedora, na sua compreensão da esperança cristã, de todo o património teológico-espiritual da tradição bíblica[107] e eclesial[108], sobretudo, como vimos, das esperanças crísticas de S. Paulo e de S. João da Cruz.
De Paulo, recebeu tanto o conceito da «salvação em esperança» (Rm 8, 24) como o da «esperança da salvação» (1 Ts 5, 8); tanto o fundamento teológico da esperança (Rm 15, 13), como cristológico (Cl 1, 27) e pneumatológico (Rm 8, 23), origem da «nossa vocação da esperança de glória» (Ef 1, 18), bem como da «criação inteira» (Rm 8, 20). O amor de Deus em Cristo é o fundamento da firmeza da nossa esperança (Rm 8, 38-39).
De João da Cruz, beneficiou especialmente da sua análise sucinta da função da esperança na vida espiritual[109] – note-se que a esperança é o fundamento da vida espiritual[110] –, quer como memória do «passado» ou a recordação como libertação ou purificação de recordações, quer como memória do «futuro»[111] ou a aspiração, antecipação e construção gradual do amanhã de glória[112] e de eternidade[113], quer ainda como memória do «presente», ou seja, a vivência do agora[114]. Dele aprendeu que Deus prova a força da nossa esperança[115] e nos guia em noite de esperança[116] para a união com Deus[117].
«Se a memória abre o espírito a Deus, que está ontologicamente detrás, abre também ao Deus que é sempre maior do que o homem e que está historicamente diante. Desta forma, a memória funda a continuidade da vida humana entre a origem e o destino, e confere ao homem a consciência temporal, ao outorgar-nos o reconhecimento da nossa conaturalidade com Deus como imagem sua e do nosso destino para ele, pois onde está o nosso começo aí está o nosso fim. Recordação e esperança são assim as duas formas em que a memória nos afinca em Deus. Por isso, a memória enxerta-nos no tempo e arranca-nos ao tempo, realçando a nossa temporalidade constitutiva e a nossa isenção em relação ao tempo. (…) Em S. João da Cruz a memória viva da sua experiência de graça prolonga-se em memória ontológica (abertura à eternidade de Deus), em memória histórico-salvífica (acolhimento da história salvífica levada a cabo por Jesus e identificação a partir dela) em memória escatológica (antecipação da glória futura à qual o homem é convocado. Assim, dá-se a convergência das distintas perspectivas da realidade e unifica-se a vida no tempo, distendido para a eternidade que o funda, para a glória que o espera e a partir da própria experiência histórica)»[118].
Munida de todo este enriquecimento teológico e teologal, não admira que Teresa viva realisticamente o presente[119], confiando o passado[120], que não a desanima[121], mas que agradece[122], e o futuro[123], que não a desespera[124], mas a responsabiliza por si[125] e pelos outros[126], à Misericórdia de Deus: «Sofro apenas um instante… É por se pensar no passado ou no futuro que desanimamos e desesperamos»[127].
«Minha vida não é que um instante…
Tu o sabes, ó meu Deus! para te amar na Terra
Não tenho senão o hoje»[128].
Viveu, pois, a esperança teologal – «tudo espero do bom Deus[129]» – como esposa que tudo espera do esposo e que de todo se dá ao esposo[130], na própria dinâmica do Espírito «já» começada, mas «ainda não» alcançada na sua plenitude definitiva: «Vejo o que acreditei, possuo o que esperei, estou unida Àquele que amei com todo o meu poder de amar[131]».
Observamos como nela a evolução do movimento da esperança se configura como movimento de confiança: «Ó Jesus! deixa-me no excesso do meu reconhecimento, deixa-me dizer-te que o teu amor vai até à loucura… Como queres que perante esta loucura, o coração não se me atire para ti? Como poderia a minha confiança ter limites?… Jesus, sou demasiado pequena para realizar grandes coisas… e a minha loucura pessoal, é esperar que o teu Amor me aceite como vítima…[132]». Esta esperança, mais passiva que activa, eleva-se a Deus como confiança nascida do amor[133].
«O teu Coração que guarda e que dá a inocência
Não poderia enganar a minha confiança!
Em ti, Senhor, repousa a minha esperança
Depois do exílio, irei ver-te no Céu…»[134].
Já no Antigo Testamento, a «esperança larga»[135] se confundia com a amorosa confiança em Deus[136], como, aliás, se rezava em Israel.
«Eu confio no Senhor
A minha alma confia na sua palavra
A minha alma espera pelo Senhor
Mais do que as sentinelas pela aurora[137]».
Nesta luz bíblica, a natureza da esperança teresiana é eminentemente teologal, isto é, é o desejo do próprio Deus, que sendo a origem, deve ser o meio e o fim da esperança de Teresa, como ela o diz expressamente: «Para me elevar até Jesus… o ascensor que me deve elevar até ao Céu, são os vossos braços ó Jesus»[138]. A esperança de Teresa é uma esperança fundada na Páscoa de Jesus, no seu Sangue, no seu lado aberto de Esposo, que nunca será fechado.
Estamos no ponto crucial da passagem de uma esperança activa e ascética, que se apoia nas próprias forças, para a consciência de uma esperança passiva e mística, que lhe é sempre anterior, melhor concomitante, a nível energético, em que o ponto de apoio, é unicamente a força de Deus»[139], e a «alavanca», a força orante da esperança, cujo «amor» move a Igreja e salva o mundo[140]. A esperança de Teresa, na luz da fé e no ardor da caridade, comunica dinamismos de vida eterna a todas as esperanças humanas. «A esperança é a verdadeira juventude do mundo».
«Creio na vida eterna»: assim professa a nossa fé, e a esperança cristã encontra nestas palavras um ponto fundamental de apoio. De facto, «é a virtude teologal pela qual desejamos (…) a vida eterna como nossa felicidade»… Enquanto, em virtude da esperança na qual fomos salvos, vendo passar o tempo, temos a certeza que a história da humanidade e a de cada um de nós não correm para uma meta sem saída nem para um abismo escuro, mas estão orientadas para o encontro com o Senhor da glória. Por isso vivemos na expetativa do seu regresso e na esperança de vivermos n’Ele para sempre: é com este espírito que fazemos nossa aquela comovente invocação dos primeiros cristãos com que termina a Sagrada Escritura: «Vem, Senhor Jesus!» (Ap 22, 20)[141].
O fracasso da «impossibilidade de crescer-se», a sua «incapacidade de ser santa» – «sou muito pequena para subir a rude escada da perfeição»[142] – obrigou-a ao «laisser-faire» de se «deixar levar»[143], não sem o esforço do «servo inútil»[144], pela «petite voie» da «criancinha que se deixa dormir sem temor nos braços do Pai»[145]. Ao «não precisar de crescer, mas ficar cada vez mais pequena», apesar dos seus esforços, espera, em total pobreza, não apenas a ajuda de Jesus, mas na ajuda de Jesus, a saber, que seja quase só Ele, mas não só, a levá-la à perfeição de amar. Reside aqui, em meu entender, o segredo da esperança de Teresa, que coincide com a mística da «espiritualidade dos anawin[146]», com o «grito dos pobres»[147], não só ouvidos[148], mas ainda coroados de êxito[149].
Teresa, que se entregou radicalmente – «quanto quero aplicar-me a cumprir sempre com o maior abandono a vontade de Deus» – ao «doce caminho do amor[150]», propõe-nos, na pessoa de uma noviça, Maria da Trindade, por meio de uma parábola, de recorte autobiográfico, o mais nuclear da sua pedagogia espiritual sobre a esperança cristã.
«Fazes-me pensar numa criancinha que começa a manter-se de pé, mas ainda não sabe caminhar. Querendo resolutamente chegar ao cimo de uma escada, para se encontrar com sua mamã, levanta o seu pézinho a fim de subir o primeiro degrau. Esforço inútil! Cai sempre sem poder avançar. Pois bem, consente em ser essa criancinha e, pela prática de todas as virtudes, levanta sempre o teu pézinho para subir a escada da santidade. Não chegarás sequer a subir o primeiro degrau: mas o bom Deus só te pede boa vontade. Do alto da escada, Ele olha-te com amor. Depressa, vencido pelos teus esforços inúteis, descerá Ele mesmo e, tomando-te nos seus braços, te levará para sempre ao seu reino, onde não mais o deixarás. Mas se cessas de levantar o teu pézinho, deixar-te-á muito tempo na terra[151]».
Dá, assim, resposta vitoriosa a quem lhe perguntar acerca da esperança que a anima (1 P 3, 15), ao mostrar-nos como «este esforço inútil da criancinha», «move e vence a Deus» – «vencido pelos teus esforços inúteis» –, como «esta dama da humildade, O força a render-se» ao xeque-mate da «boa vontade», que depois de ter feito tudo o que lhe compete, espera confiadamente o auxílio e o socorro do «Rei divino[152]».
«É só a ti, Jesus, que me apego
É nos teus braços que me refugio e me escondo,
Quero amar-te como uma criancinha
Quero lutar como um valente guerreiro
Como uma criança cheia de delicadezas
Quero, Senhor, colmar-te de carícias
E no campo do meu apostolado
Lanço-me ao combate como um guerreiro!…»[153].
A vivência teresiana da esperança cristã exprime-se volitivamente, assim, na conjunção da previdência humana com a Providência divina, na simbiose do fazer a vontade de Deus e do deixar Deus fazê-la, no acerto da colaboração generosa e corajosa com o abandono confiante e pacífico à força de «Jesus só».
O movimento da esperança teresiana no Ms A
Poderíamos chamar ao Ms A a «Primavera da Esperança», porque Teresa começou, desde a aurora da vida, a esperar[154]. O amor com que, por dentro e por fora, foi rodeada[155], fê-la descobrir o drama do mal na luz do bem, quer dizer, na justa perspectiva da misericórdia de Deus para com o pecador confesso[156]. A semente já está lançada à terra. O seu raro saber sobre a tão pequena hóstia branca, o seu angélico olhar para o Céu azul, engraça tanto os homens, quanto, ao que parece, faz «correr desesperados» os demónios, diante deste «espírito de criança», que «escolhe tudo o que Deus quer», que «nunca mente nem por todo o ouro do mundo»[157], que lhe havia de causar, no futuro, tanto mal[158].
Contrariamente à demora do tempo – «esse dia fez-se largamente esperar»[159] – a Teresa urge-lhe o tempo – «imediatamente resolvi não esperar por esse dia, mas começá-la (a vida nova) ao mesmo tempo que Celina»[160] –, aliás, como a Paulina que, apesar de ter prometido que «havia de esperar que eu crescesse o suficiente para partirmos… não esperava por mim»[161]. Teve que «resignar-se», teve que aprender a «ter paciência»[162], a «saber esperar», a dar tempo ao tempo, obrigatoriamente a obedecer à lei do tempo, pois, «apesar do seu desejo de entrar (no Carmelo) o mais depressa possível», ouviu da Madre Maria de Gonzaga, convencida da sua vocação, que não se recebiam postulantes de 9 anos e que, portanto, «era preciso esperar pelos 16 anos»[163].
Apesar de «esperar ir encontrar-se (com Paulina) no Carmelo», e com ela se encontrar, melhor dito, não se encontrar, cada quinta-feira, julgava-a, «segundo a carne», sem saber ainda que perder é ganhar», um caso perdido para si – «perdi a minha Paulina!»[164] –, um assunto arrumado – «quase da mesma maneira como se tivesse morrido»[165] –, sem se sentir, no entanto, desligada dela, como prova o facto de, no dia da sua tomada de hábito, se restabelecer para a ir ver[166].
No meio da sua «tão estranha doença», era-lhe consolação receber uma carta de Paulina, era-lhe alegria uma das suas bonecas vestida de carmelita. No fundo daquele desespero de morte, latia o pensamento anelante do Carmelo – «sentia que o que me fazia viver era a esperança de ser um dia carmelita»[167] –, como no inferno da falência – «não encontrando nenhum socorro na terra» – sobrevive a ânsia vital de esperar obter o milagre da sua cura, voltando-se para a Mãe do Céu – «pedia-lhe com todo o coração que tivesse piedade de mim»[168] –, como se voltará, mais tarde, na crise dos escrúpulos, para os seus quatro anjinhos do Céu e a resposta não se fez esperar[169].
O retiro de preparação para a primeira comunhão, escreve ela, foram «dias passados à espera de Jesus»[170], que «no seu beijo de amor», «não esperou que Teresa o amasse muito, como S ta Madalena, mas quis que ela soubesse quanto a tinha amado, com amor de inefável previdência, para que agora o ame até à loucura»[171]. Na verdade, foi o que aconteceu na noite de Natal de 1886, em que Jesus, o doce Menino de uma hora, foi misericordioso com ela, tornando-a forte e corajosa para sempre: «senti a caridade entrar no meu coração, a necessidade de me esquecer para contentar os outros e desde então fui feliz»[172]. Este amor de Jesus, por ela sentido, abriu a porta do coração de Teresa à esperança cristã, com dimensão universal.
«Encontrava-me na idade mais perigosa para as jovens, mas o bom Deus fez por mim o que refere Ezequiel em suas profecias: «Passando a meu lado, Jesus viu que tinha chegado para mim o tempo de ser amada, fez aliança comigo e tornei-me sua… Estendeu sobre mim o seu manto, lavou-me com perfumes preciosos, revestiu-me com túnicas bordadas, dando-me colares e adornos inestimáveis… Alimentou-me com a mais pura farinha, com mel e azeite em abundância… assim fiquei bela a seus olhos e Ele fez de mim uma rainha poderosa!…»[173].
Teresa, porém, «é mais mãe que rainha»[174], isto é, o amor com que foi fecundada – «senti a caridade entrar no meu coração» – tornou-a não só a Esposa-amada, como «a mãe feliz de muitos filhos» (Sl 112, 9). Ao contemplar o dom de amor do Esposo crucificado – «irá o vosso Amor misericordioso ficar em vosso Coração» –, não sente só a «necessidade de se esquecer de si para contentar os outros», mas participa também do amor maternal de Jesus[175], que morreu por nós pecadores (Rm 5, 8), e de Maria, a quem Jesus confiou, na pessoa de João, toda a humanidade pecadora (Jo 19, 26). Por isso, «resolveu conservar-se em espírito ao pé da Cruz, para receber as divinas gotas que dela se desprendiam, compreendendo que devia em seguida espalhá-las pelas almas»[176]. Não teve que esperar muito tempo para a sua misericórdia entrar em acção e paixão. Assim aconteceu, quando teve que esperar, com sofrido e suplicante amor de mãe, a conversão do «seu pecador», que veio a ser o «seu primeiro filho»[177].
A visão do Crucificado foi para ela uma «graça que Jesus lhe fez para a atrair a orar pelos pecadores», graça que produziu o seu efeito, porque ela «ardia no desejo de arrancar as almas dos grandes pecadores às chamas eternas». Não só amou com ardor intenso[178], não apenas acreditou com fé profunda, mas, sobretudo, «esperou» «com confiança» na «infinita misericórdia de Jesus»[179] – «tanta confiança eu tinha na misericórdia infinita de Jesus»[180] – e no poder da sua oração, para obter d’Ele o «sinal de arrependimento», garantia da salvação eterna do seu pecador[181].
«Sentia no fundo do coração a certeza de que os nossos desejos seriam satisfeitos, mas a fim de me dar coragem para continuar a pedir pelos pecadores, disse a Deus que estava muito certa de que Ele perdoaria ao infeliz Pranzini, que assim o havia de acreditar mesmo que ele não se confessasse nem mostrasse qualquer manifestação de arrependimento, tanta confiança tinha na infinita misericórdia de Jesus, mas que lhe pedia apenas “um sinal” de arrependimento para simples consolação minha… A minha oração foi ouvida à letra!»[182].
Eis, como o amor de Jesus[183], a «infinita misericórdia de Jesus», é fonte da sua fundamental experiência da esperança cristã, como certeza de salvação eterna, apoiada somente na riqueza da misericórdia de Jesus[184]. Esta esperança certa – «absolutamente infalível»[185] –, ainda que aparentemente desesperada de receber o sangue de Jesus e dá-lo a um grande pecador, que se arrepende e salva, é-lhe «sinal» que lhe «dá coragem para continuar a pedir pelos pecadores», para «acreditar, na esperança contra toda a esperança» (Rm 4, 18), na salvação de todos os homens[186].
«A seguir a esta graça única, o meu desejo de salvar almas cresceu cada vez mais, parecia-me ouvir Jesus a dizer-me como à samaritana: “Dá-me de beber!”. Era uma verdadeira troca de amor; às almas dava eu o sangue de Jesus, a Jesus oferecia essas almas dessedentadas pelo seu orvalho divino; assim me parecia dessedentá-lo e quanto mais eu lhe dava de beber mais aumentava a sede da minha pobre pequena alma e era esta sede ardente que Ele me dava como a mais delicada bebida de seu amor…»[187].
O amor de Jesus «atraiu-a a orar pelos pecadores». Nesta reciprocidade de amor, «o seu espírito cresceu», «em corpo e em graça», no amor de Deus[188]. Começou, entretanto, a sua luta e espera vocacional[189] – «esperava que o Reino do Carmelo me pertenceria em breve»[190] – em todo o seu realismo e dramatismo, devido às oposições, que a obrigaram, «mesmo por terra», depois do fracasso da sua viagem – «já não tinha a esperança do S to Padre»»[191] – a «esperar contra toda a esperança»[192], que é o mesmo que dizer, «a minha esperança residia só em Deus», que iria provar a esperança de Teresa na fé[193] e a fé de Teresa na esperança[194].
«A florzinha transportada para a montanha do Carmelo havia de desenvolver-se à sombra da Cruz»[195]. «Os primeiros passos encontraram mais espinhos que rosas»[196]. Quando chegou a altura da sua tomada de hábito, foi decidido esperar – «a expectativa foi longa» – por causa da prova do pai que, contra a esperança, se restabeleceu[197], como sem esperança – «eu perdera a esperança da neve» –, por «um pequeno milagre», se veio a restabelecer a natureza que, como ela, se adornou de branco[198]. «Foi muito longo o tempo do (seu) noivado», «teve de esperar ainda 8 meses»[199], mas, por fim, fez da necessidade virtude, e conformou-se ao «tempo» de Deus: «esperarei até quando quiserdes»[200].
No mesmo dia da sua Profissão, 8 de Setembro de 1890, estendeu esta esperança à salvação de todos os homens: «Jesus, faz-me salvar muitas almas, que hoje não haja uma só condenada e que todas as almas do purgatório sejam salvas…»[201].
A Madre Genoveva exortou-a a servir a Deus em paz e alegria[202]. Ela própria, como mulher de esperança, vivia de confiança em Deus[203], e estava longe de ser conduzida pelo caminho do temor[204], que paralisava a sua natureza[205], por desconhecimento de faltas que o não são[206].
No retiro de 1891, o P. Alexis Prou, franciscano, apenas apreciado por ela, o que não é de estranhar, em contraponto da espiritualidade jansenista do temor da justiça rigorosa de Deus[207], adivinhou-lhe as suas disposições íntimas e confirmou o sopro do Espírito que, em vez de a fazer recuar, a fez avançar nos caminhos da esperança, nas «ondas da confiança», e «voar pelos caminhos do amor»[208]. Assim, se realizavam os seus desejos[209]. Passados quatro anos, em 1895, já ela se encontrava a «viver de amor»[210], que misericordiosamente lhe foi dado contemplar.
«A mim deu-me a sua Misericórdia infinita e é através dela que contemplo e adoro as outras perfeições Divinas!… Assim todas me aparecem envolvidas em amor, mesmo a Justiça (e talvez ainda mais do que qualquer outra) me parece revestida de amor… Ah! Deus infinitamente justo… não há-de ser igualmente Justo para comigo que «estou sempre com Ele»?»[211].
Encontra-se na plenitude da sua única esperança: «agora, já não tenho nenhum desejo, a não ser o de amar Jesus com loucura… é só o amor que me atrai… agora é só o abandono que me guia»[212]. Quando a 9 de Junho, festa da Santíssima Trindade, recebeu a graça de compreender mais do que nunca quanto Jesus deseja ser amado, entenda-se esta passividade como actividade amorosa[213], está mais que preparada para a inversão antropológica do mistério do amor, ou seja, a conversão do seu «amar»[214], num «deixar-se amar»[215]. Doravante, esta recíproca comunicação amorosa circulará sempre sem nunca acabar[216].
A explosão da esperança no Ms B
Ao começar, na tarde de 7 de Setembro de 1896, o seu retiro particular de dez dias, tem clara consciência de que Jesus a conduz «no meio da mais sombria tempestade»[217], de que está muito contente com ela e que em breve a virá buscar[218]. Por isso, ante o pedido de sua irmã e a permissão da Madre, conta-lhe «por carta» «os segredos de Jesus a Teresa»[219]. Embora dirigida a sua irmã Maria[220], esta sua obra-prima[221], é já uma «carta a Jesus»[222], diríamos antes, uma «carta de Jesus»[223], à Igreja[224] e ao Mundo[225].
Começa por recordar a Jesus[226], recordando-se do dia das suas núpcias[227], o dom da descoberta da sua vocação eclesial – «sim encontrei o meu lugar na Igreja e este lugar, ó meu Deus, fostes vós quem mo deu» – e não consegue conter o desejo e a esperança do Espírito, que a escolheu[228] e a fez oferecer-se como vítima ao Amor Misericordioso[229], que a quer fazer profeta da sua inefável condescendência junto das «pequenas almas».
«Ah! perdoa-me Jesus, se não sou razoável ao querer exprimir os meus desejos, as minhas esperanças que tocam o infinito, perdoa-me e cura-me a alma dando-lhe o que ela espera!!!»[230].
Vê-se logo como o coração de Teresa está «ferido de amor»[231] à espera de que esta «doença de amor se cure – «cura-me a alma» – com o Amor de Deus – «a saúde da alma» –, e «quanto mais amor se lhe for aumentando, mais saúde terá»[232]. «Como o coração do enamorado não pode estar em paz e sossego sem alguma posse», assim, a alma de Teresa, «está como o enfermo, que geme pela saúde», à «espera do fim da sua obra – “a sua obra é amar” – e, desta obra, que é amar, espera ela o fim e o remate, que é a perfeição e cumprimento de amar a Deus»[233].
Entre o anelo quieto da sua vocação adquirida[234] e o anelo inquieto – inquiridor[235] – das suas outras desejadas vocações, aparentemente contrárias e, por isso, irrealizáveis[236], move-se a esperança de poder realizar, apenas por motivação, graça e exemplaridade crísticas[237], ao modo humilde da Madalena[238], no amor, a sua vocação eclesial, em comunhão de amor com todas as outras diferentes vocações eclesiais de todos os tempos[239]. O «sonho diurno» de Teresa – «No Coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o amor… assim serei tudo…, assim o meu sonho será realizado» – realizou-se, de facto, na sua vocação: «A minha vocação é o Amor!». Diríamos, melhor, na sua «missão pessoal» de «ser» o Amor e «fazer amar» o Amor no coração da Igreja em perfeita colaboração com Deus.
«Podemos concluir dizendo que Deus espera do homem porque lhe outorgou uma missão e lhe outorgou confiança. E outorgou-lha de tal forma, que a sua soberania infinita a torna possível como fruto da liberdade humana e avalia-a como liberdade do homem. Assim, o mundo é o resultado de um projecto levado a cabo conjuntamente pelo homem e por Deus. Dum certo modo, Deus provê a tudo, e de outro modo não menos certo o homem tem que prover a tudo. No actual desígnio de Deus para o mundo, já não se valem nem Deus sem o homem nem o homem sem Deus»[240].
Apesar de «o sonho comandar a vida», como se costuma dizer, apesar de «o amor já pôr de parte a razão», «a sua razão está muito em si»[241], ao reconhecer-se a «alma mais pequena e impotente», para responder ao convite e provocação do Espírito, que lhe infunde «ondas de ternura infinita», para poder amar Jesus e a Igreja. Por isso, lucidamente interroga Jesus, como se interrogou certamente na sua oração.
«Como aliar estes contrastes?»[242]. «Como realizar os desejos da minha pobre pequena alma?». «Ó meu Jesus! que respondereis a todas as minhas loucuras?». «Não são os meus desejos imensos sonho, loucura? Ah! se é assim, Jesus, esclarece-me, pois sabes que procuro a verdade… se os meus desejos são temerários, fá-los desaparecer, porque estes desejos são para mim o maior dos martírios… Entretanto, sinto, ó Jesus, que depois de ter aspirado às regiões mais elevadas do Amor, se as não houver de atingir um dia, terei experimentado mais doçura no meu martírio, na minha loucura do que experimentaria no meio das minhas esperanças terrestres. Deixa-me portanto gozar durante o exílio as delícias do amor… Deixa-me saborear as doces amarguras do martírio… Jesus, Jesus, se é tão delicioso o desejo de te Amar, o que será possuir, gozar o Amor?… Como pode uma alma tão imperfeita como a minha aspirar a possuir a plenitude do Amor?…»[243].
Evidentemente, que a resposta é Jesus, o «Farol luminoso do Amor». Fá-la encontrar o segredo de se apropriar da sua chama, por um lado, atraindo-a à maior passividade vitimal do deixar-se amar[244], por outro, fortalecendo-a na maior actividade sacerdotal do amar[245]. Embora, neste «jogar à banca do amor», compete-lhe «abandonar-se», «entregar-se sem nada reservar»[246], contudo, sabendo que «o amor não se paga senão com o amor»[247], quer pagar a sua dívida de amor, «dando Amor por Amor»[248].
Consciente, porém, da «loucura do amor de Jesus»[249], sobretudo na Eucaristia[250], loucura simbolizada na do amor dos pais[251], quer, por seu turno, «cometer loucuras por amor de Jesus»[252]. Mas como testemunhará ela o seu Amor, pois, o Amor se prova pelas obras? Sabe que «não tem outro meio, para lhe provar o seu amor, senão atirar flores»[253]. «Fraca e pequena», reconhece que «as obras brilhantes lhe estão interditas». Esta filha do Carmelo, que «sempre arranjou maneira de ser feliz[254], pede aos «Bem-aventurados habitantes do Céu» o seu duplo Amor[255] e, como filha da Igreja, pede o Amor[256], o «puro Amor»[257].
Demasiado pequena e imperfeita para alcançar por si a plenitude do amor, não é «águia» para fazer «grandes coisas», resta-lhe a esperança, sob a forma de «audacioso e temerário abandono», de se oferecer como vítima ao Amor e confiar sem limites na Misericórdia de Jesus, isto é, esperar em ser aceite como vítima pelo seu Amor, que é o mesmo que dizer, esperar que sejam as próprias asas da Águia divina a vir procurar a avezinha e a levá-la consigo à Mansão do Amor[258].
Ao terminar esta sua «carta a Jesus», Teresa deseja «universalizar»[259] o seu caminho «místico-ascético»[260], de «vitimação» ao amor[261], a «todas as pequenas almas»[262]. Por fracas e pequenas que sejam, abandonando-se com inteira confiança à misericórdia de Jesus, Ele ensinar-lhes-á os segredos do seu amor. É enorme a esperança de Teresa ao orar a Jesus para que baixe o seu olhar divino sobre grande número de pequenas almas, ao pedir-lhe que escolha, como a escolheu a ela, uma legião de pequenas vítimas dignas do seu Amor[263].
Passados dias, Maria, irmã de Teresa, a primeira a ler «estas páginas ardentes de amor», «estas linhas marcadas com o selo do amor», ao reconhecer que sua irmã está «possuída por Deus», tem consciência, não só de possuir um tesouro, mas, sobretudo, de não amar Jesus como Teresa o ama. Pede-lhe, então, que lhe escreva uma palavrinha, e lhe diga se pode amar Jesus como ela o ama[264]. Teresa responde-lhe imediatamente sem qualquer embaraço. A carta 196, do seu epistolário, que constitui a primeira parte do Ms B, contém a recordação do seu retiro, ou antes, os segredos que Jesus lhe confiou no segredo da sua bíblica oração[265], que é instrução na ciência do Amor, único bem da sua esperança, que ela, por sua vez, em balbúcio do coração, lhe comunica, em palavra de criança que ama sua mãe[266].
«Jesus compraz-se em mostrar-me o único caminho que conduz a esta fornalha divina, este caminho é o abandono da criancinha que se deixa dormir sem temor nos braços do Pai»[267].
Embora saiba que «os segredos do Rei» Jesus os confia a Maria e que ela os compreende, no entanto, vai dizer-lhe que, por muito fraca e imperfeita que ela seja ou se sinta, como qualquer um de nós, pode amar Jesus como ela o ama, na humilde condição de reconhecer o amor de Jesus e de se abandonar a ele, isto é, se deixar amar por Jesus, como ela, a «mais pequena de todas as almas», se ofereceu como vítima para ser totalmente amada pela sede de Jesus, que não desespera de ninguém, mas a todos mendiga o amor.
«Ah! se todas as almas fracas e imperfeitas sentissem o que sente a mais pequena de todas as almas, a alma da vossa Teresinha, nem uma só desesperaria de chegar ao cimo da montanha do amor, porque Jesus não nos pede grandes acções, mas apenas o abandono e o reconhecimento»[268].
Ao dar-se conta que sua irmã não a compreendeu ao não compreender o Ms B 2 e 1, desculpa-a, por delicadeza, atribuindo o mal a si mesma[269]. Admirada com a sua falta de confiança de poder amar o bom Deus, como ela o ama[270], tudo faz por fazê-la compreender, que para amar Jesus, para ser sua vítima de amor, quanto mais fraco se é, mais se é apto para ser amado por Jesus[271]. Por fim, acaba por abrir-lhe a alma e revelar-lhe o segredo da riqueza da sua pobreza espiritual, cheia de humildade e esperança, que atraem a misericórdia divina.
«Ah! sinto bem que… o que lhe agrada (na minha alma) é ver-me amar a minha pequenez e a minha pobreza, é a esperança cega que tenho na sua misericórdia»[272].
Esta radical incapacidade de amar por si a Jesus é o seu «de profundis», a sua invocação confiada do Senhor, na esperança de elevar-se do «abismo» – «quando clama do abismo, eleva-se» (S. Agostinho) – em que se encontra, melhor, em que é encontrada e levada por quem a ama (Sl 129, 1.7). Esta extrema pequenez de amar, na sua sede de amar, é «o abismo que atrai o abismo» (Sl 41, 8), certamente o «abismo do Amor que atrai o seu amor, ainda em espera de transformação gloriosa, por parte da «misericórdia infinita» de Jesus[273]. A ela competia-lhe fazer o que podia, a Jesus o resto[274].
O dinamismo da esperança no Ms C
A partir de Junho de 1897, nos escaldantes ardores do meio-dia, Teresa vai acabar de cantar as Misericórdias do Senhor, depois de nos ter descoberto a sua «pequena via» para a santidade[275]: «Ó meu Deus, fostes além da minha esperança e pela minha parte quero cantar as vossas misericórdias»[276].
Durante a prova da sua fé[277], Jesus deu-lhe a esperança de ir em breve vê-lo no Céu[278]. Teresa anunciou imediatamente à sua Madre a sua esperança e a sua felicidade: «a esperança de ir para o Céu transportava-me de alegria»[279].
«Faço uma ideia tão elevada do Céu que, por vezes, pergunto a mim mesma o que Deus fará, quando chegar a minha morte, para me causar surpresa. A minha esperança é tão grande, causa-me tanta alegria, não pelo sentimento, mas pela fé, que vai ser preciso alguma coisa acima de todos os pensamentos, para me satisfazer plenamente. Mais do que sentir-me decepcionada, preferia guardar uma esperança eterna. Enfim, penso desde já que, se não ficar bastante admirada, fingirei, para dar prazer a Deus. Não há perigo de que eu Lhe deixe notar a minha decepção; saberei que fazer para que Ele de nada se aperceba. De resto hei-de arranjar-me sempre de maneira a ser feliz. Para chegar a isso, tenho as minhas pequenas manhas que a Madre conhece e que são infalíveis… Além disso, ver Deus feliz já bastará plenamente para a minha própria felicidade»[280].
Porém, a morte anunciada, ainda vem longe e a criança, na sua debilidade mortal, tem que aprender a «contar os seus dias» pelo «tempo de Deus», que é diferente do nosso.
«Vou morrer em breve; mas quando? Oh, quando?… A morte não vem! Sou como uma criança a quem prometem constantemente um bolo: mostram-lho de longe; depois, quando ela se aproxima para pegar nele, retiram a mão… Mas, no fundo, estou inteiramente resignada a viver, a morrer, a curar-me, a ir para a Cochinchina, se Deus assim quiser»[281].
Parece que, quanto mais Teresa se aproxima da morte, mais ela lhe foge, quanto mais procura a eternidade, mais tem que «vagar» na obscuridade da espera da sua «hora», que há-de vir, quando Deus quiser.
«Sou como uma criança que espera o pai e a mãe, na estação do caminho de ferro, para os fazer entrar no comboio. Infelizmente eles não chegam a tempo, e o comboio parte! Mas há outros, não hei-de perdê-los todos…»[282].
Vem um comboio e vai, vem outro e parte, e Teresa fica em terra. A uma espera segue-se outra espera, e o Esperado parece demorar-se.
«Sinto-me como uma tela esticada no bastidor para ser bordada; mas ninguém vem bordá-la! Espero e torno a esperar! É inútil!… Mas enfim, não é para admirar; as crianças não sabem o que querem! Digo isto porque penso em Jesus menino. Foi Ele que me estendeu no bastidor do sofrimento para ter o prazer de me bordar e depois pegar em mim e ir mostrar no Céu a sua bela obra. Quando falo no Ladrão, não penso em Jesus pequenino, penso no Deus “grande”»[283].
Apesar de querer resistir a acreditar que há almas, que não tendo fé, perderam a esperança no amor misericordioso de Deus[284], é obrigada a aceitar a existência de pessoas que, não tendo fé, não têm esperança[285]. Por meio da prova da sua esperança[286]e da sua tentação contra a esperança[287], pode comungar da condição dos não-crentes e dos sem-esperança[288], mesmo dos desesperados[289], comendo com eles à mesa o pão da dor e, intercedendo por eles, em nome de todos eles[290]. É nesta «comunhão» com a «não-esperança», na história do sofrimento e do mal do pecado, que Teresa revela «Cristo, nossa esperança».
«É o Deus-Esperança (o da «confiança-cega»), frente aos deuses que aumentam ainda mais os motivos de desesperança no mundo. A realidade, contudo, parece fechar todo o caminho a um Deus-Esperança, porque já está dada a não-esperança na própria realidade. Como se converte em Esperança a não-esperança da realidade? O Deus-amor misericordioso é aquele que sofre e se compadece com a história. A história como realidade interna de Deus, portanto, enquanto realidade que o afecta, precisamente por esse amor-misericórdia. Então, o Deus que não pode senão sofrer o sofrimento da história, e cujo criar livre é também um decidir compadecer-se por amor»[291].
Este modo «carismático» de viver a esperança na vida consagrada, em que a resposta teologal da esperança responde à não-esperança da realidade, dispô-la para, apesar de sempre esperar que a vontade de Deus fosse que morresse jovem, viver uma vida muito longa, mesmo doente, sem recusar o combate, confiante como estava no Senhor[292]. Mais que isso, dispôs-se a «aceitar» o exílio, para o meio de um povo desconhecido, apesar de reconhecer a sua incapacidade para as «coisas da terra», a sua especialidade são as «coisas do céu», e de estar preparada para «o que der e vier»[293].
Nesta altura da sua vida, a caridade e a esperança caminham de mãos dadas. Assim como a sua caridade é graça[294], gratuidade[295] e também combate[296], assim também a sua esperança orante, que «nunca foi confundida»[297] e «sempre foi realizada»[298], se «eclesializa» mais e mais[299], tornando-se super-activa[300], «espera criativa»[301], quer ao seu redor, no seu campo afectivo familiar[302], quer à distância, nas «longínquas missões»[303].
Ao terminar o Ms C, que contém «o testemunho da sua esperança»[304], faz não só memória da esperança dos santos[305], que encheram o mundo com a luz do Evangelho e, com a sua oração, o levantaram, levantam e hão-de levantar[306], mas também, evocando a humilde esperança do publicano e a amorosa audácia da Madalena, testemunha a elevação da sua esperança na misericórdia de Jesus[307]. Ela própria escreve que, mesmo que lhe pesassem na consciência «todos os pecados que se podem cometer», «todos os crimes possíveis[308], sentir-se-ia «outra Paésia», a pecadora convertida que morreu de amor, cuja história, digamo-lo sobretudo de Teresa, é edificante e muito própria para inspirar aos maiores pecadores a confiança na misericórdia do Senhor, quando voltam sinceramente a Ele[309]. Desta maneira, é como Teresa permanece «um livro aberto de esperança» para quem tema pelo futuro do seu futuro[310]. Para ela, santos que sobem ao céu, e pecadores que descem ao inferno[311], estão destinados a encontrar-se com a «infinita misericórdia de Jesus».
«Onde poderei ocultar-me ao vosso espírito?
Onde evitarei a vossa presença?
Se subir ao céu, Vós lá estais;
Se descer aos abismos, ali Vos encontrais»[312].
Na consciência real de si[313], Teresa conduz-nos ao fundo do nosso medo, para não temermos os nossos temores[314], mas confiarmos n’Aquele que é «Deus-connosco», na graça actual de cada momento presente, o Companheiro da nossa solidão, a Coragem de sermos «dois em um»[315].
Conclusão
Já os antigos latinos diziam que o homem espera sempre, mesmo que seja por instinto de sobrevivência[316], «um futuro melhor»[317], na esfera individual e cósmica[318]. O sonho de Martin Luther King – I have a dream – é um exemplo famoso de um sonho de olhos abertos, de uma esperança humana num futuro de fraternidade universal. Este «sonho diurno», não é preciso «interpretá-lo», como no casos dos «sonhos nocturnos», mas apenas esperar – e trabalhar – para que se realize na história. É preciso refazer a esperança em Deus, a saber, reavivar o sonho da justiça e da paz[319].
«Sonho que chegará o dia em que os homens se elevarão acima de si mesmos e compreenderão que estão feitos para viverem juntos, em fraternidade. Sonho que chegará o dia em que todos os negros deste país, todas as pessoas de cor do mundo, serão julgadas pelo conteúdo da sua personalidade e não pela cor da pele. Sonho ainda, hoje, que chegará o dia em que as indústrias paradas de Appalachia reabrirão e servirão para encher os estômagos vazios do Mississippi, e que a fraternidade será algo mais do que umas palavras colocadas no final de um sermão: que nas agendas de todos os homens de negócios se encontrará escrita a palavra “fraternidade”. Sonho ainda, hoje, que chegará o dia em que a justiça flua livre como a água, e a honradez como uma torrente poderosa. Sonho ainda, hoje, em que, à frente de todos os Ministérios e de todas as Câmaras, serão eleitos homens que agirão com justiça e misericórdia, seguindo os passos do seu Deus. Sonho ainda, hoje, que a guerra acabará, que os homens trocarão a espada pelo arado, a lança pela podadeira; que as nações não voltarão a levantar-se contra outras nações nem forjarão novos planos de guerra…»[320].
Os cristãos ao «confessarem-se estrangeiros e peregrinos sobre a terra» (Hb 11, 13), mostravam que procuravam, não «outra Babel» (Gn 11, 1 – 9), evasão para a utopia de poder criar, com o esforço de todos, uma cidade universal, com pretensões semelhantes à «aldeia global» de hoje, mas uma cidade outra, construída por Deus (Hb 11, 10.16).
É precisamente numa «nova era», de «vazio interior»[321] e de «vazio» de «autêntico futuro», em que parece acontecer o «eclipse da esperança secular»[322] – a «utopia» morreu (G. Vattimo) – que Teresa, com a sua esperança firme[323], pode ajudar-nos a concentrar, no presente, as nossas forças de reflexão e de intervenção, para nos decidirmos por uma «filosofia da vida», que é uma «filosofia de esperança», de uma esperança de toda a humanidade[324] e para todo o mundo[325], e cooperarmos com o projecto de Deus no meio dos projectos humanos, sempre falíveis[326], quer pelo cumprimento da vontade salvadora de Deus[327], quer pela recuperação da esperança humana laica, com os seus programas de futuro, no horizonte do «Novo que há-de vir»[328], «construindo, assim, o mundo em verdadeira paz»[329], «preparando, também, a matéria do reino dos Céus»[330].
«Decido esperar porque é melhor para a vida. E a minha eleição de esperar gera a esperança e fá-la crescer. Deriva da adesão mais primitiva à vida, alimenta as melhores disposições. Está voltada para o que não possuo, para o que, quiçá, nunca possuirei. Por isso sobrevive no maior despojamento e morre frequentemente na riqueza. Esta esperança, que sobrevive à queda das certezas, é capaz de gerar a fé. Estranhamente, isto produz-se aí onde a esperança gerou a acção. É falso o adágio que diz: “Não é necessário esperar para empreender”. Da esperança nasce a acção, e desta, quando o amor nela se exprime, poderá gerar-se a fé. A esperança precede inclusive o amor. Permite fazer frente quando o amor, a ágape, me abandona. Ajuda-me a olhar de frente esta ausência, mas diz-me também que a luz da ágape poderá voltar à minha vida. E se não espero no amor, que vou fazer? Privo-me de iniciativas, da energia que faz caminhar no deserto do amor, em teimosa busca do tesouro escondido que deve ser encontrado. Por isso, nos desastres da vida, quando alguém se extravia na região da morte, então o ponto de apoio não é a fé ausente, nem sequer o amor perdido. O verdadeiro bastão do peregrino é então a esperança, essa virtude que dá a energia para não cair, e mesmo para caminhar. A esperança é modesta; exige pouco. Crer nela é o limite da fé; não pede que se afirme grande coisa: a ela mesma; mais além, nada preciso. A esperança é pobre. Apoia-se num hoje muito desnudo, mas permite vivê-lo a partir do momento em que me faz crer que este extremo despojamento não pode durar sempre. Afirma o futuro, por si mesmo. Nada diz sobre ele, mas contribui com o que faz falta para me tirar do abandono. Arranca-me dos limites do agora»[331].
O texto evangélico – «Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito» (Mt 5, 48) – serviu a M. de Unamuno para alimentar a sua utopia cristã, por ele chamada O reinado social de Jesus.
«E se o quadro ideal de uma sociedade cristã, profunda e radicalmente cristã, parece um sonho irrealizável, se a cidade de Deus parece uma utopia, a isto se responde com aquelas palavras de Cristo: “Sede perfeitos como o vosso Pai que está nos céus”. Palavras que são a mais solene consagração da utopia. A perfeição divina é inacessível. E, no entanto, a perfeição divina, o inacessível, nos põe Cristo como termo. Só aspirando ao inacessível se alcança o acessível. Só propondo-se o impossível se alcança todo o possível»[332].
Diante de um discurso apenas secularizado da esperança ou esperanças humanas, tal como a «esperança marxista», que espera no «mais aquém» sem ter em conta o «mais além», ela ajuda a reflexão da Igreja sobre a esperança cristã, que é uma esperança no «mais além» que parte do «mais aquém», a passar do seu nível teológico e espiritual, para a área do testemunho, que dá razão da esperança que a anima a um mundo que não a tem[333]. Sendo o coração do homem, no seu desequilíbrio, a génese de um mundo ambivalente[334], onde coexistem a esperança e a desesperança, mesmo no sentido desespero[335], paradoxo de sentimentos a que, segundo consta, não escaparam nem os profetas[336], nem Jesus, nem nenhum dos seus santos, e Teresa não foge à regra, é absolutamente necessário dirigir «uma palavra de esperança», «a esperança do Evangelho» (Cl 1, 5.6), ao coração do homem de hoje, paralizado na hesitação da escolha entre a adoração e o abandono da indiferença, para se tornar, não só padecente da morte da desesperança ou da queda no desespero[337], que interpela a esperança[338], mas, sobretudo, agente e instrumento de «um mundo que precisa de ser evangelizado na esperança»[339].
«A vigilância de que fala o Evangelho é acto de esperança. Uma esperança que se alimenta do que a provoca e a submete às vezes a dura provação. Mas, em que se converteria a nossa esperança se não fosse estimulada pela irrupção do outro em nossas vidas, pela brutalidade dos acontecimentos, se não fosse alertada pelo apelo de socorro dos desesperados que, muito próximo de nós, vivem sem fé nem lei, sem trabalho nem pátria, sem família nem amigos? (…) Somos chamados a velar sobre o mundo, não como polícias da verdade, mas com a solicitude amorosa dos pais e dos amantes que velam o sono daquele ou daquela que amam e que às vezes tiram dos pesadelos ou do delírio das noites de angústia. E se a preocupação pelos outros não nos faz sofrer amargas insónias é porque nos sabemos pôr nas mãos de Deus, que vela sobre nós: “À sombra das suas asas não temo nenhum mal”»[340].
De facto, «Jesus Cristo, vivo na sua Igreja, fonte de esperança para a Europa», foi o tema de reflexão do Sínodo dos Bispos para a Europa, ocorrido em Outubro de 1999 em Roma. Muitos são os «sinais de esperança presentes na Igreja»: a grande quantidade de mártires[341], a santidade de muitos homens e mulheres do nosso tempo, a liberdade das Igrejas do Leste Europeu, a crescente concentração da Igreja na sua missão espiritual e o seu compromisso da evangelização, a presença de novos movimentos e comunidades, a renovada dedicação ao Evangelho e generosa disposição para o serviço, a maior consciência da responsabilidade, a presença e a acção da mulher, o caminho ecuménico e o intercâmbio de dons. Muitos são também os sinais de esperança hoje existentes na Europa: a crescente abertura mútua dos povos, a reconciliação de nações durante muito tempo hostis e inimigas, o alargamento progressivo do processo unitário aos países do leste europeu, a criação de uma consciências europeia, o respeito pelos direitos humanos, a consideração dada ao direito e à qualidade de vida, a supremacia dos valores éticos e espirituais.
«O homem não pode viver sem esperança: condenada à insignificância, a sua vida tornar-se-ia insuportável. Esta esperança é, no entanto, diariamente debilitada, atacada e destruída por muitas formas de sofrimento, angústia e morte que trespassam o coração de muitos europeus e de todo o nosso Continente. Não podemos deixar de assumir este desafio. Que o Espírito de Deus, que vence todo o desespero, nos faça partilhar a “compaixão” de Jesus para com as multidões sem pastor (Mc 6, 34); nos acompanhe e nos apoie quando, com amor e simpatia, participamos das dificuldades e dramas de tantos homens e mulheres – carentes de saúde, de instrução, de trabalho, de casa, de pátria e ignorados e espezinhados nos seus direitos fundamentais à vida, à igualdade, à liberdade e à paz.
Sim, irmãos e irmãs, o homem não pode viver sem esperança. Mas, quem pode dar-lha quando, nos últimos tempos, tantas esperanças foram infelizmente defraudadas?
Iluminados pela fé em Jesus Cristo, com humilde certeza, sabemos que não nos enganamos ao dizermos que a esperança é possível também hoje; e que é possível para todos. Deus, no Seu amor paterno, não priva ninguém desta possibilidade, porque quer que todos sejam plenamente felizes.
Por isso, com a alegria e a autoridade de quem sabe que fala em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que assim no-lo ordenou, nos fazemos seus embaixadores e testemunhas do “Evangelho da esperança” para toda a Europa. Dirigimo-vos a palavra que S. Pedro dirigiu aos primeiros cristãos: “Não tenhais medo nem vos perturbeis. Pelo contrário, prestai culto ao Senhor, Cristo, nos vossos corações, sempre disponíveis para responder a quem vos peça a razão da vossa esperança” (1 Pe 3, 14-15). «Jesus Cristo, vivo na sua Igreja, fonte de esperança para a Europa» (…). Tu, Senhor ressuscitado e vivo, és a esperança sempre nova da Igreja e da humanidade; és a única e verdadeira esperança do homem e da história; és, no meio de nós, “a esperança da glória” (Cl 1, 27) nesta vida e depois da morte! Em Ti e contigo podemos alcançar a verdade, a nossa existência tem sentido, a comunhão é possível, a diversidade pode transformar-se em riqueza, o poder do reino está já a trabalhar na história e ajuda a edificar a cidade do homem; a caridade dá valor perene aos esforços da humanidade, a dor pode salvar, a vida vencerá a morte, a criação participará da glória dos filhos de Deus.
E, convosco, a nossa Europa – que habitamos com amor e que vemos tão sedenta de esperança que corre muitas vezes o risco de se perder – repetimos quanto nos disse João Paulo II, na abertura dos trabalhos sinodais: “Com a autoridade que lhe vem do Senhor, a Igreja repete ao homem de hoje: Europa do terceiro milénio, que “não deixes cair os braços” (Sf 3, 16); não cedas ao desânimo, não te resignes a formas de pensar e de viver que não têm futuro, porque não se assentam na sólida certeza da Palavra de Deus».
Enquanto vos anunciamos o “Evangelho da esperança”, guiados pela escuta da Palavra de Deus e dóceis ao Espírito no discernimento dos “sinais dos tempos”, queremos tranquilizar-vos: a esperança – cuja finte é Jesus Cristo; melhor, a esperança que é Ele mesmo – não é um sonho nem uma utopia. A esperança é uma realidade, porque Jesus é o Emanuel, o Deus connosco, o Ressuscitado sempre vivo na Igreja que actua para salvação do homem e da sociedade.
A nossa esperança é verdadeira, é uma realidade; os seus sinais são concretos, podem experimentar-se e tocar-se, porque o Espírito Criador, que o Crucificado Ressuscitado deixou como primeiro dom aos crentes, está sempre presente: é o Senhor e dá a vida; também hoje actua mais que nós e de melhor maneira, nas Igrejas e nas sociedades europeias.
A Igreja, precisamente porque é Corpo e Esposa de Jesus Cristo “nossa esperança” (1 Tm 1, 1), é na sua essência a comunidade da esperança: recebe continuamente do Senhor a graça e a energia para comunicar esperança também à Europa de hoje (…).
A esperança cristã, que nós vos anunciamos e testemunhamos. Queridíssimos irmãos e irmãs – além de ser possível e de e apresentar como uma realidade concreta – é um dom e uma responsabilidade para todas as Igrejas, comunidades e para cada um de nós (…).
Que o nosso coração esteja cheio de esperança, seguros de que o Pai é sempre misericordioso para quantos confessam o seu pecado, dirigindo-lhes um convite premente a que se convertam e renovem as suas vidas.
Não tenhais medo! A grave situação de indiferença religiosa de muitos europeus, a presença de muitos que, mesmo no nosso continente, ainda não conhecem Jesus Cristo e a sua Igreja e que ainda não foram baptizados, a secularização que contagia um amplo sector de cristãos que normalmente pensam, decidem e vivem como se Cristo não existisse, longe de apagar a nossa esperança, tornam-na mais humilde e capaz de confiar só em Deus. Da sua misericórdia recebemos a graça e o compromisso da conversão.
Para viver com ardor a vasta e urgente tarefa da nova evangelização a que, repetidamente, nos convida o Santo Padre para que a Europa possa realizar o renovado encontro com Cristo de que tanto carece, não nos cansemos de anunciar, celebrar e servir o Evangelho da esperança.
Anunciemos o “Evangelho da esperança”! (…). Celebremos o “Evangelho da esperança”! (…). Sirvamos o “Evangelho da esperança”! (…).
Não temas, Igreja da Europa! Assume as tuas responsabilidades! Chegará o tempo (e já se vislumbram os sinais!) em que o bem triunfará sobre o mal (…). Não temas, Igreja da Europa! O Deus da esperança não te abandona. Acredita no seu amor. Espera na sua misericórdia que perdoa, renova e vivifica… Espera no teu Senhor e jamais serás confundida!»[342].
A II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, na perspectiva da nova evangelização, proclamou o anúncio do Evangelho da esperança a uma Europa que parecia tê-la perdido.
«Ao longo do Sínodo, pouco a pouco, foi-se evidenciando um forte impulso para a esperança. Ainda que aceitando as análises sobre a complexidade que caracteriza o continente, os padres sinodais apontaram, como sendo provavelmente o mais crucial, tanto no Leste como no Oeste, a necessidade cada vez mais sentida de esperança, que torne possível dar sentido à vida e à história e caminhar de mãos dadas. Todas as reflexões do Sínodo se encaminhavam para dar resposta a esta necessidade, a partir do mistério de Cristo e do mistério trinitário. O Sínodo quis apresentar de novo a figura de Jesus, vivo na sua Igreja, revelador do Deus-Amor que é comunhão das três Pessoas divinas»[343].
O Grande Jubileu do ano 2000 propôs-nos de novo o Senhor Jesus como o fundamento único e indefectível da verdadeira esperança: «a fonte de esperança, para a Europa e para o mundo, é Cristo. (…) Voltando a Cristo, os povos europeus poderão reencontrar a única esperança que dá plenitude de sentido à vida»[344]. «Nenhum ser humano pode viver sem perspectiva de futuro»[345] e «Jesus Cristo é o futuro do homem»[346].
«Esta palavra de esperança é dirigida hoje também às Igrejas na Europa, frequentemente provadas por um ofuscamento da esperança»[347].
«O Evangelho da esperança, entregue à Igreja e por ela assimilado, precisa de ser diariamente anunciado e testemunhado. (…) O anúncio de Jesus, que é o Evangelho da esperança, seja por conseguinte o teu título de glória e a tua razão de ser»[348]. «A Igreja está ciente do contributo específico da mulher para o serviço do Evangelho da esperança. (…) A Igreja espera das mulheres o contributo vivificante duma nova onda de esperança»[349]. Neste contexto, Teresa, normanda, francesa, cidadã europeia, missionária do mundo inteiro, foi enviada por Deus para lembrar ao século XX e à nossa Europa do terceiro milénio que «o Evangelho da esperança não desilude»[350], que pode ter confiança na «eterna juventude do Evangelho»[351], do «Evangelho da esperança»[352] – «o seu único tesouro»[353] –, que é o próprio Jesus, «esperança sólida e duradoura porque anseia»[354].
«Ó Coração de Jesus, tesouro de ternura
Tu és a minha felicidade, a minha única esperança,
Tu que soubeste cativar a minha juventude
Fica comigo até ao último dia
Senhor, só a ti dei a minha vida
E conheces bem todos os meus desejos
É na tua bondade sempre infinita
Que quero perder-me, ó Coração de Jesus!»[355].
«Tende confiança”! Eu venci o mundo» (Jo 16, 33). «O próprio Jesus exortou os seus discípulos a não temerem, mas a cultivarem a esperança»[356]. Educada nesta esperança de Jesus, sua única esperança, Teresa viveu-a em dimensão teologal[357], quer na linha paulina da «caridade que tudo crê e tudo espera» (1 Co 13, 13), da «esperança que não engana» (Rm 5, 5) e da qual «nada nem ninguém nos pode separar» (Rm 8, 39), pois, «tudo é graça»[358], quer na linha sanjoanina da «esperança que tudo alcança»[359]. A sua vida é um «pequeno elogio da esperança», e o seu coração uma «fonte de esperança» para todos. Teresa tinha, no dizer da Madre Inês, este dom da confiança que tudo alcança.
«Penso tal como vós, minha Madre, que “nada é impossível a Deus” e que a confiança tudo alcança. Ora, a medida da nossa confiança é a da entrega de nós mesmos nas mãos do Senhor, sendo essa mesma confiança por si só um grande dom de Deus. A nossa Teresa tinha esse dom. É a presença sacramental de Nosso Senhor que ela pede no seu Acto de Oferenda ao Senhor, crendo eu firmemente que ela a obteve. De resto, é esse o modelo das almas humildes. Se as almas tocadas pelo amor e inspiradas para pedirem o dom de confiança que obtém o milagre atrás assinalado pedirem esse dom à nossa rainhazinha, estou certa de que o alcançarão»[360].
Ao longo destas páginas, vimos como nela a esperança nasceu num contexto familiar de alegria («gaudium et spes») e depois passou por toda uma série de roturas familiares («luctus et angor»), vindo a orientar-se, por fim, no «desejo de ir em breve reunir-se aos seus quatro anjinhos (mais aos seus «incomparáveis pais») na Pátria»[361]. A unidade da sua vida teologal permitiu-lhe viver a sua existência como história aberta ao futuro do querer de Deus, sempre em caminho para a prática da sua vocação na Igreja e da sua missão no Mundo[362].
O Ms A, como se fez ver, é o hino tanto da sua germinal esperança familiar, quanto da dramática da sua esperança de vir a ser carmelita. O Carmelo era o lugar predestinado, onde Jesus a esperava[363], onde Maria, «Mater spei et spes nostra»[364], «cumularia a sua esperança»[365], onde Teresa viveu a esperança de amar mais cada dia na esperança de cada dia ser mais amada.
«Tenho sede de Amor, colma a minha esperança
Aumenta em mim, Senhor, o teu Divino Fogo
Tenho sede de Amor, é muito grande o meu sofrimento
Ah! quisera voar para ti, ó meu Deus!…»[366].
O Ms B, como se depreende desta meditação, é o canto da sua plena e radical esperança na Misericórdia do Senhor, os braços do «ascensor» que, ao fazê-la descer, a fez subir ao infinito da Montanha do Amor.
«Entendemos o plano amoroso de vossa Boca Adorada; compreendendo que a sede que vos consome é uma sede de Amor, quereríamos para vos dessedentar possuir um Amor infinito… Esposo Bem-Amado de nossas almas, se tivéssemos este amor seria para vós… Pois bem! dai-nos este amor e vinde dessedentar-vos em vossas pequenas esposas…»[367].
O Ms C, conforme consta da exposição, é o testemunho vivo e o testamento vivido da sua «caridade em acção», daquela «caridade que tudo espera, tudo suporta»[368], mesmo no meio das «trevas mais espessas», daquela esperança que tudo ama e atrai os seus, as pequenas almas, os missionários, as noviças e, mesmo, os grandes pecadores[369].
«Senhor, de tua beleza a minha alma se enamorou
Quero oferecer-te meus perfumes e minhas flores
Ao lançá-las para ti nas asas do vento
Quereria inflamar os corações!….
Atirar flores, Jesus, eis a minha arma
Quando quero lutar para salvar os pecadores
A vitória é minha… sempre te desarmo
Com as minhas flores!!!…»[370].
A sua concepção da esperança cristã como confiança e abandono no caminho do amor[371], que corresponde, no nosso entender, ao que chamamos de esperança activa e passiva, ao esperar como operar e ser operado, isto é transformado, fez da sua breve vida, não só um acto de fé[372], nem só um acto de amor[373], mas ainda, um acto de esperança[374], na misericórdia divina[375]. «De nada está mais falto o mundo que de esperança. (…) Só alguma forma do amor pode gerar a esperança, e é verdade que sem confiança não há amor nem esperança. (…) O primeiro passo no domínio do absoluto dá-o a esperança, geradora de confiança e de amor. (…) O cristão é, no mundo de hoje, o homem que espera ser portador da única esperança absoluta. (…) Espero na esperança absoluta. (…) Confio, com confiança teologal, em que tal esperança me habita, me dá vida, me mantém aberto ao futuro. Confio em confiar perfeitamente em que a esperança absoluta é a chave da minha vida»[376].
«Onde falta a esperança, também a fé é posta em questão; e o amor enfraquece, quando começa a exaurir-se aquela virtude. A esperança, especialmente em tempos de crescente incredulidade e indiferença, é firme apoio para a fé e incentivo eficaz para a caridade. Extrai a sua força da certeza da vontade salvadora universal de Deus (1 Tm 2, 3) e da presença constante do Senhor Jesus, o Emanuel, que está sempre connosco até ao fim do mundo (Mt 28, 20)»[377].
Deus purificou-a na virtude da esperança, não apenas pela prova da esperança na fase da sua vida familiar e, depois, na sua reivindicação vocacional carmelita, mas também pela tentação contra a esperança no céu[378]. Nas tentações da esperança, observamos como foi o amor quem nela esperou e esperou o amor[379]. Nas tentações contra a esperança, nas de desespero[380], recebeu a graça de se manter firme e forte e, como tal, fonte de esperança para todos os que ainda hoje e sempre são e serão tentados na e contra a esperança[381], desesperando uns[382], recusando-se a esperar na misericórdia de Deus outros[383], oxalá, confiando-se e abandonando-se todos[384].
«Penso que em relação à minha morte, vou precisar da mesma paciência que para os outros grandes acontecimentos da minha vida. Repare: entrei muito nova no Carmelo, e no entanto, depois de tudo estar decidido, foi preciso esperar 3 meses; para a minha tomada de Hábito, a mesma coisa; para a minha Profissão, ainda a mesma coisa. Para a minha morte, será da mesma forma; ela vai chegar em breve, mas será ainda necessário esperar»[385].
A sua «passagem pelo Hades»[386] – a morte como porta para o inferno, lugar de castigo eterno e sem esperança[387] –, aliás, como a de Cristo (1P 3, 19), libertadora do inferno[388], situa-a no realismo cristão de quem «vence o mundo pela fé» (1 Jo 5, 4), de quem sabe que «nada é impossível aos que não são sem esperança» (1 Tm 4, 13), de quem acredita que «o amor é mais forte que a morte» (Cânt. 8, 6). Numa época em que se desvanece a «nostalgia do futuro» e a confiança no futuro, ela coloca-se mais além do pessimismo radical do niilismo desesperado[389] – «a noite do nada» é a «morte da esperança» – como o «espaço negro» que tudo devora, seguido de um vazio de horizonte ou, pelo menos, de um horizonte vazio[390], e do optimismo fácil e ingénuo da moderna cultura laica do «depois veremos» o que acontecerá[391]. Se o optimista, o «tonto feliz», como diz o povo, não vê a cruz no meio da vida, e o pessimista, o inteligente desgraçado, só vê a cruz, o cristão vê a cruz, mas também mais além da cruz – Ave Crux spes única! –, e, por isso, pode esperar «contra toda esperança» (Rm 4, 18), na «esperança que não confunde» (Rm 5, 5), precisamente a que brota da Cruz[392]. Neste sentido, a esperança de Teresa, foi, ainda que passiva[393], acima de tudo activa[394], vencedora dos obstáculos das provas e tentações[395], sempre com a graça de Deus, pois, «apenas falte o fundamento divino e a esperança da vida eterna, a dignidade do homem é gravemente lesada… levando não raro os homens ao abismo do desespero»[396].
Esta sua invencível esperança, renovada pela confiança em Deus[397], é, portanto, o único remédio contra a tentação do desespero[398] e a desesperança dos desesperados[399], é a sua mensagem para sempre[400], é a atitude de construção, no presente, do futuro que a Deus e ao homem pertence[401]. É bem verdade que, como diziam os teólogos medievais, «quando Deus trabalha, o homem sua».
«A esperança de uma terra nova não deve enfraquecer, mas antes incitar a preocupação de cultivar a terra, onde cresce o corpo da nova família humana, o qual nos dá já um vislumbre do século novo»[402].
Guiada pela esperança, da herança prometida, Teresa leva-nos a uma nova mística da esperança cristã, que integra «o céu e a terra»[403], como graça e responsabilidade comprometida entre o «Deus da esperança» (Jr 29, 11) e o «homem esperançado» em melhorar o futuro, em «ir começando sempre, de bem em melhor»[404]. Ela, ao viver, em grau eminente, a fidelidade à esperança da «terra» e da «nova terra» – qual «sentinela da manhã» que vela, forte na esperança, à espera da aurora (Is 21, 11-12)[405] –, ao dar razão da esperança que havia em si, na medida da sua confiança no amor de Deus, contribui para que nós, cristãos do século XX – século do desespero, e mesmo, da «morte» de Deus e do homem[406] –, dêmos razão da esperança, que nos anima na criação de «um novo céu e de uma nova terra» (Is 65, 17), «onde habite a justiça» (2 P 3, 13).
«Frente a tantos profetas da desgraça que difundem como vindas do céu tantas mensagens de castigo e de catástrofe, deslocando perigosamente os conteúdos da fé e da esperança e, por conseguinte, do amor confiado a Deus e do amor activo ao próximo, do seu eixo fundamental, que é o da revelação cristã, para aderir às revelações privadas e suspeitosas, Teresa de Lisieux propõe de novo com força o conteúdo da fé e da esperança cristãs, mas, ao mesmo tempo, propõe o sentido subjectivo desta fé que se abandona totalmente a Deus e produz as obras da fé, também elas fontes da graça, porque “tudo é graça”; mas ela desperta ainda a vivência concreta da esperança teologal, levantada ao mais alto grau de suas virtualidades e numa dimensão universal, neste “esperar para todos” que se tornou o leitmotiv da teologia dum discípulo de Teresa de Lisieux, H. U. von Balthasar»[407].
Teresa é um magnífico exemplar da tensão escatológica entre o «já» e o «ainda não» da esperança cristã[408], não só vivendo o «possuo o que esperei»[409], mas ainda morrendo de «mãos vazias»[410], a saber, «esperando tudo de Deus»[411], com «esperança eterna»[412], com oração de orientação escatológica[413], de transformação crística[414], de missão póstuma[415].
«Entretanto, na esperança e no silêncio estará a minha fortaleza (Is 30, 15). Mais quero viver e morrer a pretender e esperar a vida eterna, que possuir todas as criaturas e todos os bens, que se hão-de acabar. Não me desampares, Senhor, porque em Ti espero, não seja confundida a minha esperança (Sl 30, 1); sirva-Te eu sempre e faz de mim o que quiseres»[416].
Logo que teve consciência da iminência da sua partida[417], testemunha tanto a sua esperança já realizada[418], quanto a sua esperança ainda por realizar da parte de Deus[419]. Ante este testemunho de uma esperança tão alta, porque tão baixa, tão rica, porque tão pobre, não admira que seja reconhecida como «sinal de esperança e actualidade»[420], como mãe, mestra e educadora da esperança de todos os que esperam no amor de Deus[421], dos que desesperam da perfeição[422], dos que desesperam do amor[423], dos que desesperam do perdão[424], dos que desesperam na agonia[425], ou têm medo da morte[426], ou duvidam da vida eterna[427], ou temem o julgamento[428], ou esperam a libertação no purgatório[429], ou querem respirar o ar do Céu[430].
«Só com a confiança
vivo de que hei-de morrer,
porque, morrendo, o viver
me assegura a minha esperança.
Morte, onde o viver se alcança,
não tardes, que te espero,
Que morro porque não morro»[431].
Perante a «crise do desespero recalcado», o viver etsi Deus non daretur, «quem levantará o espírito desanimado» (Pr 18, 14), senão a «esperança alegre» (Rm 15, 13) dos que, «em tudo perplexos, mas não desesperados» (2 Co 4, 8), são a «âncora segura e firme da nossa alma, mantida intacta até ao fim e que penetra além do véu?» (Hb 6, 11.19).
«No caminho rumo ao Jubileu, voltemos à Sagrada Escritura e sintamos, dirigidas a nós, estas palavras: «Nós que procuramos refúgio n’Ele, encontramos grande estímulo agarrando-nos à esperança proposta. Nessa esperança, temos como que uma âncora segura e firme da alma, que penetra até ao interior do véu, onde Jesus entrou como nosso precursor» (Hb 6, 18-20). É um forte convite a nunca perder a esperança que nos foi dada, a mantê-la firme, encontrando refúgio em Deus… Esta esperança, muito maior do que as satisfações quotidianas e as melhorias nas condições de vida, transporta-nos para além das provações e exorta-nos a caminhar sem perder de vista a grandeza da meta a que somos chamados: o Céu»[432].
Se Teresa, com a sua santidade «inacabada», «levantou o mundo», com o seu «caminho da infância espiritual», «faz-nos compreender a ternura do Coração de Jesus, o que Ele espera de (nós)… quanto ama as almas, mesmo imperfeitas, que se lhe confiam»[433]. Num tempo que parece «desconhecer o amor misericordioso de Jesus»[434], ela, que esperou n’Ele, não «com gula» (Rimbaud), mas «com confiança», convida ao «acto de esperança» e à «atitude de espera» em Deus, fonte da sua e nossa força vitoriosa, mesmo no meio das aparências de morte[435]. Companheira da nossa esperança, continua ainda hoje a inspirar uma esperança na misericórdia de Deus por todos. Embora as esperanças humanas possam ficar defraudadas – «Pode ficar defraudada a esperança?» – «Sim, e para sua honra, pois, se não pudesse ficar defraudada, não seria esperança»[436]– a esperança cristã, que é a esperança de Deus para nós, não pode, porque Deus está connosco: «Spes non confundit» (Rm 5, 5). «A sua confiança – disse-me – nunca ficou defraudada»[437].
«O teu coração permaneça sempre no temor do Senhor,
Porque há um futuro e a tua esperança não será confundida» (Pr 23, 18).
Na verdade, a partir de Santo Agostinho, a «perseverança final», mais do que a possessão de uma conquista, enquanto graça das graças, é o objecto da esperança confiada em Deus.
«Foi para não ouvir isto que não quis crescer, sentindo-me incapaz de ganhar a vida, a vida eterna do Céu»[438].
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REIS, Manuel, in Didaskalia XXXIV (2004) pp.183-238. (Revisto)
[1] Ct 38 B.
[2] Ct 39.
[3] A 29 v.
[4] Ct 41.
[5] Ct 61.
[6] A 32 r.
[7] A 78 v.
[8] Ct 197.
[9] B 2 v.
[10] B 5 v.
[11] Or 20.
[12] C 3 r.
[13] C 5 r.
[14] P 17, 15.
[15] UC 31.8.9.
[16] Ct 255.
[17] Ct 230.
[18] «Podemos afirmar que o ofuscamento da esperança na vida eterna é talvez a maior prova do mundo e da Igreja ocidental» (C. M. Martini, «Il prete guida e compagno dei fratelli che vivono la sofferenza della incredulità», em AA. VV., Nel dramma della incredulità con Teresa di Lisieux, Ancora, Milano,1997, p. 37). «Na nossa época, a tentação que mais ameaça os cristãos, não é tanto uma crise de fé como uma crise de esperança» (J. Lafrance, A minha vocação é o amor, Lisboa, 1986, pp. 144. 146). Do mesmo teor (J. L. Ruiz de la Peña, Esperar en tiempos de desesperanza, em Rev. de Espirit. 52 (1993), p. 96). «A nossa penúria seria uma penúria de esperança (Não esperaríamos já nenhum “evangelho”, nenhuma “boa notícia”). Teríamos de nos ater ao puro presente» (Aranguren). «A sociedade contemporânea atravessa uma crise de esperança, marcada pela desmitificação do progresso, a perda de horizonte, o crescimento da insegurança e a incerteza diante do futuro» (J. A. Pagola, Es bueno creer. Para una teología de la esperanza, San Pablo, Madrid, 1996, pp. 77-85).
[19] A. Guerra, Ventura y tormento de la esperanza, em Rev. de Espirit. 140-141 (1976), p. 404).
[20] «Um número extraordinário dos nossos contemporâneos… vivem em inquietação, agitados entre esperanças e angústias» (GS 4). «Os nossos dias, com todos os desafios que nos lançam, apresentam-se como uma espécie de tempo de crise. Muitos homens e mulheres parecem desorientados, inseguros, sem esperança; e não poucos cristãos partilham estes estados de alma» (J. Paulo II, Exort. Ap. Ecclesia in Europa (28/VI/2003), 7).
[21] «A saída para o drama do homem contemporâneo, tentado de desespero – «para quê lutar?» – está na «respiritualização do mundo pela esperança», porque «a forma mais alta da esperança é o desespero ultrapassado»» (G. Bernanos, La Liberté, pour quoi faire?, Gallimard 1953, pp. 176.92 e 15). «O mundo espera de nós – tenho vergonha de o escrever – o mundo espera de nós, apesar de tudo, perdoai-me se o escrevo, nesta terra amedrontada de “robots”, da ameaça tão próxima de uma ditadura capitalista ou marxista… espera de nós – meu Deus, devo mesmo escrevê-lo? Não farei que se riam de mim? – o mundo espera de nós a restauração universal do espírito, a maior revolução de todos os tempos» (Id., in Franceses, se vós soubésseis). O mesmo autor imagina um sermão pregado numa Igreja por um “agnóstico no dia da festa de S. Teresa de Lisieux, pondo o dedo na ferida dos dramas do século XX: “A verdadeira causa das nossas desgraças há que buscá-la na desencarnação do Verbo… A espiritualidade de Teresa é uma profunda revolução mística frente ao monofisismo, as espiritualidades de “desencarnação do Verbo” (G. Bernanos, Les Grands Cimitières sous la lune, 1938, citado por J. F. Six, Una luz en la noche. Los últimos meses de Teresa de Lisieux, San Pablo, Madrid, 1996., pp. 248-249). «Todos os problemas do homem pós-moderno reduzem-se a um só: a esperança. Podemos ainda esperar? (…) Quem nos ensinará a esperança? (…) Teresa de Lisieux, Doutora da Esperança (B 3 r; 2 V), identificou o caminho da esperança com o caminho da santidade. A nossa sociedade depressiva só pode ser salva pelos santos. (…) Com a eleição do nome “Teresa do Menino Jesus da Santa Face”, acentuou para sempre a misteriosa síntese entre a esperança e o sofrimento, entre o presépio e a cruz. (…) Teresa é a santa da esperança… Teresa viveu a noite da incredulidade… Teresa é a santa da fé… Teresa é a santa do amor… Mas antes de tudo e acima de tudo, é a santa da esperança. (…) O que me surpreende, faz dizer Péguy a Deus, não é a fé e o amor, mas a esperança. É a menos evidente das três. É a que tem mais necessidade de ser cultivada. Pois não é senão uma criança com vontade de crescer» (Cardeal Godfried Danneels, «Quién nos enseñará la esperança?», em Teresa de Lisieux. Vida. Doctrina. Ambiente, 2ª ed., Editorial Monte Carmelo, Burgos, 1988, pp. 5-6).
[22]T. de Pascoaes, «A Caridade», in O grito que Deus ouve, Editorial A. O., Braga, 2015, p. 94.
[23] GS 1.
[24] «É nisto que ela é verdadeiramente moderna… não separa nunca a terra do céu, as condições concretas e frágeis da sua aventura terrestre das exigências da sua vocação divina» (V. Sion, Realismo espiritual de Teresa de Lisieux, Braga, 1974, p. 19).
[25] Felicísimo Martínez, Avivar la esperanza, San Pablo, Madrid, 2002.
[26] «Combatamos sem tréguas, mesmo sem esperança de ganhar a batalha. Que importa o sucesso? Avancemos sempre, seja qual for a fadiga da luta… É preciso cumprir o dever até ao fim» (UC 6.4.2).
[27] «A cada nova ocasião de combate, quando o inimigo me vem provocar, conduzo-me como valente…» (C 7 r).
[28] «De tudo isto somos vencedores por Aquele que nos amou» (Rm 8, 37), porque «é na fraqueza que a força de Cristo se revela totalmente» (2 Co 12, 9). «Não me aflijo ao ver que sou a própria fraqueza, antes, pelo contrário, é nela que me glorio» (C 15 r). De facto, Jesus «armou-a para a guerra» (Ct 201), e, a partir da graça do Natal de 1886, «tornada forte e corajosa» (A 45 r), «lutou como um valente guerreiro» (P 36, 3), e foi de «vitória em vitória» (UC 8.8.3), até «morrer no campo de batalha com as Armas na mão» (P 48, 5). Nem dos últimos combates teve medo (UC 27.5.2), esta «nova Joana d’Arc» (Ct 224). Pode suster, como outrora Joana d’Arc, a nossa esperança: «Em ti só está a sua esperança… Espero em ti» (RP 3, 24 v).
[29] GS 12.
[30] «Vivo sem viver em mim/ e de tal maneira espero/ que morro porque não morro» ( S. João da Cruz, P VIII).
[31] «Vivo sem viver em mim/ e tão alta vida espero/ que morro porque não morro» (S. Teresa de Jesus, P I).
[32] «Morrendo, o viver / me assegura minha esperança» (S. Teresa de Jesus, P I, 5).
[33] «Minha mesma vida espero» (S. João da Cruz, P VIII). «A esperança, como a fé e a caridade, é já a verdade da vida eterna em nós» (H. U. von Balthasar, Teresa de Lisieux. Historia de una Misión, Herder, Barcelona, 1989, p. 222). Se «no Princípio era a Esperança» (Teixeira de Pascoaes), «no Fim será Esperança»: «São três os ensinamentos do Senhor: a esperança da vida é o princípio e o fim da nossa fé; a justiça é o princípio e o fim do julgamento; a caridade, que traz consigo a felicidade e a alegria, é o testemunho de que as nossas obras são justas» (Epístola de Barnabé, cap. 1, 1-8; 2, 1-5: Funk 1, 3-7, em Liturgia das Horas, IV, p. 133).
[34] «O que ali floresceu foi a sua missão profética sobre o abismo do Amor Misericordioso de Deus» (H. U. von Balthasar, El problema de Dios en el hombre actual, Guadarrama, Madrid, 1960, pp. 281 – 282). Até os números o confirmam: o substantivo «espérance» (esperança) aparece 38 vezes, o substantivo «espoir» (espera) surge 21 vez e o verbo «espérer» (esperar) marca 142 vezes presença (Cf. Les Mots de Sainte Thérèse de l’Enfant-Jésus. Concordance Génerale, Cerf, 1996).
[35] «Já não tinha a esperança «do Sto Padre»; não encontrava nenhum auxílio na terra que me parecia um deserto árido e sem água; a minha única esperança residia só em Deus… acabava de experimentar que mais vale recorrer a Ele do que aos santos…» (A 66 r). «Ser humilde… tudo esperar do bom Deus como uma criancinha tudo espera de seu pai» (UC 6.8.8). Este abandono é todo o movimento da espiritualidade teresiana (P 52).
[36] Arcebispo François Xavier Nguyên Van Thuân, em Vida Nueva, n. 2. 237, 17 de Junho de 2000.
[37] Eis a pequena-grande: «a mais pequena de vossas filhas não o era em ternura e em reconhecimento, apenas era a mais pequena em idade e sabedoria» (Ct 202).
[38] C 2 v – 3 r. Na linguagem do Concílio Vaticano II, «só Deus pode responder plenamente e de uma maneira irrecusável ao homem» (GS 21). «A fé oferece uma resposta à ansiedade do homem acerca do seu destino futuro… e dá-nos a esperança da vida verdadeira em Deus» (GS 18).
[39] «Ao descobrir «o seu novo caminho» começou o seu movimento de abandono» (J. Lafrance, o. c., p. 131).
[40] «Nesta esperança, que nela reveste a nota de uma confiança segura e amorosa, ela descobre um dinamismo novo», confiança que é o centro do caminho para a«santidade» e o nó do «pequeno caminho» (C. Meester, Dynamique de la Confiance, Cerf, Paris, 1995, pp. 41.43.45). «Normalmente, dá à sua esperança o nome de confiança. A confiança é a esperança» (Id., Las Manos Vacías, Burgos, 1981, p. 147).
[41] Id., p. 440. «Quanto mais o homem avança, mais descobre que tem as mãos vazias e que está longe e separado de Deus por um abismo intransponível. É preciso lançar uma ponte por cima desse abismo… Na nossa margem, o pilar é a humildade da imperfeição e da impotência… Na margem de Deus, é a misericórdia de Deus em que o homem crê. Sobre estes dois pilares é lançada a ponte da confiança amorosa em que Deus vem buscar o homem e o leva para a outra margem» (Ibid., p. 152).
[42]A 32 r. «A acção de Deus purifica passivamente a esperança teologal de Teresa, privando-a de outro apoio senão Deus» (C. Niqueux, L’espérance aveugle en la Misericorde divine, em Thérèse de l’Enfant-Jésus Docteur de l’Amour, Venasque, 1990, p. 256). «Não me posso apoiar em nada, em nenhuma das minhas obras para ter confiança» (UC 6.8.4), mas «apoiar-me unicamente na força de Deus» (UC 7.8.4). Parafraseando o seu dito «a minha paciência não é minha» (UC 18.8.4), poderíamos aceitar que dissesse «a minha esperança não é minha», uma vez que Deus é o princípio, o meio e o fim da sua esperança de ser e vir a ser santa: «sede vós mesmo, ó meu Deus, a minha Santidade», ou ainda, «quero revestir-me com a vossa própria Justiça; e receber do vosso Amor a posse eterna de Vós mesmo» (Or 6). A experiência da acção de Deus em si fê-la re-encontrar a grande teologia da esperança que, no abandono, dá a Deus a prioridade absoluta do movimento para o Bem que é Ele mesmo: «somos felizes por nos sentirmos fracos e miseráveis porque, quanto mais o reconhecermos humildemente, esperando tudo gratuitamente de Deus sem mérito algum da nossa parte, mais Deus se abaixa para nos colmar dos seus dons com magnificência» (S. Marie de la Trinité, Une novice de Sainte Thérèse, Cerf, 1993, p. 110). «O coração de Teresa não para de vibrar “depois de sete anos passados em religião” – “sinto sempre a mesma confiança audaciosa de me tornar uma grande santa” –, e quer ser sem cessar uma “chama viva de esperança”: “Espero n’Aquele que é a Virtude, a Própria Santidade”» (J. F. Six, Thérèse de Lisieux, Son combat spirituel, sa voie, Seuil, Paris, 1998, p. 276).
[43] C 2 r.
[44] «O que lhe agrada é ver-me amar a minha pequenez e a minha pobreza, é a esperança cega que tenho na sua misericórdia… Eis o meu único tesouro» (Ct 197). Só o pobre espera: «apesar da minha fraqueza, espero repetir eternamente o mesmo cântico que vós!…» (A 53 v).
[45] «O bom Deus põe este tesouro na mão do seu pequeno filho para que dele se sirva quando tem necessidade; mas é sempre o tesouro do bom Deus» (UC 6.8.8).
[46] «O Deus da esperança». O genitivo tem duplo sentido: Deus é o sujeito, o autor e o dador da esperança, isto é, quem nos convida a sonhar; Deus é também o objecto, o conteúdo final da nossa esperança. Biblicamente falando, o Deus da promessa e a promessa de Deus coincidem em Deus. A garantia da esperança cristã é o próprio Deus, a sua promessa, a sua fidelidade, o seu poder. Por isso, a esperança cristã é, sobretudo, empenho de Deus: quer salvar-nos e tem poder para isso, embora exija o empenho do homem, o esforço da sua vontade, como espera, desejo, procura. O desejo da felicidade é a base sobre a qual é possível edificar a educação para a esperança, passando pela confissão da própria culpa e, por isso, pela impossibilidade de salvar-se a si, até à certeza de ser salvos por Deus. (…) A esperança tem deus, Deus todo, como bem, como força, como medida, tem a caridade perfeita como sonho e ideal, pois o que mais precisamos de esperar é chegar a amar a Deus com o mesmo amor com que Ele nos ama, e a amar os irmãos, como Jesus nos ama. Não devemos esperar menos que Deus, nem revestir-nos senão da sua força, este é o dom incomparável que o Pai nos dá com a sua esperança em Cristo (R. Moretti, La formazione alla speranza, pp. 120-139).
[47] C 21 r. «Ele espera a aurora (de Celina) e, então, que despertar o de Jesus!!!» (Ct 144). Ele «fez–se esperar por Leónia» (Ct 148).
[48] «Mesmo que Deus me matasse, esperaria n’Ele» (UC 7.7.3). Ela identifica-se ainda com o Job «desesperado» (UC 5.8.8). A 4 de Maio de 1890, em carta à M. Inês, manifesta a sua incrível audácia amorosa: «Cansar-se-á mais depressa de me fazer esperar (pela profissão religiosa) que eu de O esperar» (Ct 103). «Mais depressa se cansará Deus de provar-me que eu de confiar n’Ele» (PA, p.611). «A confiança teresiana é uma das mais belas expressões da esperança cristã» (F. M. Léthel, «Teresa teóloga, según la Positio de su doctorado», em Teresa de Lisieux, Profeta de Dios, Doctora de la Iglesia, Salamanca, 1999, p. 398). «A confiança em Deus tinha-se convertido como no selo especial da sua alma. Sentia-se atraída para esta confiança desde a sua mais tenra idade, e eu tinha feito tudo o possível por desenvolver nela esta tendência» (M. Inês de Jesus, PO 21, p. 67).
[49] «Evitava antecipar a sua hora e esperava pacientemente que aprouvesse a Jesus fazê-la chegar» (C 21r). «A hora de Deus acontece entre o desespero e a confiança» (M. D. Molinié, Je choisis tout. La vie et le message de Thérèse de Lisieux, Chambray, 1992, p. 291).
[50] C. Péguy, Le Porche du mystère de la deuxième vertu, Gallimard, 1975, pp. 538 e 602. «Esperar não é um luxo : é um dever. Esperar não é sonho; ao contrário, é o meio para que o sonho se transforme em realidade. Ditosos os que se atrevem a sonhar e estão dispostos a pagar o mais alto preço com tal de que o sonho tome corpo na vida dos homens» (J..Le Suenens, Entrevsita a um jornalista americano, publicada na revista The Critic, Novembro-Dezembro de 1970).
[51] A misericórdia é a única fonte em que Teresa apoia a sua esperança: «O Senhor é a rocha sobre que estou edificada… É o meu escudo, n’Ele está a minha esperança» (C 8 v).
[52] A 78 v.
[53] C 22 v. O amor de Deus é o fundamento da certeza da esperança paulina (Rm 5, 5), e o «amor de inefável previdência» é-o da esperança teresiana (A 38 v). «Este amor previdente», sem ser esperado, salva da tentação do desespero inerente à condição humana» (H. Delbet, Primauté de la grâce: Thérèse de Lisieux, em Studies in Spirituality 5/ 1995, p. 167).
[54] A 71 r (Cf. Or 6; UC 13.7.15; 16.7.2). «Todas estas promessas… Fez-me sempre desejar o que me queria dar… Começará Ele no Céu a não colmar os meus desejos? Verdadeiramente não o posso crer» (Ct 253).
[55] UC 6.8.4.
[56] UC 12.8.3.
[57] UC 13.8.
[58] «A doutrina social da Igreja é capaz de suscitar esperança mesmo nas situações mais difíceis, porque, se não houver esperança para os pobres, não a haverá para ninguém, nem mesmo para os chamados ricos» (J. Paulo II, Exort. Ap. Pastores Gregis (16/X/2003), 67).
[59] G. Bernanos, Les Predestinés (Saint Dominique, Jeanne relapse et sainte, Nos Amis les saints, Frère Martin), Ed. de Seuil, Points Sagesses, 1983, p. 90). Só a pobreza dispõe bem para a perfeição da esperança teologal: «quero… receber de vosso Amor a posse eterna de Vós mesmo» (Or 6). «Sei bem que nunca serei digna do que espero, mas estendo-vos a mão como uma pequena mendiga e estou segura que me atendereis plenamente, porque sois tão bom!…» (UC / G 5.8.3). «Esta inversão, na qual os pobres, por ser tais, são capazes de se deixar invadir pelo Amor, é o que ela propõe como caminho espiritual às suas noviças. Não há esperança se somente se espera de algumas, e não de todas. Não há esperança, se não se espera que os pobres são os primeiros em poder crer no amor» (J. F. Six, Teresa de Lisieux en el Carmelo, Herder, Barcelona, 1984, pp. 280-281).
[60] «A esperança é sempre uma esperança que reza» (a «oratio interpretativum spei» de S. Tomás). Teresa associa, por vezes, tanto o esperar e o orar («A minha loucura… é esperar… a minha loucura consiste em suplicar…» (B 5 v), quanto o orar e o esperar («Dignai-vos escutar a minha oração… ouso pedir-vos que me obtenhais o vosso duplo Amor» (B 4 r). «Para Teresa, ter confiança é dizer «Tu», é orar» (C. Meester, Dynamique, p. 498). «A oração é em si mesma um acto prolongado de esperança… é uma prática eminente da esperança, como antecipação e sabor dos conteúdos da Promessa, porque nela vivemos o presente em comunhão de amor com Deus e intercedemos por todo o mundo» (S. Galilea, Espiritualidad de la Esperanza, Madrid, 1988, pp.110 – 111). Ela «fez-se religiosa para orar» (Ct 121). «Para uma carmelita recordar e amar é orar» (Ct 131; 225). Sobre o papel da esperança na oração (Cf. Un exemple à proposer: l’espérance dans la prière de sainte Thérèse de Lisieux, em Lumen Vitae, 9 (1954), p. 513). «Sem dúvida que as minhas pobres orações não têm grande valor, mas espero mesmo assim que Jesus as atenderá…» (Ct 131). «A esperança não é possível senão num mundo onde há lugar para o milagre (…). A zona da esperança é também a da prece» (G. Marcel).
[61] «A aridez, em que a oração se torna gratuita e apostólica, é uma educação da nossa esperança, na confiança e no abandono à Providência de Deus, em que aprendemos a «esperar» a «hora» de Deus e a ter paciência histórica para o advento do reino de Deus» (S. Galilea, o. c., pp. 110 – 114). «Quem na oração tem, conforme a sua missão, a experiência de que «Deus morreu para si», também não sabe nada de esperança… o que agora é, será sempre assim» (H. U. von Balthasar, Historia., p. 274). «A sua oração tinha como que dois pólos: a súplica da criança que tudo espera de seu Pai, mas que descansa também nos seus braços, porque se sente amada e ouvida. Teresa gostava, sobretudo, daquela oração de silêncio e de abandono em que ficava imóvel sob o olhar do Pai» (J. Lafrance, o. c., p. 107). Ela espera que Jesus lhe dê o amor que é incapaz de conquistar só com as suas forças e, por isso, a sua esperança torna-se, quer súplica do amor (P 41, 2), quer dom de amor, enquanto «resposta à oração de Deus» (H. Dalbet, a. c., p. 168). «Eis a minha oração: peço a Jesus que me atraia para as chamas do Seu amor» (C 36 r). É uma oração de esperança ilimitada de amor: «esperanças que raiam o infinito» (B 2 v). «Orar é saber esperar sem perder a esperança, que concede o dom de ver milagres» (D. Pezzini, As feridas que curam, Paulinas, Lisboa, 1997, p. 85).
[62] «Deus sempre me socorreu, ajudou-me e conduziu-me pela mão desde a minha terna infância… Conto com Ele. Estou segura que continuará o seu socorro até ao fim» (UC 27.5.2).
[63] «O teu amor precedeu-me desde a infância, cresceu comigo e agora é um abismo cuja profundidade não posso sondar» (C 35 r).
[64] «Ó meu Deus, fostes além da minha esperança» (C 3 r).
[65] Jesus é o fundamento da nossa esperança de ressurreição gloriosa e de vida eterna (Jo 6, 40.54; 1 Co 15, 19.57). «Jesus crucificado à espera de ressuscitar e viver para sempre é a razão última da esperança cristã… e a ressurreição de Jesus (1 Co 15, 14), é a razão mais específica da nossa esperança» (S. Galilea, o. c., pp. 24.28.30). «O fundamento último da nossa esperança é a fé em Cristo morto e ressuscitado e o dom do Espírito» (G. Piana, «Esperanza», em Nuevo Diccionario de Espiritualidad, Paulus, Madrid, 1991, p. 453). «A nossa esperança no futuro seria uma ilusão, se no horizonte das coisas que devem vir não estivesse, Ele, o Ressuscitado, o Senhor. Ó Deus, faz-me compreender que somente neste futuro está a nossa esperança» (Pierre Charles). «A ressurreição de Jesus é o sinal antecipador de que Deus cumprirá as suas promessas» (M. Gelabert, La seducción de las utopías, em Rev. de Espirit. 52 (1993) p. 78). O Espírito Santo é o «dom que nos concede a perfeita esperança» (S. Hilário, De Trinitate, II, 1). O Espírito Santo «é o guarda e o animador da esperança escatológica no coração da Igreja» (J. P. II, De V 66).
[66] Desta confiança e esperança de Deus em nós, ínfimos e pecadores, escrevia Charles Péguy, em 1914, aos 41 anos.
[67] C. Péguy, «O pórtico do mistério da segunda virtude», p. 16.
[68] Rm 8, 19 – 25. Esta certeza «do que não vemos», que aparentemente contradiz a esperança, é a firme segurança de alcançar as promessas que conhecemos pela fé; é a certeza do que a fé promete – a esperança é sempre filha da fé (Hb 11, 1.27) – , é viver já, na invisibilidade da fé, aquilo que esperamos ver um dia cara a cara (S. Galilea, o. c., pp. 15 – 17). «O mundo «espera» a redenção de Cristo… o cosmos tem lugar na vida futura» (Ibid., p. 81). Define o cristão pela «épectase», pelo «avançar para o que está adiante» (Fl 3, 13).
[69] S. Tomás, S. Th., Iª II ae, q. 67, a. 4. «A confiança é a perfeição da virtude teologal da esperança» (Id., IIa IIae, q. 17, a 1). «A esperança é sempre do que se não vê, isto é, do que se não tem, e não do que se tem» (S. João da Cruz, 2 S 6, 3). No caso de Teresa, «ela espera, não para fazer Deus «seu», mas para se fazer toda «sua»» (C. Meester, Dynamique, p. 497).
[70] S. João da Cruz, P X, 4.
[71] «Quanto mais de esperança tem a memória, mais tem de união com Deus» (S. João da Cruz, 3 S 7, 2). «Quanto mais espere outra coisa, tanto menos esperará em Deus» (3 S 16, 2). «O ofício ordinário que a esperança faz na alma é levantar os olhos só para olhar a Deus, não esperando nenhum bem senão dele» (Id., 2 N 21, 7). «O coração que é de Deus como pode ser do mundo?» (Id., Ct 17).
[72] Id., 2 S 6, 3. Os dois serafins de Is 6, 2 «com as outras duas asas voavam, para dar a entender o voo da esperança às coisas que não se possuem, levantada sobre tudo o que se pode possuir de aqui e de ali, fora de Deus». Teresa «voa ao céu sem se preocupar» (Ct 191): «mais alto que a cotovia / a minha alma sabe voar» (P 52, 16).
[73] Id., 2 N 21, 6.
[74] Id., 2 N 21, 8. «S. João da Cruz intui que somos futuro melhorado» (A Guerra, a.c., p. 404). Note-se que a esperança teologal como rotura do presente e tensão para o futuro melhor – «uma esperança melhor» (Hb 3, 19) em base de «promessas melhores» (Hb 8, 6) – é que move o movimento, desde a sua fase inicial de «saída» até à sua fase final de «vitória» alcançada, em que «todas as esperanças serão realizadas» (Ct 230).
[75] «É preciso que o santo Baptismo deposite nas almas um germe muito profundo de virtudes teologais pois que já desde a infância elas se mostram e basta a esperança de bens futuros para fazer aceitar sacrifícios» (A 52 v).
[76] «Águia Eterna queres alimentar-me com a tua substância» (B 5 v). «O Senhor deixou aos seus o penhor de tal esperança e o alimento para o caminho naquele Sacramento da fé, no qual os elementosda natureza,cultivados pelo homem, se convertem no glorioso Corpo e Sangue, banquete de comunhão fraterna e antecipação do banquete celestial» (GS 38).
[77] «A esperança é a maior força da alma de Teresa» (H. U. von Balthasar, Thérèse von Lisieux. Geschichte einer Sendung, Colónia, 1950, p. 276), que inspirou a teologia da esperança, quer na França (Id., L’Esprit d’enfance et l’Espérance, Le Chrétien Bernanos, Paris, Seuil, 1956, pp. 282-300), quer na Alemanha (J. Moltmann, Teología de la esperanza, Sígueme, Salamanca, 1969, p. 20: «A escatologia é, na realidade, a doutrina sobre a esperança cristã»). Parece estar ainda imatura (S. Guerra, Pasado, Presente y futuro de la escatología, em Rev. de Espirit. 33 (1974), pp. 153 – 179).
[78] S. Galilea, o.c., pp. 13 – 22.
[79] G. Piana, a.c., pp. 446 – 447.
[80] «A esperança é uma vida brilhante, não uma vida dobrada sobre si mesma» (G. Marcel, Structure de l’espérence, em Dieu Vivant 19 (1951), p. 79). «A pequena esperança avança entre as suas duas grandes irmãs e só a ela não lhe prestamos atenção… mas é ela que no meio arrasta as suas grandes irmãs» (C. Péguy, o. c., pp. 27 – 28). «No plano dos Escritos, a Esperança encontra-se em Teresa como um meio termo entre o Amor e a Fé» (G. Gaucher, Jean et Thérèse. Flammes d’amour, Cerf, 1997, p. 123). Já era assim na «trilogia» paulina (Rm 5, 1 – 5; 1 Co13, 13).
[81] «Aquilo para que Deus a predestinou sem princípio virá ela a possuir sem fim» (S. João da Cruz, CB 38, 5 – 6).
[82] GS 21. Esta «esperança activa» é sempre um dado da consciência oficial da Igreja (J. Paulo II, LE n. 27). «A esperança é também compromisso humano, e não olha só o futuro, mas também o presente» (S. Galilea, o.c., p. 18). «Esperar é viver o presente» (Ibid., pp. 65 – 74). «Teresa mais que uma santa do “Céu” é uma santa da “terra”» (J. Guitton, Conférences du Centenaire, 1973, p. 35). «Teresa dá todo o seu valor ao concreto, aos cuidados quotidianos, à seriedade do que temos a fazer na terra, à paciência do tempo, aos “pequenos nadas”, mas com doçura e sem violência» (B. Bro, Thérèse de Lisieux, sa famille, son Dieu, son message, Fayard, 1996, p. 42).
[83] GS 20.
[84] GS 93. É o Espírito Santo quem realiza a Promessa já no tempo e, ao mesmo tempo, mantém a esperança do nosso futuro de glória: «Ele é o dedo da Trindade que vai desenhando os caminhos da esperança nos labirintos da história» (S. Galilea, o. c., pp. 24 – 25).
[85] LG 35. Não serão assim «ópio histórico» (E. Bloch, Das Prinzip Hoffnung, escrito em 1938 – 1939 e publicado em 1954), mas «construirão o mundo» (GS 34) sem ser terra – «Amas a terra? És terra. Amas a Deus? És Deus» (S. Agost.) – mas, transcensão: «o ar da terra falta-me, quando é que o bom Deus me dará o ar do Céu?» (UC 28.9.1). «A tensão escatológica transforma-se em missão terrena para que o Reino se afirme de modo crescente, aqui e agora» (J. Paulo II, Vita Consecrata, Roma, 1996, n. 27).
[86] LG 48. A «utopia secular» da libertação e a «esperança teologal» da salvação não se opõem, mas complementam-se, pois, a esperança cristã une com Deus, nas mediações históricas: «o progresso tem muita importância para o Reino de Deus, porque pode contribuir para uma melhor organização da sociedade humana» (GS 39). Para a dialéctica da esperança celeste com a esperança terrestre (Cf. Esperanza escatologica y esperanzas humanas (S. Galilea, o.c., pp. 35 – 50). Na verdade, «a esperança cristã vai mais além de qualquer utopia – que se fundamenta nas possibilidades do homem que não pode salvar – porque se fundamenta em Deus que pode ressuscitar os mortos» (M. Gelabert, a. c., p. 83).
[87] J. Paulo II, VC n. 27.
[88] Ct 58.
[89] B 4 r.
[90] C 16 r.
[91] A 14 v. «Quis que a minha alma habitasse nos céus, que não olhasse as coisas da terra a não ser de longe» (C 9 v).
[92] Ct 127.
[93] Ct 74. «Só o que é eterno nos pode contentar» (Ct 42).
[94] Ct 57. «A esperança cristã não é um «escapismo» para o futuro celeste, mas a vivência plena do presente terreno» (S. Galilea, o. c., p. 67). «Conheci-a sempre tocando a terra só com a ponta dos pés. Desde a sua primeira infância, quando se isolava nos passeios que dava com meu pai, era para pensar no céu e na eternidade, como ela mesma mo referiu mais tarde. Nos domingos e festas religiosas, pela tarde, punha-se triste ao ver acabar-se as belas cerimónias litúrgicas, e dizia a si mesma que a felicidade duradoura só se acha no céu. Em pequenina, chegou a dizer que desejava a morte do seu pai ou da sua mãe, aos quais, no entanto, amava extraordinariamente; como se assombraram os presentes diante destas palavras e a repreenderam, disse: “É para que vão para o céu”. (…) No Carmelo conheci-a totalmente celeste, a terra não era nada para ela. Disse-me, de mil maneiras diferentes, que o que sobretudo vislumbrava no pensamento do céu não era a o gozo pessoal que experimentaria em dita morada, mas antes o facto de que ali amaria muito mais a Deus, que seria amada por Deus, e que acharia o melhor meio de fazer amar a Deus» (M. Inês de Jesus, PO 21, pp. 65-67).
[95] P 33, 1. «Poucos seres, como Teresa, terão vivido a sua existência como uma antecipação da glória» (B. Bro, o. c., p. 100).
[96] «A esperança cristã é unção na confiança e segurança de Cristo» (H. U. von Balthasar, La oración contemplativa, Madrid, 1988, p. 118). «A esperança é a tendência para o bem futuro, árduo e difícil, mas possível» (S. Tomás, S. Th., 1 – 2 q. 40 a.1 in corpore; 2 – 2 q. 17a. in corpore).
[97] A esperança é «o amoroso lance» que «dá à caça alcance» (S. João da Cruz, P X, 4). Ninguém como este autor elabora a dialéctica da esperança e da caridade com tanta precisão. Tanto diz que a esperança perfeita alcança o amor perfeito – «quanto mais espera de Deus mais alcança» (3 S 7, 2) – como a caridade perfeita possui a esperança perfeita: «nem tem esperança noutra coisa senão em Deus» (CB 28, 4). «A esperança não é outra coisa que a fé em devir, ou o que é o mesmo, o amor em busca do seu crescimento» (G. Morel, Le sens de l’existence selon saint Jean de la Croix, II, Paris, 1960, p. 268).
[98] «Então o meu Céu não era outro senão o Amor» (A 52 v).
[99] B 4 v. «Toda a sua existência é tão transcendente que já agora parece viver mais no céu que na terra e, no entanto, não quer partir; pelo contrário, quer antes voltar do Céu. Como passou a sua terra no céu, assim passará o seu céu na terra. O amor é um movimento circular entre o céu e a terra. Como Teresa quer voltar à terra com o céu cheio, assim também quer apresentar-se diante do Deus do céu com a terra cheia» (H. U. von Balthasar, Historia, p. 75).
[100] Or 6.
[101] UC 17.7.
[102] UC 13.7.17.
[103] «Oh, amo-o!… Meu Deus… eu vos amo!…» (UC 30.9). «Morrer de amor, eis a minha esperança» (P 17, 15). «Na morte termina a esperança e fica a saciedade do amor… no fim da vida a esperança termina transformada em amor» (S. Galilea, o. c., p. 85).
[104] «Oh! é o Amor! Amar, ser amada e voltar à terra para fazer amar o amor…» (UC / G Julho). «Na morte morre toda a forma de egoísmo e de corrupção do amor; na morte, só o desejo de amar continua a viver; só o amor com que vivemos a vida sobrevive e é o único bem que nos acompanha… A grande convicção da esperança cristã é que o amor nunca se perde, mas continua mais além da nossa morte, transformado em graça e salvação para os outros» (S. Galilea, o. c., pp. 85 e 89).
[105] Ct 244. De facto, o conteúdo da esperança cristã é teologal e escatológico, a saber, a felicidade, a herança, o prémio, a vida e o reino eternos… Sem a morte não poderíamos satisfazer a espera mais radical do ser humano, que é viver para sempre» (S. Galilea, o. c., pp. 17; 84). «A minha esperança é de te ver um dia» (P 17, 9). «Podereis esperar vê-lo depois desta vida, não mais como uma criança frágil, mas em todo o brilho da sua glória» (RP 6, 9 r).
[106] J. P. II, TMA, 46. «Temos de estar agradecidos pela união no Reino, que não conhece fronteiras nem limitações, separação nem distância… A esperança na futura claridade é a minha grande alegria» (E. Stein, Ct 310).
[107] A grande originalidade da Bíblia consiste em dar testemunho não tanto da esperança dos homens… mas fundamentalmente da esperança de Deus para nós… Deus espera algo para nós, e, às vezes, contra nós. Deus é a nossa esperança e nós somos a esperança de Deus. A Bíblia é fonte de esperança cristã: «pela constância e consolação que provêem das Escrituras, possuímos a esperança» (Rm 15, 4). O cristão, como o salmista, reza assim: «Na vossa palavra, pus a minha esperança» (Sl 119/118, 114).
[108] A esperança, antes de ser virtude teologal, é uma das quatro paixões da alma do homem, no dizer de S. Tomás, e, enquanto dimensão do apetecer humano, entra dentro da vertente volitiva (S. Tomás, Summa Theologica., I-II, q. 40, a. 1-2). Na linha desta antropologia escolástica, S. João da Cruz afirma a esperança como dinamismo passional do homem (1 S 13, 5; 2 S 21, 8; 3 S 3, 3; 16, 2; CB 20, 4; 26, 19; 28, 4; D 161).
[109] Para S. João da Cruz a memória não é um puro arquivo de acontecimentos passados. A tarefa de armazenar imagens e vivências encomenda-se antes à fantasia ou ao sentido comum da alma. A função da memória é recordar, representar, actualizar, reviver. É uma tarefa eminentemente activa e com graves repercussões nos processos da vida espiritual. Agora compreendemos o contexto da esperança, que trabalha no modo de recordar da memória e não directamente na simples conservação de imagens na fantasia» (F. Ruiz, Místico y Maestro San Juan de la Cruz, Madrid, 1986, p. 186). O Santo, no capítulo da memória, segue mais de perto a tradição agostiniana da memoria Dei et memoria aeternitatis do que a aristotélica e escolástica, sobretudo a de S. Tomás de Aquino. Pela memória, o homem descobre o seu fundo ontológico de «imagem de Deus» (1 S 8, 2).
[110] «Esperar pacientemente na expectativa é o fundamento da vida espiritual» (Simone Weil, First and Last Notebooks, Nova Iorque, Oxford, 1970, p. 99). E comenta um autor: «A via espiritual é, em primeiro lugar, uma espera paciente, ou seja, uma espera em sofrimento (patior = sofrer), durante a qual as inúmeras experiências de irrealização nos recordam a ausência de Deus. Mas é também uma espera na expectativa que nos permite reconhecer os primeiros sinais da vinda de Deus ao centro do nosso sofrimento» (Henri J. M. Nouwen, Crescer. Os três movimentos da vida espiritual, Paulinas, Lisboa, 2001, p. 159).
[111] «A esperança é a mesma coisa que a reminiscência», isto é, como memória do passado, mas aberta ao futuro» (P. Ricoeur). «A esperança é a memória do futuro», já presente, mas ainda não totalmente manifestado (G. Marcel). Neste sentido, a esperança cristã é o «memorial do Senhor», o anúncio da sua morte, a proclamação da sua ressurreição e a esperança da sua vinda. O mistério da esperança é um mistério pascal. Cristo é, não só o fundamento da esperança cristã, mas também o caminho da esperança cristã (Fl 2, 6-11).
[112] 2 N 4, 2.
[113] CH 2, 34. Pela memória o homem, sob o efeito da comunicação de Deus, antecipa a glória futura: «embeste… na minha memória com divina possessão de glória» (CB 19, 5).
[114] F. Ruiz, Místico, pp. 179 – 190. «O gemido é anexo à esperança» (CB 1, 14). O amor impaciente espera pela posse de Deus com intensa cobiça (CH 3, 22), ainda que seja necessária a paciência para esperar (1 N 5, 3). Mesmo nos estádios superiores da esperança, mantém-se a insatisfação do vazio anelante (CH 1, 27) e, por vezes, pode ser tão intenso o levantamento às coisas da vida eterna que tudo de aqui parece morrer (2 N 21, 6), «vivendo só… esperando ali tudo» (Ct 19). Contudo, é uma esperança imediatamente activa no «aqui e no agora»: «com que dilações esperas, pois, desde já podes amar a Deus em teu coração» (D 26). Teresa recebeu a teologia da esperança de S. João da Cruz, viveu-a com perfeição, e deu-no-la adaptada pela sua graça e génio» (C. Niqueux, a. c., p. 256). «Os místicos aprenderam a contemplar a Deus no seu presente e souberam desprender-se do passado e do futuro e a encontrar a Deus no agora» (S. Galilea, o. c., pp. 66 -67). Confirma-o a «esperança operante e gozosa de S. João da Cruz: «folgarei, porque não tardarás, se eu espero» (D 29). Só assim se move a história e o mundo: «deveis esperar e acelerar a vinda do dia do Senhor» (2 P 3, 12). Foi com o «escândalo» da esperança activa das «obras» humanas que Jesus evangelizou os pobres na esperança passiva das «obras» divinas (Mt 11, 2 – 6). «Só tem direito a esperar o impossível quem se compromete a fundo em realizar o possível» (J. L. Ruiz de la Peña, a. c., p. 104).
[115] «Já sabe, filha, os trabalhos que agora se padecem. Deus permite-os para prova de seus escolhidos. Em silêncio e esperança será a nossa fortaleza» (Ct 30).
[116] «Tal é a obra que nela faz esta noite encobridora das esperanças da luz do dia» (2 N 9, 8). «Na contemplação escura decresce, até desaparecer de todo, a esperança da plenitude da união com Deus» (H. M. E – Lassalle, La meditación, camino para la experiencia de Dios, Santander, 1981, p. 44). Contudo, Deus guarda-nos quando dormimos: «Jesus menino continua a dormir docemente… Ele espera que as sombras declinem… que a noite da vida seja substituída pelo radioso dia da eternidade» (Ct 156). «Yo post tenebras spero lucem» (M. Cervantes, D. Quijote de la Mancha, cap. 68).
[117] 2 S 6, 1-2.
[118] Olegario González de Cardedal, «Memoria, misterio y mística en San Juan de la Cruz», em Actas del Congreso Internacional Sanjuanista, Ávila, 1991, pp. 447. 448. «A memória exprime e testemunha a índole ao mesmo tempo temporária e supratemporal da realidade humana» (P. Laín Entralgo, La espera y la esperanza, Madrid, 1984, 115-131 (Memoria y esperanza: San Juan de la Cruz), p. 125).
[119] «Não é preciso ser mais realista que o Rei» (Ct 221). Para Teresa, «o momento presente» é «lugar teológico» de encontro com Deus: «Jesus não me quer dar provisões, alimenta-me a cada instante com alimento sempre novo» (A 76 r). «A cada instante, Ele me guia e inspira o que devo dizer ou fazer» (A 83 v). Ela santificou o momento presente: «Quero pensar apenas no momento presente» (UC 23.8.3). «Um instante é um tesouro» (Ct 89). Para ela «o tempo é dinheiro», isto é, deve ser aproveitado, mesmo o «tempo livre», para o exercício do deixar-se amar e do amar o Senhor do tempo.
[120] Para ela, «o passado está passado para sempre… está na eternidade… não voltará mais» (Ct 101).
[121] No seu maduro olhar sobre o passado, sente o mistério da sua vocação como consciência e convicção de ser amada por Jesus (A 2 r), o condutor misericordioso da sua vida (A 3 v). «Oh! nem sempre sou fiel, mas não desanimo nunca, abandono-me nos braços de Jesus» (Ct 143). Porque confia em Deus, não se «desencoraja» das suas faltas (UC 15.8.6). É Jesus quem lhe dá «coragem» em cada momento (UC 15.8.6). «Era inabalável ao desânimo» (PA, 1066). Era bem filha da «determinada» Teresa de Jesus, cujo «ânimo não desfalecia, nem a esperança» (Fund. 2, 6).
[122] Ct 100.
[123] «Que me importa, Senhor se o futuro é sombra?» (P 5, 3). Não só «não conhece o futuro» (Ct 100; 220), como «não se inquieta nada com ele» (Ct 166; 221). «Visto que me esforço por ser uma criança bem pequena, não tenho preparativos a fazer. Jesus deverá pagar Ele mesmo todas as despesas da viagem e o preço da entrada no Céu» (Ct 191). «Confia-lhe o futuro… é preciso abandonar o futuro nas mãos do Bom Deus» (RP 1, 14 v. 17 r).
[124] A medicina contra o desespero é viver o instante presente: «A mensagem de Teresa, puro eco do Evangelho de Jesus Cristo, é para a nossa época, o antídoto mais urgente contra o desespero» (G. Gaucher, prefácio ao livro de Sankale L., Thérèse dis-nous ton secret, Fayard, Lisieux, 1992).
[125] «Creio que fiz o que Deus queria de mim, agora só me resta rezar» (Ct 36).
[126] C 6 r.
[127] UC 19.8.10. «Eu, não sofro senão no momento presente» (UC / MSC 20.8).
[128] P 5, 1. «A esperança, que é de coisas futuras, só a podemos viver no presente… A qualidade com que vivemos o presente mede-se pelo amor de cada instante, o que requer a purificação da memória, vivendo com plenitude o presente, em vista do futuro» (S. Galilea, o. c., pp. 66. 72.55). Teresa soube a arte de viver o presente como «comunhão de amor com Deus» (Rm 8, 39), força invisível da sua «spes contra spem» (Rm 4, 18), do seu esperar «o impossível para as possibilidades do homem, mas possível para a potencialidade de Deus (Mc 10, 27). Verdade é que «se não se espera, não se dará com o inesperado» (Heráclito).
[129] UC 6.8.8.
[130] «Meu Deus… espero em vós» (Or 5).
[131] Ct 245.
[132] B 5 v. É bem de ver no amor de Jesus o fundamento da esperança-confiança de Teresa: «Aguardo a vossa resposta com uma grande confiança» (Ct 38 B); «Aguardo sempre com confiança o sim do Menino Jesus» (Ct 39). Mas Teresa passa também da esperança à confiança: «O que lhe agrada… é a esperança cega que tenho na sua misericórdia… É a confiança e só a confiança que nos deve conduzir ao Amor» (Ct 197). Porque se dirige a um Deus de misericórdia, esta esperança torna-se confiança no poder, na fidelidade e na familiaridade de Deus: «O carácter amoroso da sua esperança leva-a a chamá-la de confiança e a ter-se diante de Deus como um filho ante seu pai» (C. Meester, Dynamique, p. 498). «Quando nos seus últimos anos usa os termos «esperar-espera-esperança» é preciso subentender estas qualidades implícitas» (Ibid., p. 436). «A confiança é o que mais agrada a Jesus. Se confiamos no coração de um amigo que nos ama, como não confiar no coração de um Deus, onde reside a bondade infinita, da qual a bondade das criaturas é uma pálida sombra? Desconfiar do coração de um Deus que se fez homem, que morreu como malfeitor numa cruz, que diariamente se dá em alimento às nossas almas para se fazer uno com suas criaturas, não é um crime?» (Teresa dos Andes, Ct 143).
[133] C. Meester, Dynamique, p. 498. «A fé que eu mais amo, diz Deus, é a esperança… É preciso ter confiança em Deus, meu filho, ele teve muita confiança em nós. Ele fez-nos esta confiança de nos dar, de nos confiar o seu Filho único» (C. Péguy, Le Porche, pp. 16;129 – 130). «O que ofende Jesus, o que lhe fere o coração é a falta de confiança» (Ct 92). «Esperar com confiança» é «uma esperança corroborada» (S. Tomás, S. Th., 2.2, 129.6; 1.2, 40,2). «Oh não, espero ainda a libertação… as minhas vozes prometeram-ma! São Miguel, é em vós que ponho a minha confiança» (RP 3, 17 r). «Teresa ajuda a compreender que o mais belo presente de amor que podemos fazer a Deus é a confiança, nascida da fé e da esperança… Ela sabe que toda a possibilidade de ofertório é um presente que Deus nos faz… ele que nos mendiga a confiança… Teresa oferecerá à Santíssima Trindade, as suas mãos vazias talvez, mas cheias do mais belo fruto do seu amor: a sua confiança» (B. Bro, o. c., pp. 231 – 232). «A confiança teresiana é uma síntese de toda a vida teologal: brota da fé na bondade de Deus, corre pelo rio da esperança e desemboca no Amor, com quem se quer unir mais intensamente» (C. Meester, Les mains, p. 180).
[134] P 36, 4. Estamos ante «o circuito sagrado» (S. Ambrósio) das «virtudes teologais que andam em uno» (S. João da Cruz, 2 S 24, 8): a caridade, infusa pelo E. Santo (Rm 5, 5), aumenta a esperança da caridade perfeita (CB 9, 7), pois, «a caridade tudo espera» (1 Co 13, 7); por outro lado, só a confiança nos deve conduzir ao amor (Ct 197): «o meu caminho é todo de confiança e amor» (Ct 226). «Onde está, no pensamento de Teresa de Lisieux, o centro da sua «pequena doutrina»? Pelo que nos toca, não hesitamos em responder, na confiança… é a força propulsora da «pequena via» (C. Meester, Dynamique, pp. 378 – 379). «O abandono é o fruto do amor» (P 52, 3): é «o meu céu na terra» (P 32, 4), «a minha bússola» (C 11 r). Leva à perfeição do amor: «Jesus compraz-se em mostrar-me o único caminho que conduz a esta fornalha Divina, este caminho é o abandono da criancinha… Jesus só pede o abandono e o reconhecimento» (B 1 r). Por isso, «a avezinha… com audacioso abandono permanecerá olhando fixamente para o seu Divino Sol» (B 4 v). «Em S. Teresa do M. Jesus, o abandono prende-se manifestamente à linha da esperança, mas sob o impulso directo do amor…O abandono é «formalmente» o acto supremo da virtude da esperança e tem o seu coroamento no amor» (M. M. Philipon, S. Teresinha de Lisieux. Um caminho todo novo, 2ª ed., Rio de Janeiro, 1958, pp. 123 – 124). «O abandono resume toda a sua doutrina, porque exige que se viva como uma criança pobre e necessitada, mas certa de ser amada por um Pai infinitamente misericordioso… O coração da mensagem teresiana é a fé no Amor Misericordioso, e o caminho que nos leva a esse coração é a via da infância espiritual, que se vive de um modo privilegiado no movimento do abandono» (J. Lafrance, o. c., pp. 98 – 99).
[135] S. João da Cruz, Rom 5, 171.
[136] J. van der Ploeg, L’Espérance dans l’Ancien Testament, em Revue biblique, 61 (1954), p. 494.
[137] Sl 129 (130), 1. Ou ainda: «Espero vir a contemplar a bondade do Senhor na terra dos vivos / Confia no Senhor, sê forte / tem coragem e confia no Senhor» (Sl 26 (27), 13 – 14).
[138] C 3 r.
[139] UC 7.8.4.
[140] C 36 v. «Para Teresa, a única alavanca da Igreja é o amor: «Compreendi que só o Amor era quem fazia agir os membros da Igreja» (B 3 v). É o amor que os santos praticam em todas as épocas da história (J. F. Six, Una Luz en la Noche. Los 18 últimos meses de Teresa de Lisuex, Madrid, 1996, p. 198).
[141] Papa Francisco Bula Spes non confundit, n.19.
[142] C 3 r. «A sua impossibilidade humana de realizar por si a sua própria santificação é condição da possibilidade de esperar de Deus a sua santificação com o seu consentimento e cooperação, pois, «esperar em cristão é operar» (J. L. R. de la Peña, a. c., p. 102) e «não se deixar cair na «tentação do desespero», como abandono da luta pela vitória… como não-espera no Amor misericordioso» (J. Lafrance, o. c., pp. 143; 151).
[143] S. João da Cruz, S pról. 4.
[144] C 3 v.
[145] B 1 v. Ainda o Sl 131 (130), 2.
[146] «Os que esperam no Senhor hão-de possuir a terra» (Sl 37 (36), 9). Sobre esta espiritualidade dos pobres (A. Gelin, Os pobres que Deus ama, Lisboa, 1970, pp. 47 – 71).
[147] Cf. Sl 9, 13; 10, 17. «Quanto mais pobre fores, mais Jesus te amará» (Ct 211).
[148] «O pobre clamou, o Senhor o ouviu» (Sl 34 (33),7).
[149] «O Senhor coroa os humildes com a vitória» (Sl 149, 4).
[150] A 84 v.
[151] S. Marie de la Trinité, o. c., pp. 110 – 111. Teresa, que sofreu e venceu, quer a prova da esperança, quer a tentação contra a esperança, está bem equipada, com experiência e doutrina, para exercer um magistério doutoral sobre o mistério da esperança cristã. Assim aos que, como a sua noviça, são tentados contra a esperança e desanimam e não tentam sequer levantar o pé, incita-os a continuar no esforço inútil de o levantar sempre, crendo e esperando que o Amor Misericordioso nos espera no fim dos nossos esforços difíceis e nos virá ajudar com a graça de O amar e o espírito do sacrifício fraterno (J. Lafrance, o. c., pp. 154 – 156).
[152] S. Teresa de Jesus, CV 16, 1. Esta esperança activa-passiva é o segredo do seu coração: «Oh! Paulina, se pudesses ler no meu coração, poderias ver nele uma grande confiança; creio que fiz o que o bom Deus queria de mim, agora só me resta orar» (Ct 36).
[153] P 36, 3.
[154] A educação que recebeu na catequese familiar fê-la saber demasiado cedo dos mistérios da morte e da vida (A 4 v).
[155] «Se acumulou tanto amor junto de mim, também colocou muito dentro do meu coraçãozinho» (A 4 v).
[156] «Diz depressa ao Papá que rasguei o papel». «Deixa-se ficar como criminoso que espera a sentença, mas convencida na sua ideiazinha que se ela mesma se acusa lhe perdoarão mais facilmente» (A 5 v). «É curioso vê-la correr atrás de mim para se acusar: Mamã, empurrei a Celina uma só vez, bati-lhe uma vez, mas não voltarei a repetir» (A 7 r). «Sou obrigada a corrigir o pobre bebé que se põe em fúrias terríveis, quando as coisas não correm a seu gosto, rebola-se no chão como uma desesperada julgando que tudo está perdido» (A 8 r). Parece-nos ver já a génese do arco do triunfo da sua esperança, que vai do extremo do desespero da perdição ao extremo da espera da salvação para todos. Ela não subscreveria nunca nenhum remédio desesperado contra a angústia vital e existencial, a «doença mortal» do «desespero», como «impossibilidade de morrer», na linha apresentada por S. Kierkegaard, no seu Tratado do desespero humano ( Porto, 1979, pp. 43 – 44), porque o amor familiar preservou do desespero o seu coração de criança: «A espiritualidade paradisíaca permitiu-lhe evitar o desespero após a morte de sua mãe» (M. D. Molinié, o. c., pp. 60 – 61). «O desespero é a recusa do infinito e a asfixia no finito… Mas o homem, enquanto vive no tempo e no espaço, não é capaz de um desespero absoluto» (R. Panikkar, A Trindade – Um experiência humana primordial, Editorial Notícias, Lisboa, 1999, p. 90).
[157] A 10 r – 11 v.
[158] A 27 v.
[159] A 20 v.
[160] A 25 r. «Teresa é uma profunda impaciente… Quer tudo imediatamente. Suporta mal a espera… Como se Cristo fosse tão impaciente como Teresa em esperar a união com a sua esposa» (F. Ouellette, Je serai l’amour. Trajets avec Thérése de Lisieux, Fides, Paris, 1996, pp. 97;105).
[161] A 25 v.
[162] «Etimologicamente, a paciência é a capacidade de sofrer; ou, melhor dito, ela é capacidade de esperar, serenamente, que o sofrimento passe. Na perspectiva cristã, é exercício de esperança. Mesmo que prolongada, a dor nunca é definitiva: é passagem a dias melhores e á ressurreição, essa, sim, definitiva» (Luís Rocha e Melo, Se tu soubesses o dom de Deus. Ensaio sobre a oração, A. O., Braga, 1999, p. 105).
[163] A 26 v.
[164] A 27 r.
[165] A 41 v.
[166] A 28 r.
[167] A 29 v. Aos 11 anos escrevia ao P. Pichon, dizendo-lhe que em breve seria carmelita (A 34 v). Ao ver Paulina, já esposa de Jesus, afirmava que esperava reunir-se a ela em breve e a seu lado aguardar o Céu (A 35 v). É «totalmente mariana» a esperança do Carmelo da terra para nele esperar o Carmelo do Céu: «Esperando o feliz momento de retirar-se para a sua montanha, Teresinha crescia no amor de sua Mãe do Céu» (A 40 r).
[168] A 30 r. A primeira intervenção salvífica do Senhor na vida de Teresa, deu-se aos 10 anos durante a sua doença psicossomática: em situação quase de desespero é curada pela intervenção inesperada de Maria e a frágil “florzinha ia renascer para a vida” (A 30 v). A segunda deu-se pelos 14 anos, quando foi curada da sua hipersensibilidade (A 44 v – 45 v). A terceira deu-se no Carmelo, quando, depois de reconhecer a sua imperfeição (A 31 r), descobriu a “pequena via” para a santidade (C 2 v – 3 r).
[169] A 44 r. «Disse-me um dia que lhe havia impressionada, desde criança, este versículo de Job: “Ainda que Deus me matasse, continuaria a esperar n’Ele” (Job 13, 15). Os escrúpulos chegaram a paralisar estes ímpetos. Mais tarde no Carmelo, durante os primeiros anos da sua vida religiosa, sofreu inquietações interiores, devidas, em parte, ao que tinha ouvido dizer em certas instruções espirituais: que era muito fácil ofender a Deus e perder a pureza de consciência. Isto era causa de tortura para a Serva de Deus. o pregador do retiro de 1891 devolveu-lhe a paz (A 80 v). A partir deste retiro, entregou-se toda inteira à confiança em Deus. Buscou nos Livros Sagrados a aprovação para a sua audácia. Repetia gozosamente o dito de S. João da Cruz: “Tanto se alcança de Deus quanto se espera” (2 N 21, 8). Dizia também ter encontrado um “ascensor”, isto é, os braços de Jesus, para ir ao céu. Nesse ascensor descansava ela sem medo algum, sem temer em nada os males desta vida» (M. Inês de Jesus, PO 21, p. 67).
[170] A 33 v.
[171] A 39 r.
[172] A 45 v.
[173] A 47 r. Ao auto-aplicar a si Ez 16, 8 – 13 – «Sim, Jesus fez tudo por mim» – admite já realizado em si o «desposório espiritual» que leu em S. João da Cruz (CB 23, 6). «É Jesus quem, ao chegar o momento de ser amada, a escolhe por Esposa e Ele próprio constitui o seu dote» (A. Combes, S. Teresa de Lisieux y su Misión, S. Sebastián, 1957, p. 301). A partir de agora, esta «rainha poderosa» começa verdadeiramente o seu «combate espiritual». A sua «corrida de gigante» é um dom de Deus – «a graça da minha conversão» – , que a faz crescer num instante, dando-lhe não só a audácia inquebrantável de esperar e confiar sempre na acção poderosa do amor de Deus, mas também «a coragem de agir» sempre com «grande esforço» (UC 8.8.3). Ela admite que é na sua fraqueza que a força de Deus forte e poderoso a tornou forte e corajosa. Mostra, assim, o poder da esperança sobre o Coração de Deus, como o poder de Deus lhe mostra o poder da sua esperança. A comunhão do Amor foi a fonte energética que alimentou a força da sua esperança: «A obra que eu não pudera realizar em 10 anos, realizou-a Jesus num momento contentando-se com a boa vontade que nunca me tinha faltado» (A 45 v). Uma vez recuperada «a força de alma», que tinha perdido, começou o terceiro período da sua vida, o mais cheio de graças do Céu, em que a sua esperança é movida pelo Amor e se move para o Amor: «Desde então, nunca fui vencida em combate nenhum, mas, pelo contrário, caminhei de vitória em vitória» (A 45 r). É o início da sua «invencível esperança», cujo princípio não está na razão (G. Bernanos, Lettre aux Anglais, Seuil, Paris, 1984, p. 62), mas no seu coração, necessitado dum coração ardente de ternura, o Coração de Jesus, sua «única esperança» (P 23, 6). Já é uma «alma apostólica»: «Fez de mim um pescador de almas…» (A 45 v). «No Natal de 1886, ela recebe “a graça de sair da infância”. Como se pode dizer, e a madre Inês a primeira, desenvolver a partir de Teresa uma espiritualidade infantil centrada sobre a “infância espiritual”, termo que Teresa nunca usou, quando ela mesma vê a saída da infância como uma “graça”? No Natal de 1886, justamente depois de Ter recebido, na Eucaristia, “o Deus forte e poderoso”, que, dirá ela numa carta de 1 de Novembro de 1896, a “revestiu com a sua força divina” e “armada para a guerra”, reencontra “a força de alma” que tinha perdido; tornou-se “corajosa”: “Depois desta noite bendita, diz ela, não fui vencida em nenhum combate, mas, pelo contrário, caminhei de vitória em vitória”» (J – F Six, o. c., p. 41).
[174] Refere-se à Virgem Maria (UC 21.8.3).
[175] Deus é «mais terno do que uma mãe» (A 80 v).
[176] A 45 v. O amor de Teresa leva em si a esperança da fecundidade da sua caridade, que não pode aceitar a morte eterna de um irmão e «quer a todo o custo impedi-lo de cair no inferno». «O seu amor é já maternal: recebe o sangue de Jesus para o dar aos irmãos em maior perigo de perdição eterna, os grandes pecadores, que estão às portas do inferno, a fim de os «arrancar às chamas eternas» e «dá-los a Jesus» (C. Niqueux, a. c., p. 266). Já nos seus «transportes de amor» estava disposta a descer ao inferno a fim de que Jesus fosse ali amado eternamente (A 52 r). «Só o santo, num abandono total, pode querer expiar no “inferno”, e sobretudo para mesmo aí testemunhar em favor do amor de Deus. Se o seu desejo se pudesse realizar, seria uma outra maneira de abolir o inferno» (F. Ouellette, o. c., p. 377).
[177]A 46 r. A esperança de Teresa começa a ser uma «esperança maternal» pelos «pecadores», aparentemente desesperados, como é o caso de Pranzini, em que «tudo levava a crer que morreria na impenitência». Ao designar Pranzini, como o «seu primeiro filho», Teresa está a revelar o carácter maternal do amor que a anima» (C. Niqueux, a. c., p. 266). «Com a força da sua esperança, Teresa obtém de Jesus a salvação de Pranzini, recebeu de Jesus Salvador e Esposo o seu «primeiro filho»» (F. M. Léthel, Sperare per tutti. Teresa di Lisieux e Charles Péguy, em RVS 48 (1994), p.450). Não admira que, mais tarde, apresente assim a sua vocação: «ser tua esposa, ó Jesus, ser carmelita, ser pela união contigo a mãe das almas» (B 2 v). «Esta criança feita mulher vê-se já esposa e mãe, esposa de Cristo, gerando com Ele almas para o Amor» (J. F. Six, o. c., p. 44).
[178] Ao Senhor «queria dar de beber» e, ao irmão pecador, «quis a todo o custo impedi-lo de cair no inferno». «Ah! se no momento da minha morte pudesse ter uma alma para oferecer a Jesus, como seria feliz! Teria uma alma que seria arrancada ao fogo do inferno e que bendiria a Deus durante toda a eternidade» (Ct 43 B).
[179] «Este profundo conhecimento da Misericórdia, que Teresa já recebera antes de entrar no Carmelo, é o fundamento da esperança de Teresa, uma esperança inaudita, sem limite, esperança para os outros, esperança para todos» (F. M. Léthel, «Teresa de Lisieux como Teóloga según la “Positio” de su Doctorado», no Congresso Internacional “Teresa de Lisieux. Profeta de Dios. Doctora de la Iglesia”, Salamanca, 3 / 12 / 1998, p. 6).
[180] A 46 r.
[181] «A fim de o conseguir empreguei todos os meios imagináveis… todos os méritos infinitos de N. Senhor, os tesouros da Santa Igreja, uma missa, a sua oração e de Celina para implorar o perdão do culpado» (A 46 r). A confiança de Teresa é essencialmente esperança teologal vivida como «confiança audaciosa de tornar-se uma grande Santa» (A 32 r) e como certeza da salvação eterna do mais desesperado, fundada apenas na «misericórdia infinita de Jesus» (A 46 r). De facto, «Deus quer que todos os homens sejam salvos» (1 Tm 2, 4). Esperar por todos é a força da Comunhão dos Santos: «Pressuposta a união afectiva com os outros, pode-se desejar e esperar algo por eles como por si mesmo. Em tal sentido, pode-se esperar para os outros a vida eterna, enquanto se está unido a eles no amor» (S. Tomás, S.Th., II – II, q. 17, a. 3). «Teresa «defendeu uma esperança sem limite para todo o homem: a misericórdia de Deus não é maior que a sua justiça, se nela fazemos acto de esperança?» (J. Elluin, Quel enfer? , Cerf, Paris, 1994, citado por F. Ouellette, o. c., p. 376). «Esta esperança sem limites não é somente permitida aos cristãos: ela impõe-se a eles» (H. Verweyen, citado por H. U. von Balthasar, L’Enfer, une question, DDB, Paris, 1988, p. 60). O relato da salvação de Pranzini é um dos principais textos teresianos sobre a esperança, na sua relação com a fé e a caridade. Teresa viveu a tensão entre a fé, que afirma o inferno, a morte eterna, a condenação (LG 16), e a caridade, que recusa que um só irmão caia neste abismo (Or 2) – «quis a todo o custo impedi-lo de cair no Inferno» (A 45 v) –, ultrapassada pela esperança da salvação eterna para si e para todos os homens (H. U. von Balthasar, Espérer pour tous, Paris, DDB, 1987). «Com o caso aparentemente mais desesperado, o de Pranzini, Jesus fundou a “esperança por todos” em Teresa, que é um dos maiores testemunhas da esperança sem limites, que consiste em “esperar por todos”, sem nunca ser limitado por qualquer forma de desespero, nem para si, nem para ninguém» (F. M. Léthel, L’Amour de Jésus, p. 146).
[182]A 46 r. Esta esperança certa, que recebe o que espera, não confunde (Rm 5, 5). Embora aparentemente perdido, esta esperança dá-lhe a certeza da sua salvação, mesmo que não se confessasse nem desse sinais de arrependimento. «Pessoalmemte nunca encontrei em nenhum outro santo uma expressão tão radical da esperança (por um outro, tão aparentemente desesperado). Este é para mim o ensinamento mais forte e, direi, quase fundamental de Teresa: esperar com certeza a salvação do irmão pecador, ainda que morra sem confissão e sem sinal de arrependimento» (F. M. Léthel, Sperare per tutti, pp. 448 – 449).
[183] «Não fora perante as chagas de Jesus, ao ver o sangue Divino correr que a sede de almas tinha penetrado no meu coração?» (A 46 v).
[184] «A esperança cristã exige o abandono radical ao amor misericordioso de Deus como única garantia e, ao mesmo tempo, reconhecimento da nossa absoluta incapacidade para alcançar a salvação» (J. Alfaro, Esperanza cristiana y liberación del hombre, Herder, Barcelona, 1972, p. 41.
[185] S. Tomás, S. Th., II – II, q. 1, a. 3, ad. 1.
[186] «Ardia no desejo de as arrancar às chamas eternas… Queria dar-lhes a beber este sangue imaculado que as devia purificar das suas manchas» (A 45 v – 46 v). «Sentiu e exprimiu com intensidade excepcional o peso infinito da Misericórdia exercendo-se sobre todos os pecadores, a ponto de não admitir que se possa ser condenado a não ser pelo pecado de orgulho que resiste à Misericórdia» (M. D. Molinié, o. c., p. 126). «É o orgulho que impede ser pequeno e esperar sem limites. A pequenez comporta a vitória da esperança sobre o desespero. O combate da esperança joga-se entre o orgulho e o espírito de infância» (Ibid., p. 149). «O desespero é o supremo grau do amor próprio (…). O desespero é o desenvolvimento máximo de uma orgulho tão grande, tão obstinado, que prefere a absoluta miséria da danação a aceitar a felicidade das mãos de Deus, e implicitamente, reconhecer que Ele está acima de nós e que não somos capazes, por nós próprios de cumprir os nossos destinos. Mas um homem que é verdadeiramente humilde não pode desesperar, porque no homem humilde já não existe nada que se assemelhe à piedade por si próprio» (T. Merton, Sementes de Contemplação, Livraria Tavares Martins, Porto, 1960, pp. 159-160).
[187]A 45 v. Ao chamar-lhe de «graça única», realça o seu aspecto «fontal», isto é, o início de um «admirabile commercium» «in crescendum» entre esposo e esposa, «verdadeira troca de amor» entre Jesus e Teresa. Ele dá-lhe, não só «o primeiro filho», mas «todos os seus filhos». Ela, como esposa, ama-O, «dá-lhe de beber», oferecendo-lhe as almas dessedentadas pelo seu orvalho Divino»; como mãe, ama os seus filhos, dando-lhes a vida: «às almas dava eu o sangue de Jesus». Para S. João da Cruz, «um amor acende outro amor» (CB 13 – 13, 12). Para Teresa, uma sede alimenta outra sede: «quanto mais eu lhe dava de beber, mais aumentava a sede da minha pobre pequena alma». Para ele, «os bens não vão do homem a Deus, mas vêm de Deus ao homem» (2 N 16, 5). Para ela, de modo igual: «era esta sede ardente que Ele me dava como a mais deliciosa bebida do seu amor». Parece que a sua vida teologal se reduz quase só à caridade: «a dúvida não era possível, a Fé e a Esperança já não eram necessárias, o amor fazía-nos encontrar na terra Aquele que procurávamos» (A 48 r).
[188] «Por uma graça fielmente recebida, concedia-me multidão de outras… Dava-se a si mesmo na S.da Comunhão com mais frequência do que eu ousara esperar» (A 47 v – 48 v). «Sentia no meu coração ímpetos até então desconhecidos, tinha por vezes verdadeiros transportes de amor» (A 52 r).
[189] «O Sr. P. Superior do Carmelo não consentia na minha entrada antes da idade de 21 anos» (A 52 r). «Antes de ver abrirem-se diante de mim as portas da prisão bendita pela qual tanto suspirava, tinha ainda que lutar e sofrer» (A 67 r).
[190] A 62 v.
[191] A 66 r. «Era desse dia – encontro com Leão XIII – que dependia a minha vocação… a única tábua de salvação era a licença do S.to Padre» (A 62 r). «Tenho uma grande confiança nele que não poderá abandonar-me, ponho tudo nas suas mãos» (Ct 32). «Uma palavra do Papa, não pedia mais» (Ct 35). «Tinha feito tudo o que dependia de mim, tudo, até falar ao S.to Padre» (A 67 r).
[192] A 64 v. Quando nada convida a esperar ou tudo convida a desesperar, então, espera-se conta a esperança. «A confiança era tão grande que não deixava de esperar que me fosse permitido entrar a 25 de Dezembro… Abandonei-me completamente» (A 67 r).
[193] «Acabara de experimentar que mais vale recorrer a Ele do que aos santos» (A 66 r). «Muito convencida de que a resposta não se faria esperar, todas as manhãs depois da missa ia ao correio com o Papá, julgando encontar lá a permissão para levantar voo, mas cada manhã trazia nova decepção que apesar der tudo, não me abalava a fé» (A 67 r).
[194] «Pedia a Jesus que me quebrasse os laços. Ele quebrou-os, mas de maneira muito diferente da que eu esperava… fazendo-me esperar três meses… tempo de espera que me deixou doces recordações, porque me fez crescer bastante no abandono» (A 67 r). Nesta espera do sim do Menino Jesus – a resposta do Bispo – para ela entrar no Carmelo a 25 de Dezembro, confidencia o «crescendum» da sua esperança: «quanto mais o tempo avança, mais eu espero» (Ct 39).
[195] A 71 r.
[196] A 69 r.
[197] A 72 r.
[198] A 72 v.
[199] A 73 v.
[200] A 74 v. Ante o adiamento da sua profissão religiosa, sabendo-se já não sua, mas de Jesus, exclama: «Ele cansar-se-á mais depressa de me fazer esperar que eu de esperá-Lo!…» (Ct 103). E, no próprio dia da sua profissão, espera o dia das núpcias eternas: « para nós é o dia que esperamos» (Ct 117).
[201] Or 2.
[202] A 78 r.
[203] «Disse-lhe um dia: «Ó minha Madre! vós não ireis para o purgatório!..» – «Assim o espero», respondeu com doçura… Ah! seguramente que Deus não podia enganar uma esperança tão cheia de humildade» (A 78 v).
[204] A 79 v.
[205] «Sou de natureza tal que o temor me faz recuar; com o amor não avanço apenas mas voo…» (A 80 v).
[206] «Disse-me que as minhas faltas não contristavam a Deus, que estando em seu lugar, me afirmava da sua parte, que Ele estava muito contente comigo… Oh! quanto me senti feliz ao ouvir estas consoladoras palavras!… Nunca tinha ouvido dizer que as faltas podiam não contristar a Deus, esta garantia encheu-me de alegria, fez-me suportar pacientemente o exílio da vida» (A 80 v). «Parece-me que se todas as criaturas tivessem as mesmas graças que eu, Deus não seria temido por ninguém, mas amado até à loucura, e que pelo amor, e não a tremer, nunca uma alma consentiria em causar-lhe pena» (A 83 v).
[207] «Pensava nas almas que se oferecem como vítimas à Justiça de Deus a fim de desviar e atrair sobre elas os castigos reservados aos pecadores; este oferecimento parecia-me grande e generoso, mas estava longe de ma sentir levada a fazê-lo… Que doce alegria pensar que Deus é Justo… De que poderei ter medo?…» (A 84 r). «Não posso temer o purgatório…» (A 84 v). «Ah! o Senhor é tão bom para mim que me é impossível temê-lo» (C 31 r). Ajudou o P. Roulland a libertar-se dos seus ressaibos de jansenismo e expôs-lhe o seu pensamento sobre a Justiça de Deus (Ct 226).
[208] «Lançou-me a toda a vela nas ondas da confiança e do amor que tão fortemente me atraíam e para as quais não ousava avançar» (A 80 v). Quando na sua Comunidade «a morte reinava por toda a parte» (A 79 r), o Superior do Carmelo, Delatroëtte, ficou desarmado ante a força desta jovem: «Ela é uma grande esperança para esta Comunidade» (G. Gaucher, Histoire d’une Vie. Thérèse Martin, Cerf, Paris, 1993, p. 128). «A confiança teresiana é uma das mais belas expressões da esperança cristã» (F. M. Léthel, «Teresa de Lisieux como Teologa…», pp. 6-7).
[209] «Não quis que eu tivesse um só desejo que não fosse satisfeito» (A 81r). «Ah! quantas razões não tenho para agradecer a Jesus que soube satisfazer todos os meus desejos» (A 82 v). É bem o testemunho de uma esperança cumulada e realizada!
[210] P 17.
[211] A 83 v. «Para Teresa, é o Deus Amor que se impõe, mas sob a perspectiva do Deus Misericórdia» (F. Girard, Les profondeurs de Dieu: L’Amour qui veut se donner, em Thérèse de l’Enfant-Jésus Docteur de l’Amour, Venasque, 1990, p. 168). Teresa fica fascinada sobretudo pela gratuidade total do Amor que faz Justiça de modo tão Misericordioso: «Teresa refere que possui um conhecimento místico da Divindade sob a luz da sua «Misericórdia infinita», através da qual contempla e adora as outras perfeições Divinas… A «lâmpada de fogo» da Misericórdia (S. João da Cruz, CH 3, 3), caracteriza a luz da Divindade tal como brilha na teologia de Teresa, mas sob o clima e a cor da confiança» (F. – M. Léthel, a. c., p. 142). «Teresa vê a sua missão teológica particular em contemplar todos os atributos de Deus do ponto de vista do seu amor misericordioso, até ao extremo de que aparecem incluidos, sem reserva e não só em parte, neste mesmo amor. A justiça torna-se, então, claramente numa forma do amor» (H. U. von Balthasar, o. c., p. 269). «A maior graça da sua vida é o conhecimento que teve da misericórdia…a grandeza de Teresa deriva do descobrimento da Misericórdia» (P. M. Eugène de l’Enfant-Jésus, Ton amour a grandi avec moi. Un Génie Spirituelle Thérèse de Liseux, Éd. du Carmel, Venasque, 1987, pp.53 – 54).
[212] A 82 v – 83 r. Teresa, iluminada por uma nova consciência – «luzes que nunca antes vira» – do dom da sua abrangente óptica teológica – «a mim concedeu-me a sua Misericórdia infinita e é através dela que contemplo e adoro as outras perfeições Divinas!… Assim todas me parecem envolvidas em amor, mesmo a Justiça (e talvez ainda mais do que qualquer outra) me parece revestida de amor»; sente já poder apropriar-se das palavras de S. João de Cruz para narrar a teologalidade amorosa da sua actual vida – «agora todo o meu exercício é amar» (CB 28) – transfiguradora de toda a sua realidade humana (P XI, 3) num «doce caminho de amor». Não admira que a 9 de Junho de 1896 repita o abandono afectivo: «Já não tenho grandes desejos a não ser o de amar até morrer de amor… a única graça que desejo é que ela (a vida) acabe por amor» (C 7 v).
[213] «O vosso Amor Misericordioso não terá também necessidade delas?… Ó meu Deus, irá o vosso Amor menosprezado ficar em vosso Coração?. Parece-me que se encontrásseis almas que se oferecessem como vítimas de holocausto ao vosso Amor, rápidamente as consumiríeis… quanto mais não desejará o vosso Amor Misericordioso abrasar as almas» (A 84 r).
[214] De facto, a 9 de Junho de 1895, na missa de S. Trindade, ofereceu-se como Vítima de holocausto ao Amor Misericordioso sem fórmula. Pediu licença à M. Inês, e a 11, diante da Virgem do Sorriso, com Celina, ajoelhadas, ofereceram-se «juntas» ao Amor Misericordioso do bom Deus (Or 6). «Oferecer o que nunca ninguém saberá nem verá – «um alfinete apanhado por amor» (Ct 164) – é um gesto de pura esperança» (V. R. Ascuy – E. de la Serna, «Vida teologal y ciencia teologica de Teresa de Lisieux. Aportes a una causa doctoral», em Teresianum, Roma, XLVIII / 1997 / I, p. 12).
[215] «Ó meu Jesus! que seja eu esta vítima feliz, consumi o vosso holocausto pelo fogo do vosso Divino Amor!… Ah! desde este dia feliz, parece-me que o Amor me penetra e me envolve, parece-me que a cada instante este Amor Misericordioso me renova, me purifica a alma» (A 84 r – v).
[216] «Estou certa de que a Misericórdia de Deus a acompanhará sempre… eternamente cantará o cântico sempre novo do Amor» (A 84 v). Já no seu retiro de 1890, pressentia que apenas chegaria à santidade, ao cimo da montanha do amor, depois desta vida (Ct 112). «Quanto mais se avança neste caminho (de perfeição), mais nos julgamos afastados do termo; por isso, agora resigno-me a ver-me sempre imperfeita» (A 74 r). «Deus é um universo em expansão» (C. Meester, Las Manos Vacías, p. 143). «O seu ideal, sem limites, cresce à medida que se aproxima dele… É uma das suas frases psicológica e teológicamente mais ricas» (Id., Dynamique, pp. 407; 434).
[217] B 2 r.
[218] B 2 v.
[219] Refere-se à abundante «ternura e suavidade» com que Jesus conduz a sua pequena alma, tanto pela graça do seu «sonho tão doce», quanto pela «maior graça» da descoberta do dom da sua amorosa vocação eclesial.
[220] Eis o endereço: «(À minha querida Irmã Maria do Sagrado Coração)» (B 2 r). «Minha Irmã Querida, pediste-me que te escrevesse o meu sonho e a “minha pequena doutrina” como lhe chamais» (B 1v).
[221] «Documento de um valor imortal… Carta Magna da sua doutrina sobre a infância espiritual… páginas que pertencem ao que há de mais sublime na história da literatura espiritual» (C. Meester, Las Manos Vacías, pp.114 – 115). «Textos à altura das páginas mais profundas e mais sublimes da literatura cristã» (M. M. Philipon, o. c., p. 50). «Verdadeiro lugar teológico da espiritualidade teresiana» (J. Lafrance, o. c., p. 174).
[222] Inicia e conclui assim a sua carta: «Ó Jesus, meu Bem-amado! quem poderá dizer com que ternura, com que suavidade, conduzis a minha pequena alma» (B 2 r). «Ao escrever-vos, é a Jesus que falo, assim é-me mais fácil exprimir os meus pensamentos» (B 1 v).
[223] Teresa é já, de facto, «uma carta de Cristo, redigida por ele própria e escrita, não com tinta, mas com a caridade do Espírito Santo no seu próprio coração» (2 Co 3, 3). É «a pequena carta», escrita pela M. Inês, e que vai ser lida por Jesus (Ct 231).
[224] «Já exprimi longamente a minha acção de graças e o meu apreço pelo «caminho espiritual» que ela viveu e ofereceu a toda a Igreja» (J. Paulo II, Discurso aos contemplativos, a 2 / 6 / 1980 em Lisieux).
[225] Teresa revelou ao mundo os tesouros do Amor Misericordioso, proposto aos pecadores, fazendo, assim, ressurgir «o essencial do Evangelho que é o essencial da sua mensagem: a paternidade divina e a nossa vida filial» (J. Paulo II, Homilia diante da Basílica de Lisieux, a 2 / 6 / 1980).
[226] «Deixa-me recordar-te hoje, meu único Amor» (B 2 v).
[227] «Hoje, sexto aniversário da nossa união» (B 2 v). Por isso, datou a primeira parte da carta a 8 de Setembro de 1896.
[228] «O Amor escolheu-me para holocausto, a mim, fraca e imperfeita criatura… Não será esta escolha digna do Amor?» (B 3 v).
[229] «Sou apenas uma criança, impotente e fraca, mas é a minha própria fraqueza que me dá a audácia de me oferecer como Vítima ao teu Amor, ó Jesus» (B 3 v).
[230] B 2 v. «Teresa espera a perfeição do seu amor do Outro» (P. Descouvemont, Sainte Thérèse de l´Enfant-Jésus et son Prochain, Paris, 1962, p. 270). «O Ms B é um texto para conhecer a esperança de Teresa em relação com o seu desejo de amar» (C. Niqueux, a. c., p. 246). «O que espera a alma de Teresa é a virtude teologal da caridade, infundida no seu coração pelo E. Santo (Rm 5, 5) e, não tanto, «o E. Santo em pessoa» (A. Combes, Thérèse de Lisieux modèle de vie contemplative, em Ephem. Carm., 13 (1962), pp. 114 – 115).
[231] A Ir. Genoveva diz de Teresa que está «enferma de amor» e sua Ir. Maria diz que «está possuída por Deus» (J. F. Six, a. c., pp. 191 – 193).
[232] S. João da Cruz, CB 11, 11.
[233] «A alma que ama espera o fim da sua obra» (S. João da Cruz, CB 9, 6 – 7). «A esperança de Teresa é uma esperança gerada pela caridade, que «faz esperar e crer mais perfeitamente» (S. Tomás, Quaestio disp. de spe, a 1, ad 1). Teresa quanto mais amava mais esperava com confiança (C. Meester, Dynamique, p. 504). «A esperança ocupa lugar central no encaminhamento espiritual de Teresa e, o seu «pequeno caminho» é, em última instância, um caminho de esperança» (Id., Las Manos Vacías, pp. 136; 144).
[234] «Ser tua esposa, ó Jesus, ser carmelita, ser pela união contigo a mãe das almas… Estes três privilégios são de facto a minha vocação, Carmelita, Esposa e Mãe» (B 2 v).
[235] «Ó Jesus! que respondereis a todas as minhas loucuras?… Procurar qualquer resposta… a resposta era clara, mas não colmava os meus desejos… Continuei a leitura… Finalmente encontrara repouso» (B 3 r – 3 v). É «a pacificação no amor» (C. Meester, Dynamique, pp. 328 – 329).
[236] «Durante a oração estes desejos faziam-me sofrer verdadeiro martírio» (B 3 r). É «o tormento dos desejos incompatíveis… Esta universalidade de desejos excede as possibilidades de um só ser humano» (C. Meester, Dynamique, pp. 324 – 327).
[237] «Sinto a necessidade, o desejo de cumprir por ti Jesus, todas as obras mais heróicas… Como tu, meu Esposo Adorado, quereria ser flagelada e crucificada» (B 2 v- 3 r). «As acções de todos os santos, quereria tê-las realizado todas por ti» (B 3 r). «Este lugar, ó meu Deus, fostes vós quem mo deu» (B 3 v).
[238] «Como Madalena… assim eu, abaixando-me até às profundezas do meu nada me elevei tão alto que consegui atingir o meu fim» (B 3 v).
[239] O amor, luz da esperança – «o amor tudo espera» (1 Co 13, 7) – e da espiritualidade paulina – «a Caridade é o excelente caminho que conduz com segurança até Deus» (1 Co 12, 31; 13, 13), é a óptica da sua vocação – «a Caridade deu-me a chave da minha vocação… a minha vocação é o amor» – , o seu lugar e missão eclesial – «no Coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o Amor» –, a realização de todas as suas esperanças: «assim serei tudo… assim o meu sonho será realizado» (B 3 v). «Teresa não é uma contemplativa, é um apóstolo, talvez o primeiro apóstolo dos últimos tempos, que descobre no amor como carisma o único apostolado sem limites» (M. D. Molinié, o. c., p. 114).
[240] O. González de Cardedal, Raíz de la esperança, Sígueme, Salamanca, 1995, pp. 252-253.
[241] S. Teresa de Jesus, 3 M, 2, 7. «Não podemos nunca fazer por Ele as loucuras que Ele fez por nós… porque os nossos actos são muito razoáveis» (Ct 169).
[242] Repetidamente se interroga sobre o «mistério» da sua infusa esperança terrestre, consistente no desejo de amar Jesus até à plenitude do Amor, mas, como «frágil passarinho» «não pode levantar voo» por si, apenas, na «alegria perfeita» do «audacioso abandono», lhe resta continuar a fixar, mesmo com distracção e dormição orante, o Sol do Amor, que a há-de fazer voar nas Suas «próprias asas».
[243] B 3 r; 4 r.
[244] «Para que o Amor fique plenamente satisfeito, é necessário que Ele se abaixe, que se abaixe até ao nada e transforme em fogo este nada» (B 3 v).
[245] «É a minha própria fraqueza que me dá a audácia de me oferecer como Vítima ao teu Amor, ó Jesus!» (B 3 v).
[246] Ct 142.
[247] B 4 r; A 85 r; Ct 85.
[248] B 4 r.
[249] «Ó Jesus! deixa-me no excesso do meu reconhecimento, deixa-me dizer-te que o teu amor vai até à loucura…» (B 5 v). «A loucura em Deus é a comunicação… A loucura só é em relação a nós… em Deus significa só a gratuidade da comunicação. É sabedoria que nós não compreendemos como tal, apenas como loucura» (M. D. Molinié, o. c., p. 236).
[250] «És tu que continuas ainda no vale de lágrimas, escondido sob a aparência duma hóstia branca» (B 5 v).
[251] «Os pais, quando se encontram no trono, quando possuem imensos tesouros, não hesitam em contentar os desejos dos pequenos seres que amam como a si mesmos; para os contentarem, fazem loucuras, vão mesmo até à fraqueza» (B 4 r).
[252] «Como queres que perante esta loucura, o coração não se me atire para ti? Como poderia a minha confiança ter limites?… A minha loucura pessoal é esperar que o teu Amor me aceite como vítima» (B 5 v). É um autêntico «diálogo de loucos» e de «loucuras»: «Jesus fez loucuras por Celina, que Celina faça loucuras por Jesus» (Ct 85). No particular, segue a linha da espiritualidade de Teresa de Jesus – «obras quer o Senhor» (5 M 3, 11) – e de S. João da Cruz: «confessar a Cristo por obra diante dos homens» (CB 29, 8). «É preciso ser suficientemente louco para esperar conseguir de Deus o que não conseguimos pos nós mesmos» (J. Lafrance, o. c., p. 153).
[253] «Bem a criancinha atirará flores». É neste exercício espiritual passivo – de se «deixar amar» – e activo – de «amar» – que se lhe consumirá a vida. Teresa converte-se numa «rosa desfolhada» (P 51), que ama gozosamente – «atirando flores» (P 34) – ou dolorosamente, «colhendo-as no meio dos espinhos» (P 53). O seu «pequeno caminho» para o amor é o da prática das «pequenas coisas» feitas por amor, sempre de coração alegre, mesmo no sofrimento, em fidelidade contínua, apesar das infidelidades (B 3 v – 4 r).
[254] UC 15.5.2.
[255] Mais que do «amor de Deus e do próximo» (G. Lefevre, Le Double Amour, em La Foi dans les oeuvres, DDW, 1962, p. 154) parece que, no contexto da sua vocação eclesial do amor, se refere, como ela o diz, ao amor de Jesus e da Igreja: «Ó meu Jesus! eu te amo, amo a Igreja, minha Mãe» (B 5 v). É o Amor de amar Jesus («não hei-de encontrar nenhuma flor que não desfolhe por (amor de) ti») e o Amor de amar a Igreja («a criancinha ama pelos irmãos que combatem»). «Também o amor à Igreja é amor a Jesus» (Ct 221).
[256] «O que ela pede é o Amor… Só sabe uma coisa, é amar-te, ó Jesus» (B 4 r).
[257] «O puro amor existirá de facto no meu coração» (B 4 r). «Esta pergunta tem o grande mérito de realçar claramente que, mesmo se o amor actual da irmã é grande e ardente, prolonga-se ainda numa longa zona de espera, de confiança, de desejo para um amor maior» (C. Meester, Dynamique, p. 336). A esperança mantém-se desejo de «plenitude de amor» (B 4 v).
[258] B 5 v. Estamos ante uma outra «síntese consumada do seu pequeno caminho» (C. Meester, Dynamique, pp. 339 – 340).
[259] V. Sion, o. c., p. 201.
[260] Este programa teresiano de generosidade de amor deu pé para falar da epopeia de Teresa como «coragem de arriscar» (M. V. der Meersch, Le Petite Sainte Thérèse, Paris, 1947, p. 129).
[261] «Ela introduz na espiritualidade da Igreja a vitimação ao amor… abrindo assim uma nova era de espiritualidade com o seu caminho de infância» (A. B. Moneo, La Espiritualidad de Santa Teresa de Lisieux. Los grandes Problemas de su Transformación, Madrid, 1958, pp. 166; 277).
[262] «O «caminho» da infância espiritual marca uma nova época na história da santidade cristã, tornando acessível a todos a mais sublime perfeição do Evangelho» (M. M. Philipon, o. c., p. 18).
[263] B 5 v. Aqui o conceito de «pequenas almas» forma uma categoria especial de almas (C. Meester, Dynamique, p. 322). «Coloquemo-nos humildemente entre os imperfeitos… basta humilhar-se, suportar com doçura as suas imperfeições, eis a verdadeira santidade» (Ct 243). «Estas almas são as que, marcadas pelo orgulho original como todos, receberam a graça excepcional e fundamentalmente mariana de ser fascinadas pela humildade nascida do amor e pela confiança que daí deriva» (A. Moliniere, El camino de Infancia, em Rev. de Espirit. 50 (1991) p. 223). Esta mensagem teresiana da vitória do amor não passará, mas permanecerá sempre na Igreja, que fez sua esta súplica suprema de Teresa (Cf. a Súplica final de Pio XI na homilia da missa da canonização, a 17 / 5 / 1925).
[264] LC 170.
[265] Teresa lê, medita, ora e vive a Palavra de Deus – «o livro da vida onde está contida a ciência do Amor» – como «Farol luminoso do amor», no dizer biblico: «farol para os seus passos» (Sl 119 (118), 105). Diante de textos como Pr 9, 4; Sb 6, 7; Is 40, 11; 66, 13.12; Sl 49, 9 – 14, que foram «as suas meditações predilectas» (M. Inês, Pr. 630), sobre a misericórdia de Deus, nos quais descobriu a sua «pequena via» (C 2 v – 3 r), Teresa, «cujo olhar inspirado penetrava nas profundezas eternas», nos segredos de amor que Jesus lhe confidencia, no único caminho de amor da criança que, sabendo-se amada, se abandona na maior confiança, deixando-se amar pelo Pai, no amor de Jesus e no Espírito de Amor, preferia escutar em silêncio agradecido o Amor – «não nos resta senão calar-nos, chorar de reconhecimento e de amor» ou «entregar-se-lhe sem reservas e compreender toda a ternura do seu Amor infinito» – mas não podia conter a força profética do Espírito, que a leva «a dizer a todas as pequenas almas quanto é inefável a condescendência de Jesus, que exclui todo o temor e desespero, é fonte de toda a confiança e abandono amoroso. «Quantos exegetas, antes dela, tinham lido e relido esse «sicut parvuli», sem encontrar nele um programa integral de perfeição cristã! Foi graça própria de Teresa de Lisieux a de saber descobrir, nesses ensinamentos de Jesus, o segredo de «um caminho novo» de santidade» (M. M. Philipon, o. c., p. 41). «Pequenos» são «os que confiam no facto de serem amados (não salvos), isto é, estão seguros de ser amados, não de ser salvos…Uma alma pequena é uma alma que oferece o seu olhar e o seu coração sem nenhuma defesa ao tríplice mistério do Bem, do Mal e da Salvação» (M. D. Molinié, o. c., pp. 128;146).
[266] «O pequeno caminho é uma dinâmica da esperança, inspirada pela fé, comprometida no amor. É uma expressão e, sobretudo, uma realização da própria essência do Evangelho, o dom da misericórdia dirigido a todos, mas, em primeiro lugar, aos pecadores, aos humildes, aos que estão na miséria, mesmo no pecado» (R. Laurentin, Thérèse de Lisieux, mythes et réalité, Beauchesne, Paris, 1972, p. 130).
[267] «Não desejo senão essa ciência» (B 1 r). Estamos ante «um dos textos mais típicos do verdadeiro espírito de infância espiritual» (M. M. Philipon, o. c., p. 39). Jesus é o mestre da oração de Teresa – «Jesus instrui-me em segredo» (B 1 r), isto é, dos «segredos do seu amor» (B 5 v) e da sua «pequena via» (B 1 v). A esperança é confiança na Providência de Deus: «Deus proverá no presente o necessário para alcançar a promessa futura» (S. Galilea, o. c., p. 19).
[268] B 1 v. Esta «espera dos desesperados» (E. Mounier), Teresa funda-a na «compreensão de toda a ternura do Amor infinito de Jesus. «Os que querem, mas não conseguem, conhecem a tentação contra a esperança, tentação de não-esperar no poder do Amor misericordioso de Jesus, que será a sua salvação, ao obrigá-los a gritar por socorro e a receber de Deus uma resposta magnífica, mas, se se afastarem desta tentação, afastam-se também do que lhes vai dar a salvação e a santidade» (J. Lafrance, o. c., p. 150).
[269] «Fi-lo nas páginas seguintes, mas tão mal – tão bem diríamos nós! – que me parece impossível compreenderdes» (B 1 v). «Ó minha Irmãzinha Querida, se não me compreendes é porque és uma alma muito grande… ou mais bem, é porque me explico tão mal» (Ct 197).
[270] No Ms B contava-lhe que «o Amor para ficar plenamente satisfeito tinha necessidade de se abaixar até ao nada e transformá-lo em fogo» (B 3 v). Aqui, diz-lhe que Jesus virá buscar-nos tão longe, no nada, para nos transformar em chamas de amor» (Ct 197). Ante a prolongada experiência da sua impotência para realizar o sonho do amor – «sim, tu possuis o amor, mas eu! não, nunca me farás crer que posso alcançar este fim desejado, porque receio tudo o que tu amas» (LC 170) – Teresa infunde-lhe luz nova sobre o amor condescendente do «Pai das misericórdias» (2 Co 1, 3). Sabedora de que «o que ofende a Jesus é a falta de confiança» (Ct 92), recorda-lhe que a esperança é o único caminho para Jesus: «é a confiança e nada mais que a confiança que nos deve conduzir ao Amor… Uma vez que vemos o caminho, corramos juntas. Sim, sinto-o, Jesus quer-nos fazer as mesmas graças, quer-nos dar gratuitamente o seu Céu», que é o próprio Jesus-em-caminho: «ele já to fez, pois que te entregaste a Ele, desejaste ser consumida por Ele», pois, a esperança não nos deixa confundidos (Rm 5, 6), porque «nunca o Bom Deus dá desejos que não possa realizar…» (Ct 197).
[271] Diz-lhe que «só o desejo de ser vítima basta (para ser amada)… pois está segura que o bom Deus não lhe daria o desejo de ser POSSUÍDA por Ele, pelo seu Amor Misericordioso se não lhe reservasse este favor…» (Ct 197).
[272] Ct 197. «Depois desse «instantâneo» do próprio abismo, a alma aspira realmente pela divina misericórdia: «do abismo das minhas iniquidades, eu invoco o abismo da tua graça» (P. Evdokimov, A loucura do amor de Deus, ed. Paulistas, 1979, p. 29).
[273] Ct 224.
[274] Ct 241. A esperança de Teresa é, ao mesmo tempo, a esperança do «servo útil», que actua como se tudo dependesse de si, como a do «servo inútil», que espera como se tudo dependesse de Deus (UC 23.6). Porém, o seu carisma, mais que a actividade é o abandono (C. Meester, Las Manos Vacías, p. 161). Ela dá-nos «uma síntese admirável da conjugação entre a acção de Deus e a acção do homem, entre a graça e a liberdade» (J. Lafrance, o. c., p.101). «Ao homem permanece sempre aberto o horizonte espiritual da esperança, com a ajuda da graça divina e com a colaboração da liberdade humana» (J. Paulo II, EV n. 103). Se este horizonte é a esperança da santidade – «de ser possível não há que duvidar» (5 M 3, 5) e «em nossa mão está, se quisermos» (5 M 3, 7), diz Teresa de Jesus, porque «se nos esforçamos, o podemos ser, dando-nos Deus a mão… e, pois, não viemos aqui a outra coisa, mãos à obra, como dizem» (CV 16, 8). Foi o que a nossa Teresa fez: «pus-me, com a ajuda da graça, a adquirir esta coragem» (UC 21/26.5.6).
[275] «O ascensor, que me há-de elevar até ao Céu, são os vossos braços ó Jesus» (C 3 r).
[276] C 2 v – 3 r. É o cumprimento da promessa de Deus, que inspira e realiza os desejos da sua santidade.
[277] Provada a sua fé, é provada a sua esperança: «A fé e a esperança unem-se no amor do seu objecto que é Deus conhecido e desejado: «crer em bens futuros é esperá-los» (S. Agost., Enchiridion, II, 8).
[278] C 4 v. É um dos temas fortes neste Ms C; quando a terra lhe é mais avessa, ela «canta a felicidade do Céu» (C 7 v).
[279] C 5 r.
[280] UC 15.5.2.
[281] UC 21 / 26.5.2.
[282] UC 9.6.5.
[283] UC 13.6.
[284] «Não podia acreditar que houvesse ímpios que não tivessem fé» (C 5 v).
[285] «Jesus fez-me sentir que há verdadeiramente almas que não têm fé» (C 5 v). «As trevas não compreenderam que este rei Divino era a luz do mundo» (C 6 r).
[286] «Não me enviou esta prova senão na altura em que tive força para a suportar; creio bem que mais cedo ela me teria submergido no desânimo… Agora purifica tudo o que se poderia encontrar de satisfação natural no desejo que tinha do Céu» (C 7 v). «O conteúdo específico, peculiar da prova de Teresa, diz respeito à esperança. (…) A noite da esperança foi a prova específica de Teresa de Lisieux que marcou os últimos dezoito meses da sua vida. (…) É a tentação do nihilismo, típica do nosso tempo. A jovem carmelita, entrava há cem anos na noite da esperança do nosso tempo plenamente, dolorosamente, atrozmente, quase como prelúdio e símbolo da noite da fé em que está caindo cada vez mais o mundo ocidental» (C. M. Martini, «Maria e la notte della fede del nostro tempo, em AA. VV., Nel dramma della incrdulità con Teresa de Lisieux, Ancora, Milano, 1997, p. 35. 95. 97).
[287] «Sonhas com a luz… alegra-te com a morte que te dará não o que esperas, mas uma noite ainda mais profunda, a noite do nada» (C 6 v). «Não a quero desenvolver mais, teria medo de blasfemar» (C 7 r). Diz ela: « Quando canto a felicidade do Céu, a posse eterna de Deus – «a minha esperança e felicidade» – não sinto com isso nenhuma alegria, pois canto apenas o que QUERO ACREDITAR e, consequentemente, esperar (C 7 v). Enquanto a prova da sua fé se limita à existência do Céu, não de Deus (UC 3.7.3) – «está pronta para derramar o seu sangue para confessar que o Céu existe» (C 7 r), a sua esperança é provada tanto no seu objecto – «a posse eterna do Criador de todas estas maravilhas» – quanto no seu acto: «caminha, caminha… a noite do nada» (C 6 v). A voz dos sem-esperança, para a demover do fim da sua esperança, ri-se dela, como que animando-a num caminho sem-esperança. Ela, porém, com a sua «esperança vencedora», abriu um caminho de esperança de salvação só apoiada na Misericórdia. Personaliza diariamente a vitória de Cristo sobre o diabo (Ct 201). «O demónio anda à minha volta…atormenta-me, tem-me como com uma mão de ferro para me impedir de tomar o mais pequeno alívio, aumenta os meus males afim de que eu desespere… Sofro por ti e o demónio não quer!» (UC / G 16.8). «Posso dizer que ela teve tentações contra a esperança…» (P. Godefroid Madelaine, PA, p. 563). «A grande prova e tentação da esperança é a cruz, o fracasso e a dor… o mistério do mal é a grande tentação da esperança e também a prova da esperança» (S. Galilea, o. c., pp. 18. 25).
[288] «Que todos aqueles que não são alumiados pelo facho luminoso da fé o vejam finalmente brilhar» (C 6 r).
[289] «Durante a sua agonia, a tentação do desespero chegou ao seu máximo de intensidade, a ponto de que as suas irmãs, M. Inês e Maria do Sagrado Coração, rezaram “para lhe obter a graça de não desesperar”» (DE I, p. 145, n. 103). «Que todos aqueles que não são alumiados pelo facho luminoso da fé o vejam finalmente brilhar» (C 6 r).
[290] É a «esperança fraterna» de Teresa que, na prova da sua esperança, partilha a experiência do «vazio-nada» dos que não esperam, e espera pelos que não esperam. Jesus associa-a à sua esperança salvadora e Teresa leva consigo, na sua esperança, os que não esperam, os que pecam contra a esperança. Deste modo, torna-se a «santa dos que não esperam» e mesmo dos «desesperados»: «Ele o abra (o Céu) para a eternidade aos pobres incrédulos». «Repara, assim, uma só falta cometida contra a fé» e, mesmo, contra a esperança (C 7 r). Teresa repete a oração, antes, o grito de S. Francisco de Assis: «onde há desespero que eu leve a esperança». «Não há uma grande distância entre o ateu e o místico: o primeiro está parado por medo da desilusão, o segundo aceita o risco de uma louca esperança, mas também conhece a perda total de sentido, a noite do nada e a paragem que se torna abismo vertiginoso. Creio que o discípulo «que Jesus amava» parou à entrada do sepulcro, paralizado com o medo de ter de haver-se com o nada, por temer enfrentar o vazio, por ter de ver morrer para sempre a sua esperança» (D. Pezzini, o. c., p. 90). «Deus escolheu uma carmelita sem experiência para afrontar a não-crença (a não-esperança) mais radical, para «confundir os fortes», os mestres de suspeita, confiando este mundo de não-crença ao amor imolado» (P. Poupard, Thérèse de Lisieux: La force de l’amour pour le monde de l’incroyance, em Thérèse de l’Enfant-Jésus Docteur de l’Amour, Venasque, 1990, p. 309).
[291] L. Aróstegui, Teresa de Lisieux en la conciencia moderna, em Rev. de Espiritualidad 55 (1996) p. 200). «Em relação com a esperança, Cristo não é só a consolação no sofrimento, mas também o protesto da promessa de Deus contra o sofrimento. (…) Quem espera em Cristo não se pode conformar com a realidade existente, e começa a sofrer por ela, a contradizê-la» (J. Moltmann). «Há uma “raiz da esperança” – a abertura radical aos outros, fonte de amor e serviço aos outros – que devemos saber cuidar e manter para dar sentido ao sofrimento» (O. González de Cardedal, Raíz de la esperanza, Salamanca, 1995).
[292] «É o meu escudo, n’Ele está a minha esperança» (C 8 v).
[293] «O meu único fim seria cumprir a vontade de Deus, sacrificar-me por Ele da maneira que lhe agradasse… Sinto que não teria nenhuma decepção, pois quando se está preparada para o sofrimento puro e sem qualquer mistura, a mais pequena alegria transforma-se em surpresa inesperada» (C 10 v).
[294] «Nunca poderia amar as minhas irmãs como vós as amais, se vós mesmo, ó meu Jesus, as não amásseis também em mim… A vossa vontade é amardes em mim todos aqueles que me mandais amar!» (C 12 v).
[295] «Dar é «emprestar sem daí esperar nada» (C 18 r). É «ser amável com toda a gente e, particularmente, com as irmãs menos amáveis (C 28 r) , «as almas imperfeitas… sem esperança de cura» (C 27 v). É «alegrar todos os que estão em casa, sem exceptuar ninguém» (C 12 r).
[296] «Não tenho muita dificuldade em levantar-me quando caí, porque num certo combate, alcancei a vitória; por isso, a milícia celeste vem agora em meu socorro, não podendo sofrer ver-me vencida depois de ter saído vitoriosa da gloriosa guerra» (C 13 v).
[297] C 22 v. Como ajudante da mestra de noviças, sem autoridade canónica, «a única esperança de Teresa era a acção do E. Santo em si mesma e nos seus cordeiros» (G. Gaucher, Histoire, p.166).
[298] Teresa conta como Jesus satisfez o seu desejo e mesmo o ultrapassou: «Tinha desde há muito um desejo que me parecia absolutamente irrealizável, o de ter um irmão sacerdote…. mas… já não podia esperar ver o meu sonho realizar-se; e eis que não somente Jesus me concedeu a graça que desejava, mas uniu-me pelos laços da alma a dois dos seus apóstolos» (C 31 v).
[299] «Espero com a graça de Deus ser útil a mais de dois missionários e não poderia esquecer-me de orar por todos, sem deixar de lado os simples sacerdotes cuja missão é, por vezes, tão difícil de cumprir como a dos apóstolos que pregam aos infiéis… orar pelas intenções do nosso S.to Padre o Papa, sabendo que as suas intenções abraçam o universo» (C 33 v).
[300] Teresa passa do amor por todos à esperança por todos: «a alma abrasada de amor não pode continuar inactiva» (C 36 r). «Não poderei repousar enquanto houver almas para salvar» (UC 17.7).
[301] «Viver na esperança da parusia é muito mais do que a simples espera, perseverança e manutenção da fé; é uma atitude activa e transformadora. É viver antecipando o que deve vir, numa “espera criativa”» (J. Moltmann, El camino de Jesucristo. Cristología en dimensiones mesiánicas, Salamanca, 1993, p. 459).
[302] «Jesus deu-me um meio simples para realizar a minha missão. Fez-me compreender esta palavra dos Cânticos: «Atraí-me, correremos no odor dos vossos perfumes… não poderá correr sozinha, todas as almas que ama serão arrastadas atrás dela… Ouso pedir-vos para amardes em mim os que me destes como vós me amastes a mim» (C 34 r – 35 r). Ao fazer sua a esperança do pai do filho pródigo, ao pedir para os seus que um dia estejam todos reunidos no lindo céu, Teresa, no seu amor e esperança, torna-se instrumento do amor e da esperança universais de Jesus.
[303] «Como poderia eu, de facto, não orar pelas almas que eles hão-de salvar nas longínquas missões por meio do sofrimento e da pregação?» (C 35 v).
[304] Teresa converte-se numa «mãe» e «mestra» da esperança cristã (V. de la Vierge, L’Espérance de sainte Thérèse, em VT , Abril, 1962, pp. 1 – 13); ainda G. Gaucher, Thérèse de Lisieux, messagère d’Espérance, em Christus n. 257, 1/1993, pp. 73 – 79). «No coração do pequeno caminho está a Esperança» (G. Gaucher, Flammes d’amour: Thérèse et Jean, Les Edit. du Cerf, Paris, 1996, p. 141).
[305] Os Santos têm uma confiança absoluta só em Deus: «Toda a sua coisa era ter a só Deus por refúgio. (…); esta confiança e afeição e esperança queria tê-la só em Deus» (Inácio de Loiola, Autobiografia, 35, 1-4).
[306] «Com a alavanca da oração os santos levantaram o mundo» (C 36 v).
[307] «Não é porque Deus, em sua prévia misericórdia, preservou a minha alma do pecado mortal que me elevo para Ele pela confiança e pelo amor. Sim bem o sinto, mesmo que me pesassem na consciência todos os pecados que se podem cometer, iria, com o coração despedaçado de arrependimento lançar-me nos braços de Jesus, pois sei com quanto carinho ama o filho pródigo que volta a Ele» (C 36 v).
[308] UC 11.7.6.
[309] C 36 v. «Parece que somente ao fim sonhou numa extensão da sua mensagem aos próprios pecadores: não é apenas rezar, sofrer e morrer por eles, mas pregar-lhes a doutrina inicialmente proposta às almas pequenas, a saber, a da confiança na misericórdia infinita de Jesus» (M. D. Molinié, o. c., p. 193). É o que faz a S. Virgem a Susana: «Sem dúvida, os que amas ofenderão o Deus que os cumulou de benefícios; mas, tem confiança na misericórdia infinita do Bom Deus; ela é bastante grande para apagar os maiores crimes, quando encontra um coração de mãe que nela põe toda a sua confiança» (RP 6, 10 r).
[310] «A nossa esperança é ALGUÉM. A nossa esperança é Cristo… Ele fez-Se Carne. Cristo, inserindo-se, plenamente, na natureza humana, quis mudar o mundo para salvá-lo. E nós seremos seus discípulos na medida em que a nossa esperança se confundir com a Sua, que era a de transformar o mundo (F. Mauriac). F. Mauriac passou do desespero de Teresa Desqueyroux à audácia da esperança de Teresa Martin: «A pequena Teresa do Menino Jesus, de quem – apesar de todas as deformações imbecis e todas as rosas – eu por fim descobri o rosto martirizado e a maravilhosa infância, dizia que se tivesse cometido todos os pecados do mundo, nunca diminuiria na confiança e no amor» (Cf. C. Escallier, «De Thérèse Desqueyroux à Thérèse Martin ou du désespoir à la confiance», em Vie Thérésienne 129 (1993) 17 – 39).
[311] «O “Deus é amor” é o Deus-Esperança. (…) Dando como um facto o inferno escatológico, eterniza-se o pecado como situação infernal, e converte-se a realidade em desesperada. O Deus-Esperança é aí ainda Esperança? Nós hoje, e precisamente para permanecer na rocha firme da nossa fé, podemos renunciar ao Deus-Esperança? (…) Lembremo-nos que Teresa de Jesus «escreve para consolação de almas fracas, como a minha, para que nunca desesperem nem deixem de confiar na grandeza de Deus” (V19, 3)» (L. Aróstegui, «Santa Teresa de Jesús, testimonio teológico», em Revista de Espiritualidad 61 (2002), p. 228).
[312] Sl 138, 7 – 8. Certamente também com a «Mãe de misericórdia»: «Se te esmagam o remorso do passado, as faltas do presente, o terror do juízo, a tristeza e o desespero: «olha para a estrela, invoca Maria» (S. Bernardo, Hom. Super «Missus est», II, 17 – 70). «No seu único desejo de salvar uma alma – H. Loyson – que parece para sempre perdida… não deixou de rezar, certa de que a confiança faz milagres, para que «o filho da Santíssima Virgem, volte vencido a lançar-se sob o manto da mais misericordiosa das Mães…» (Ct 129).
[313] «Abaixando-se até às profundezas do seu nada elevou-se tão alto que conseguiu atingir o seu fim» (B 3 v).
[314] J. Lafrance, o. c., p. 160. A M. Inês é «uma avezinha temerosa» (UC 10.7). Teresa é «uma débil avezinha assaltada pela tempestade» (B 5 r), mas «uma avezinha que não teme» (B 3 v; Ct 196).
[315] «Tocar a nossa miséria, é alcançar a região que, olhada só ou na loucura da pobreza, é a fonte de um absoluto desespero ou da confiança mais perdida. É preciso procurar a dimensão mais profunda desta miséria, porque é nesta zona que Ele se encontra connosco e nos espera, pois, quando o encontramos, encontramos também a sua Misericórdia: é aí que ela se esconde e não noutro lugar» (M. D. Molinié, Le courage d’avoir peur, Cerf, Paris, 1975, p. 62). «Tenho medo de ter medo da morte… Mas não terei medo depois, certamente!» (UC 11.9.4).
[316] «Dum spiro, spero», corresponde ao nosso «enquanto há vida há esperança». A esperança faz parte da natureza humana: «O homem não só tem esperança, mas vive na medida em que está aberto à esperança e é movido por ela» (H. Mottu, Esperanza y lucidez, em B. Lauret – F. Refoué, Iniciación a la práctica de la teología, IV, Cristiandad, Madrid, 1985, p. 301). «O ser humano vive porque espera e porque tem esperança. Sem esta é impossível a vida. (…) A espera torna-se esperança genuína quando o homem confia de um modo mais ou menos firme em “ser sempre” e quando descobre que aquilo em que a sua confiança se apoia é o fundamento gratuito, criador e obsequente da realidade. Enquanto aspira a “ser sempre”, a esperança humana é transcendente à morte, ultrapassa o limite da existência projectiva; enquanto existe apoiada sobre uma doação fundamentante e gratuita, a esperança – que sempre é, como sabemos, interrogação confiada ou confiança interrogante – supõe o colóquio metafísico e transversal com um “Tu” absoluto. Esperando assim, o homem dá figura temporal ao sentimento e à realidade da sua religação: espera no “que faz que haja”, na Divindade. A esperança, em suma, só pode ser genuína sendo de alguma maneira religiosa» (P. Laín Entralgo, Antopología de la esperanza, Ed. Labor, Barcelona, 1978, pp. 190-191). «A espera é o apetite de continuar a viver humanamente ou, se se prefere, em fórmula mais escolar, o modo humano do instinto de conservação» (P. Laín Entralgo, Antropología de la Esperanza, Guadarrama, Madrid, 1978, p. 124; cf. ainda do mesmo autor L’Attente et L’espérance).
[317] A dimensão utópica do homem, o seu esperar sempre mais e melhor, como superação e vitória sobre a contingência e inconsistência, sobre o sofrimento e a frustração, sobre a fraqueza e o fracasso, sobre a diminuição e a morte, facilita-lhe a abertura, senão a espera, de um «fim feliz» (GS 18), nada menos que a «união com Deus» (GS 19). É que «o homem espera por natureza algo que transcende a sua natureza» (P. L. Entralgo, o. c., p. 172).
[318] O homem espera imediatamente, a humanidade espera mediatamente e o cosmos espera ultimamente (P. L. Entralgo, o. c.,p. 222). O seu éschaton ou fim do tempo é o die natalis de um mundo transfigurado (J. L. R. de la Peña, a. c., p. 99).
[319] «A esperança que hoje é preciso refazer, não é uma esperança qualquer, mas a esperança no poder de Deus contra a injustiça que produz vítimas» (J. Sobrino, La fe en Jesucristo. Ensayo desde las víctimas, Madrid, Trotta, 1999, p. 7.
[320] Martin Luther King, Discurso em defesa dos direitos cívicos, 28 / 8 / 1963, Washington.
[321] «O vazio interior é uma “neurose fundamental” do homem actual, que tem a sua origem na falta de comunicação com Deus. É uma neurose profunda que deriva da perda de contacto, por parte do homem, com o nível transcendente do seu ser, e que o precipita num abismo de absurdo e solidão» (W. Stinissen, Meditación cristiana profunda, Sal Terrae, Santander, 1982, p. 52).
[322] «O futuro ao deixar de ser o que vem irremediavelmente com o tempo, para ser o que pode não vir nunca… obriga a uma reconciliação com o futuro, ou seja, a recuperar a esperança, valor hoje em crise entre os cientistas seculares des-esperados, porque ao projectarem ser «como deuses», ao construírem as suas cidades utópicas, confiam nos poderosos, seres de pó que não podem salvar, e não em Deus (Sl 146, 3). Esta é, desde a fé, a razão última do fracasso das esperanças seculares» (J. L. R. de la Peña, a. c., p. 97). É o desencanto do encanto (Lc 24, 21), o desespero de suas esperanças: «não me fales mais de uma doença (lepra) que me causa tanto desespero que a ti… Ah, eu que punha tantas esperanças nele!» (RP 6, 3 v).
[323] «Sabe que para além das nuvens o seu Sol continua sempre a brilhar, que o seu esplendor não se poderá eclipsar um só instante» (B 5 r). «Eu sei que o Sol existe, mesmo quando os céus estão cobertos de nuvens (…). Os que continuam a falar do Sol enquanto caminham sob o céu cheio de nuvens são mensageiros de esperança, os verdadeiros santos dos dias de hoje» (Henri J. M. Nouwen, Aqui e agora. Vida no Espírito, Paulinas, 1996, pp. 25-26).
[324] «Quais devem de ser as nossas disposições em relação a este andar para a frente? Eu vejo duas, que podem resumir-se em cinco palavras: Uma grande esperança em comum» (T. Chardin, Reflexões sobre o progresso, 1941).
[325] P. Teilhard de Chardin, Hino do Universo, LXXVI, Editorial Notícias, 1995, p. 136.
[326] «Um certo socialismo morreu, porque totalitário e materialista; um certo neoliberalismo reina ainda no hemisfério norte, destruindo o hemisfério sul: é preciso encontrar outra coisa! Para isso, é necessário que os profetas cristãos se unam aos revolucionários desiludidos» (O. Clément, «La Missione comune dei cristiani nella città di oggi», em AA. VV., Nel dramma della incredulità con Teresa di Lisieux, Ancora, Milano, 1997, p. 58).
[327] «O próprio da esperança cristã é o seu carácter abrangente de salvação para todos e para tudo, enquanto obra de Deus (dom), não sem o empenhamento dos homens» (GS 92).
[328] Refiro-me ao «esforço de libertação verdadeira e plena do género humano» (GS 10). A utopia do século XX, o discurso laico sobre a esperança como princípio da realidade objectiva, como «laboratório de uma salvação possível» do mundo e da história, teve em E. Bloch o seu máximo e último representante.
[329] GS 92.
[330] GS 38.
[331] Guy Coq, Dis-moi ton espérance, Seuil, Paris,1999, pp. 46-47.
[332] M. de Unamuno, EA, carta 6: a Pedro Jiménez de Ilundain, Salamanca 25 de Março de 1898, pp. 47-48). «Caminhamos para o cristianismo puro, a concepção do Reino de Deus, fundado no amor, e para tudo o que implica a irmandade dos homens sob um só Pai comum» (M. de Unamuno, EI, I, p. 187: a Amadeo Vives, 1905).
[333] «A evangelização contém também a pregação da esperança nas promessas feitas por Deus na Nova Aliança em Jesus Cristo…» (Paulo VI, EN n. 28).
[334] GS 10; 9.
[335] «O desespero é o amor próprio levado ao extremo. Cai-se nele quando um homem volta deliberadamente as costas a qualquer ajuda alheia para gozar o prazer inquinado de saber-se perdido. (…) O desespero é o último desenvolvimento de um orgulho tão grande e tão obstinado que opta pela miséria absoluta da condenação, em vez de aceitar a felicidade das mãos de Deus e reconhecer que Ele está acima de nós e que não somos capazes, por nós próprios de cumprir os nossos destinos. (…) Se fôssemos incapazes de humildade, seríamos incapazes de alegria, porque só a humildade pode destruir o egocentrismo que torna impossível a alegria. (…) Um homem humilde não tem medo do insucesso, não tem medo de nada, nem sequer de si mesmo, porque a perfeita humildade exige uma confiança total no poder de Deus, diante de Quem nenhum outro poder tem significado e para Quem não há nada que possa constituir-se como obstáculo. A humildade é o sinal mais seguro de força» (Thomas Merton, Sementes de Contemplação, pp. 59-166). «Como está Deus próximo de nós quando chegamos a reconhecer e a aceitar a nossa abjecção e a lançar os nossos cuidados inteiramente sobre Ele! Contra toda a expectativa humana Ele mantém-nos quando necessitamos de ser mantidos, ajudando-nos a fazer o que parecia impossível. Aprendemos a conhecê-Lo, agora, não numa “presença” abstracta e teórica, mas num vazio de esperança, que roça o desespero. Porque a perfeita esperança só se atinge no limite do desespero quando, em vez de se cair desse fio da navalha num precipício, nós nos vemos a passear no ar. A esperança está sempre no limite de se transformar em desespero, mas nunca acontece, porque no limite da suprema crise o poder de Deus é subitamente tornado perfeito na nossa enfermidade. Assim aprendemos a esperar a Sua Misericórdia com tanta mais calma quanto maior é o perigo, para O procurarmos calmamente em face do perigo, certos de que Ele não pode esquecer-nos…» (Thomas Merton, No man is an Island, cap. XI, n. 1).
[336] «O Senhor Deus ensinou-me o que devo dizer, para saber dar palavras de alento aos desanimados» (Is 50, 4).
[337] A falta de esperança manifesta-se como desespero, que, na acepção de desesperação, pode levar até ao suicídio, ou como de desesperança, não-esperança, que leva à resignação, à depressão, à tristeza e ao mau humor, à morte: «Os nossos ossos estão completamente ressequidos, a nossa esperança desvaneceu-se; ficamos reduzidos a isto» (Ez 37, 11). A nossa esperança desespera – a desesperança é o pior dos pecados (S. Tomás de Aquino) –, mas a esperança de Deus em nós nunca fraqueja.
[338] «Ali onde cresce a desesperação, cresce também a esperança. A oportunidade suprema está no risco supremo» (Hölderlin, citado por E. Morin, La vía para el futuro de la humanidad, Paidós, Barcelona 2011, p. 285).
[339] S. Galilea, o. c., p. 10. Por exemplo, numa «cultura de morte» «uma sociedade que declare guerra à vida, é sagrada no seu início e no seu declínio, não tem direito à esperança» (J. L. R. de la Peña, a. c., p. 103). «A esperança dos cristãos é Jesus Cristo. Um mundo sem Deus é um mundo sem esperança, uma cultura sem Deus tem no seu núcleo o desespero e acaba por ser uma cultura de morte» (J. Ratzinger, Sínodo dos Bispos, 6 / 10 / 2001, Roma).
[340] Robert Scholtus, La traversée des apparences, Cerf, Paris, 1997, pp. 36. 39.
[341] «O martírio é a encarnação suprema do Evangelho da esperança. Os mártires anunciam este Evangelho e testemunham-no com a sua vida até è efusão do sangue. (…) celebram o “Evangelho da esperança”, porque a oferta da sua vida é a manifestação maior e mais radical do sacrifício oferecido a Deus. (…) servem o “Evangelho da esperança”, porque exprimem em sumo grau o amor e o serviço ao homem» (J. Paulo II, Exort. Ap. Ecclesia in Europa (28/VI/2003), 13.
[342] II Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Europa, Mensagem final: L’Osservatore Romano (ed. port. De 30/X/1999, 565 ss.
[343] J. Paulo II, Exort. Ap. Ecclesia in Europa (28/VI/2003), 4.
[344]J. Paulo II, Exort. Ap. Ecclesia in Europa (28/VI/2003), 18. 19-22.
[345]Ibid., 11. «A assunção de responsabilidades que dizem respeito ao mundo, aos seus problemas, aos seus desafios, às suas expectativas pertence à obrigação de anunciar o Evangelho de esperança, De facto, está em jogo o futuro do homem, enquanto “ser de esperança”» (J. Paulo II, Exort. Ap. Pastores Gregis (16/X/2003), 72).
[346] J. Paulo II, Exort. Ap. Ecclesia in Europa (28/VI/2003), 20
[347] J. Paulo II, Exort. Ap. Ecclesia in Europa (28/VI/2003), 7.
[348]J. Paulo II, Exort. Ap. Ecclesia in Europa (28/VI/2003), 45.
[349]J. Paulo II, Exort. Ap. Ecclesia in Europa (28/VI/2003), 42.
[350] «Diante da falência das esperanças humanas que, baseando-se em ideologias materialistas, imanentistas e economicistas, pretendem medir tudo em termos de eficiência e relações de poder e de mercado, os padres sinodais reafirmaram a convicção de que só a luz do Ressuscitado e o impulso do Espírito Santo ajudam o homem a apoiar as próprias expectativas na esperança que não desilude» (J. Paulo II, Exort. Ap. Pastores Gregis (16/X/2003), 4).
[351] «Cristo ressuscitou e vive para sempre como fonte eterna de esperança. O Ressuscitado é em pessoa a Esperança para todos os homens que acreditam e esperam ressuscitar» (S. Galilea, o. c., p. 31).
[352] Jesus é, diz S. Paulo, a «nossa esperança» (1 Tm 1, 1).
[353] O Evangelho de Teresa é «a esperança cega que tem na sua misericórdia» (Ct 197). Para ela, o «Jesus da Eucaristia» é «o Deus misericordioso» (Ct 234). «Jesus é a misericórdia encarnada» (C. Meester, Dynamique, p. 425).
[354] Teresa «espera ser como Jesus quer» (Ct 78). «Sinto a esperança renascer em meu coração quando me falais dos sofrimentos de Jesus» (RP 3, 17 v).
[355] P 23, 6.
[356] J. Paulo II, Exort. Ap. Pastores Gregis (16/X/2003), 66.
[357] «Em ti, Senhor, repousa a minha esperança» (P 36, 4). «Quero, ó meu Deus, fundar só em Vós a minha esperança» (Or 2). «Mais que nunca compreende que os mais pequenos acontecimentos da nossa vida são conduzidos por Deus, é Ele que nos faz desejar e que colma os nossos desejos» (Ct 201).
[358] 1 Co 13, 7; Rm 5, 3.35.28. «A morte, mesmo sem sacramentos, é visita do Papá… tudo é graça» (UC 5.6.4).
[359] «Ah! é incrível como todas as minhas esperanças se realizaram. Quando lia S. João da Cruz, suplicava ao bom Deus que operasse em mim o que ele diz, quer dizer, a mesma coisa que se eu vivesse até à velhice; enfim de me consumar rápidamente no Amor, e fui atendida» (UC 31.8.9).
[360] M. Inês, carta às religiosas de um convento de carmelitas, 29 / 1 / 1911.
[361] A 44 r.
[362] «Nada nos mostra melhor a força de transformação da confiança que a própria vida concreta de Teresa» (C. Meester, Las Manos Vacías, p. 153). «Dá conta que passou a vida à espera, ela, a impaciente: à espera de entrar no Carmelo, à espera de tomar o hábito, de fazer a profissão. Agora tem de ficar à espera da morte que tarda, quando quereria estar já no juízo final para saber o que se passa depois. A curiosidade de Teresa quanto ao além é infinita…» (J. Chalon, Teresa de Lisieux. Uma vida de amor, Braga, 1997, p. 239).
[363] «Sentia que o que me fazia viver era a esperança de ser um dia carmelita» (A 29 v). «Esperava que o reino do Carmelo me pertenceria em breve» (A 62 v).
[364] J. Paulo II, Exort. Ap. Pastores Gregis (6/X/2003) 14. «Para o homem contemporâneo – não raro atormentado entre a angústia e a esperança, prostrado pela experiência das suas próprias limitações e assaltado por aspirações sem limites, perturbado na alma e dividido em seu coração, com o espírito obcecado pelo enigma da morte, oprimido pela solidão e ansioso por comunhão, presa da náusea e do tédio – a bem-aventurada Virgem Maria contemplada nas vicissitudes evangélicas em que interveio e na realidade que já alcançou na cidade de Deus, proporciona-lhe uma visão serena e uma palavra tranquilizante: a da vitória da esperança sobre a angústia, da comunhão sobre a solidão, da paz sobre a perturbação, da alegria e da beleza sobre o tédio e a náusea, das perspectivas eternas sobre as temporais e, enfim, da vida sobre a morte» (Paulo VI, “Marialis Cultus” 57). «Toda a Igreja tem os olhos postos em Maria. (…) Criatura nova plasmada pelo Espírito Santo, Maria faz crescer em nós a virtude da esperança» (J. Paulo II, Exort. Ap. Ecclesia in Europa (28/6/2003), 124-125).
[365] «Vós que colmais a minha esperança» (P 35, 1). «Virgem Maria, minha única esperança» (P 11, 2). Maria, «esperança nossa», é mais uma razão para esperarmos no cumprimento da Palavra de Deus (Lc 1, 45), uma vez que «brilha como sinal de esperança segura e de consolação aos olhos do Povo de Deus peregrino» (LG 68). É caso para dizer-lhe o que Teresa disse a Joana d’Arc: «Nossa esperança / repousa em vós… Rogai, rogai por nós» (P 4, 13).
[366] P 31, 6.
[367] Or 12.
[368] Mesmo «as enfermidades morais crónicas sem esperança de cura» (C 27 v), ou a «salada de vinagre servida pelas noviças no momento em que menos espera» (C 27 r), ou ainda, a caridade indevida e inoportuna: «não sei se pude escrever dez linhas sem ter sido interrompida» (C 17 v). «Procurei não impacientar-me, pôr em prática o que escrevia» (UC 15.6.5).
[369] «A caridade deve iluminar, alegrar, não somente os que nos são mais queridos, mas todos os que estão em casa, sem exceptuar ninguém» (C 12 r). «Quero ser amável com toda agente (e particularmente com as irmãs menos amáveis) para alegrar Jesus» (C 28 r). «Darei os vossos tesouros à alma que me vier pedir alimento» (C 22 v). «Espero com a graça de Deus ser útil a mais de dois missionários» (C 33 v). «Todas as almas que ama serão arrastadas atrás dela» (C 34 r). «Mesmo que me pesassem na consciência todos os pecados… sei com quanto carinho ama o filho pródigo que volta a Ele» (C 36 v). «Amo-te mais ardentemente do que tu amastes esses pecadores» (B. Pascal, Le mystére de Jésus, p. 50).
[370] P 34, 2.
[371] «O meu caminho é todo de confiança e de amor» (Ct 226).
[372] «Apesar de não ter o gozo da Fé, procuro ao menos realizar-lhe as obras. Creio que fiz mais actos de fé desde há um ano do que durante toda a vida» (C 7 r). «Canto simplesmente o que quero crer» (C 7 v). «Desde que Ele permitiu que eu sofra tentações contra a fé, acrescentou muito no meu coração o espírito de fé» (C 11 r).
[373] «A fim de viver num acto de perfeito Amor…» (Or 6). A esperança actual de Teresa foi «viver de amor» e a futura foi a «morte de amor»: «morrer de Amor, eis a minha esperança» (P 17, 15).
[374] «Nunca deixei um instante de esperar» (Ct 38 B). «A esperança é talvez a virtude teologal mais característica da jovem carmelita» (G. Gaucher, Jean et Thérèse, p. 141). «Sem dúvida, na hora de qualificar a esperança teresiana, o primeiro adjectivo que se impõe é «audaz». E é precisamente por esta audácia que a esperança de Teresa é contra esperança» (V. R. Ascuy – E. de la Serna, a. c., p. 11).
[375] «É na visão teresiana de Deus-Misericórdia que começa e recomeça sem cessar «a infância espiritual» (C. Meester, Dynamique, p. 432). A misericórdia é o que mais a comove no Evangelho (C 36 v) e foi o dom da sua contemplação de Deus (A 83 v).
[376] Miguel García-Baró, La fe cristiana en la perspectiva de la experiencia filosófica, Conferência ao Capítulo Geral OCD Fátima 2009, pp. 8.12).
[377] J. Paulo II, Exort. Ap. Pastores Gregis (16/X/2003), 3).
[378] «Deus que a predestinava para se tornar no mundo moderno a santa da confiança e do abandono, acabava de a purificar na virtude da esperança» (M. M. Philipon, o. c., p. 129).
[379] UC 13.7.17.
[380] Tentada de desespero, pelo formidável poder de Satã, em vez de se dar a morte, lança-se nos braços de Jesus Salvador (UC 22.9.6). É a humildade de Jesus, de Maria, de Teresa que, ao vencer o orgulho, provoca o desespero demoníaco (RP 7, 5 r) que, por sua vez, tenta o desespero de Teresa: «Ele aumenta os meus males para que eu desespere» (UC / G 16.8). Para ela, «perder a coragem é desesperar» (UC 19.8.10), e «perder a coragem é ainda orgulho» (Or 20). Por isso, aconselha: «Combatamos sempre mesmo sem esperança de ganhar a batalha. Que importa o sucesso? O que o bom Deus nos pede é não parar nas fadigas da luta, e não perder a coragem, dizendo: «Tanto pior, não há nada a tirar dela, é melhor abandoná-la». Oh, isso é laxidão; é preciso fazer o seu dever até ao fim» (UC 6.4.2). Ela caminha, na sua esperança, «até ao seu último instante» (Ct 239), ainda que «como um pobre pequeno pássaro, que geme a um canto e canta como o judeu errante: «A morte nada pode comigo, sei-o bem!…» (Ct 217). «A humildade é o sinal mais seguro da força» (T. Merton, o. c., p. 166).
[381] «A prova da esperança, bem como a tentação contra a esperança, permanecem sempre presentes no nosso mundo» (S. Galilea, o. c., p. 27). Devemos ser semeadores de esperança neste mundo falto de esperança, porque, como escreveu Walter Benjamin, no seu estudo sobre Las afinidades electivas, de Goethe, «só por causa dos que estão sem esperança nos é dada a esperança».
[382] «Vejo na História de uma Alma um apelo aos drogados, aos desesperados, aos suicidas» (M. D. Molinié, o. c., p. 200). «A maior loucura que um homem pode fazer nesta vida é deixar-se morrer, sem mais nem menos, sem que ninguém o mate, nem outras mãos o acabem senão as da melancolia», diz o criado Sancho ao seu senhor Quixote, no Don Quijote de la Mancha, de Miguel de Cervantes. «Não sabemos de ninguém na terra que tenha aportado ao homem, à infinita miséria, à infinita baixeza incurável e desesperada do homem, uma mensagem mais consoladora» (M. van der Meersch, Santa Teresita de Lisieux, Ed. G. P., Barcelona, 1969, p. 216).
[383] Teresa preocupa-se com a ameaça do inferno – «quem não acreditar está condenado» (Jo 3, 18) – para os que «rejeitam ou recusam a fé», os que preferem as trevas à luz. É em nome deles que pede «piedade» ao Senhor (M. D. Molinié, o. c., pp. 253 – 254).
[384] B 1 v.
[385] UC 6.7.2. «Só a 30 de Setembro de 1897 é que a esperança terminou a sua obra» (C. Meester, Les mains, p. 229).
[386] Cristo vai procurar Adão aos infernos (Pseudo-Epifânio, Homilia para o Sábado Santo, PG 43, pp. 440 – 446. «A única mensagem que pode atingir o ateu dos nossos dias é a de Cristo descido aos infernos. Por mais profundo que seja o inferno em que os homens se descobrem já, mais profundo se encontra ainda Cristo à espera e, enquanto espera que o homem o ame, renuncia à sua omnipotência, até à sua omnisciência, e assume plenamente a sua quenose sob a figura do Cordeiro imolado» (P. Evdokimov, o. c., pp. 29.86).
[387] «Em meio da vida vou descer às portas da morte… para quem desce ao túmulo acaba a esperança na vossa fidelidade» (Is 38, 10.17). A mesma concepção da morte, seguida do inferno, como castigo eterno: «A minha vida chegou às portas da morte… fareis vós maravilhas pelos mortos?» (Sl 87, 4.11). A vida sem esperança é um inferno antecipado, no qual não há esperança de salvação, como escreveu Dante Alighieri no frontispício do inferno: «Vós, os que entrais, deixai aqui toda a esperança». Mas, «a porta da morte» (inferno), pela ressurreição de Cristo, tornou-se «porta da vida», «porta da Igreja e do Reino» (P. Evdokimov, o. c., p. 90). No dizer de Teresa, «não é preciso lamentar-se diante da morte, como as pessoas que não têm esperança» (UC 17.9.1). Daí que o homem não deve cair no desespero, porque só pode cair em Deus (UC 15.9.2), e Deus nunca desespera (P. Evdokimov, o. c., p. 29). «Se Ele não desespera com as nossas infidelidades – a traição de Judas, a negação de Pedro -, porque haveremos nós de desesperar?» (D. Pezzi, As feridas que curam. Reflexões sobre a Paixão e a Páscoa, Paulinas, Lisboa, 1997, p. 38). Para a questão torturante da «perdição» do «irmão» – «Ó Jesus, minha misericórdia, o que vai ser dos pecadores?» (S. Domingos) – não se oferece à fé outra solução senão a sua própria perdição, nos abismos de Deus, pela entrega mais confiada à treva luminosa do amor divino (H. U.von Balthasar, El problema de Dios, p. 285). «O inferno mais que uma realidade é uma eventualidade real da liberdade humana… O dogma convida a uma esperança em forma de oração. Eu espero por todos os homens, sem exceptuar nenhum, mesmo que seja monstruoso à face do universo; espero também por Deus. Rezo por todos; também Lhe peço por Ele» (F. Varillon, O sofrimento de Deus, Braga, 1996, p. 105).
[388] «Este de quê (nos redimiu Cristo) é nada menos que o inferno…esta passagem pelo inferno leva a redenção ao inferno» (H. U. von Balthasar, El problema de Dios, pp. 271.273). Em Cristo, pois, não só está superada a «esperança vã» dos ímpios (Sb 3, 11) – «a poeira levada pelo vento» (Sb 5, 14) – que, ao porem a sua esperança em mortos (Sb 13, 10: ídolos), «morrem sem esperança» (Sb 3, 18), mas também confirmada a «esperança dos justos», que está cheia de imortalidade (Sb 3, 4).
[389] Lembremos que o pessimismo «schopenhaueriano» dominou o último quarto do século XIX e impregnou todo o século XX. Não esqueçamos que a essência do pensamento moderno é precisamente o niilismo (M. Heidegger). Neste contexto, qual será a esperança do desesperado? No dizer de Léon Bloy: «quem sabe, depois de tudo, se a forma mais activa de adoração não será o blasfemo por amor, que seria a oração do abandonado?» (Le Désespéré, 1886). André Comte-Sponville, no seu Tratado de la desesperación y de la felicidad, convida os leitores a não esperarem para não se frustrarem mais, como se a espera fosse uma contínua frustração. Embora haja acontecimentos que «matam a esperança» ou causem «esperanças frustradas» há que «recuperar a esperança» neste século XXI (AA. VV. «La difícil esperanza nuestra», em Iglesia Viva (1995) n. 177). É preciso manter a esperança de que a morte seja vencida pela ética e a ética seja transcendida pela morte (M. Vidal «Esperanza ética»: em Diez palabras clave en moral del futuro», Estella, 1999, pp. 53-105). O pessimista puro, para quem tudo está perdido e sem remédio, não é nem pode ser um bom cristão; falta-lhe a dimensão teologal de esperança, que obriga a crer e esperar contra toda a esperança ou, melhor, desespero humano. A esperança que animou a vida de Teresa de Lisieux funda-se no poder de Deus e de Cristo Senhor, que governam a história e levam adiante os seus propósitos de salvação no mundo.
[390] «A esperança, confinada num âmbito intramundano fechado à transcendência, acaba por ser identificada, por exemplo, com o paraíso prometido pela ciência e a técnica, com as mais variadas formas de messianismo, com a felicidade de natureza hedonista oferecida pelo consumismo, com o prazer imaginário e artificial gerado por substâncias estupefacientes, com algumas formas de milenarismo, com o fascínio das filosofias orientais, com a busca de formas esotéricas de espiritualidade, nas diversas correntes da New Age» (J. Paulo II, Exort. Ap. Ecclesia in Europa (28/VI/2003), 10).
[391] «Se para Heidegger o existencial fundamental é a angústia, para nós cristãos é a esperança, e é a este nível de existêncial fundamental que devemos testemunhar que o cristianismo é ressurreição. Nós descobrimos sempre mais que o tecido da existência não é simplesmente esfregado – que se poderia remediar com o ferro de engomar bem quente com as nossas receitas humanas -, mas é também arrancado, e deste rasgão vem o nada, o niilismo. A nossa civilização está rodeada pelo nada. Eis porque penso que o niilismo actual é um lugar providencial onde se deve fazer «estourar» o anúncio da ressurreição (…) Anunciar a ressurreição não é anunciar uma outra vida, mas mostrar que a vida pode tornar-se ainda mais intensa, e que todas as situações de morte que atravessamos podem transformar-se em ressurreição. Um grande poeta francês, Paul Eluard, dizia: «Há um outro mundo, mas é neste». E é assim que devemos pensar a ressurreição (…) Se no mais profundo de nós a angústia se transforma em confiança, poderemos fazer o que mais ninguém ousa fazer hoje: bendizer a vida» (O. Clément, a. c., pp. 63. 64. 66).
[392] «A Cruz é o mistério da morte e da vida. A Cruz tornou-se para a Igreja “árvore da vida”. Por isso, anunciamos que a vida venceu a morte» (J. Paulo II, Exort. Ap. Pastores Gregis (6/X/2003), 5).
[393] «Este caminho é o abandono da criancinha que se deixa dormir sem temor nos braços do Pai» (B 1 r).
[394] «Esperando é preciso ganhar a Pátria dos Céus…» (Ct 163). «Esperando esta bem-aventurada eternidade… trabalhemos juntos na salvação das almas» (Ct 226). «Não percamos o nosso tempo… convertamos as almas» (Ct 101).
[395] «A vitória é minha… sempre te desarmo com as minhas flores!!! (P 34, 4). «Nas dificuldades da vida, a sua esperança era invencível» (Ir. Genoveva, PO 1711). «No decurso dessa dolorosa provação foi ela quem nos amparou constantemente com o seu invencível abandono» (Id., PO 1803). Pode haver maior abandono amoroso que o de Job, partilhado por Teresa? O «abandono é fruto do amor»: «Estas palavras de Job: «Mesmo que Deus me matasse eu ainda esperaria n’Ele», encantaram-me desde a infância. Mas andei muito tempo antes de me fixar neste grau de abandono. Agora lá estou; Deus aí me colocou, pegou-me nos seus braços e colocou-me aí…» (UC 7.7.3).
[396] GS 21. A esperança de Teresa guiou Bernanos e salvou-o do desespero (G. Gaucher, Thérèse de Lisieux, messagère d’Espérance, em Christus 257, Janeiro de 1993, pp. 73 – 79). «Que tiraram estes autores (Claudel, Péguy, Bernanos…) da sua descida aos infernos, senão «le mystère de le deuxième vertu», isto é, uma esperança cristã despojada de seus limites…? (…) As audácias da pequena santa na infinita misericórdia de Deus não foram superadas peloa autores que explicitam a sua mensagem, Péguy e Bernanos» (H. U. von Balthasar, El problema de Dios, pp. 281- 282). «É a não esperança que enche a boca de nada, mas o desespero encontra-se no limiar da esperança» (P. Evdokimov, o. c., p. 32).
[397] «Aqueles que confiam no Senhor renovam as suas forças. Têm asas como a águia, correm sem se cansar, marcham sem desfalecer» (Is 40, 31). Ou, de outro modo, «o tempo que se passa a esperar não envelhece o homem» (Thomas Mann).
[398] «O optimismo racionalista que via na história o avanço vitorioso da razão, fonte de felicidade e de liberdade, não pôde resistir face à dramaticidade da terrível experiência do mal que caracterizou a nossa época, a ponto de uma das maiores ameaças, neste final de século, ser a tentação do desespero» (J. Paulo II, Fides et Ratio, n, 91 (Cf. Conselho Pontifício da Cultura, Para uma Pastoral da Cultura, Paulinas, Lisboa, 1999, n. 23, p. 38).
[399] «À medida que a doutrina teresiana do abandono é conhecida e vivida, aparece mais e mais como antídoto providencial dos venenos do nosso tempo» (H. Delbet, La toute puissance de l’Amour chez Sainte Thérèse de Lisieux, em Studies in Spirituality, 3/ 1993, p. 268).
[400] «A mensagem de esperança de Teresa para os homens da nossa época, em crise de esperança, é a do abandono com total confiança no Amor Misericordioso, para se deixarem provar e purificar a fundo por Deus» (J. Lafrance, o. c., p. 146). «Diante do mundo da não-crença, Teresa ensina-nos a esperança, que é a fé no amor» (P. Poupard, a. c., p. 310). «A mais bela «estrela do dia» é a esperança. Esta estrela é invisível ao olhar ordinário, é privada de existência aparente, mas pode tornar-se visível no coração da nossa vida. É na profundeza da aflição, do fracasso, da angústia que brilha a estrela de Teresa» (B. Bro, o. c., p. 169).
[401] «Para os místicos, o futuro será o que é o presente» (A. Guerra, a. c., p. 404). «Aquele que espera, vigilante, o cumprimento das promessas de Cristo, é capaz de infundir também esperança nos seus irmãos e irmãs, frequentemente desanimados e pessimistas relativamente ao futuro» (J. Paulo II, VC n. 27).
[402] GS 39 (Cf. J. Paulo II, LE n. 27) . «A esperança escatológica não diminui a importância das tarefas terrestres, antes fortalece a sua realização com motivos novos» (GS 21). No caso de Teresa, ela diz: «A esperança da Pátria dá-me coragem… de sofrer para salvar muitas almas em pouco tempo» (Ct 95). Além disso, não lhe é alheia uma certa esperança de «libertação política» da França (P 4, 1; RP 1, 19 r – 20 r). «O esperante cristão é o operante na direcção do esperado» (J. L. R. de la Peña, a.c., p. 101). Teresa afronta o problema supremo da «relação do céu e da terra» (J. Guitton), sendo fiel a um e ao outro, e não só a um: «sede fiéis à terra; não acrediteis nos que vos falem de esperanças ultraterrenas» (F. Nietzsche, Así habló Zaratustra, Madrid, 1984, 2ª ed., p. 43).
[403] «A esperança cristã tem sempre as duas facetas: a esperança para os homens na Terra e a esperança na comunhão com Deus, que nos espera no Céu» (Anselm Grün, O que vem depois da morte? A arte de viver e morrer, Ed. Paulinas, 2011, p. 99).
[404] S. Teresa de Jesus, Fundações, 29, 32.
[405] É a missão que J. Paulo II apontou aos jovens na aurora do novo milénio (J. Paulo II, Carta Apostólica Novo millenio inuemte (6/I/2001), 9).
[406] «Deus morreu: o homem entrou em agonia» (A. Malraux). A ideologia da «morte de Deus» ameaça sobretudo o «homem» (GS 36), melhor, é a ideologia da «morte do homem» (J. Paulo II, DV nn. 38 – 39). Teresa corrige o nosso grito de desespero – «que infeliz homem sou! quem me libertará deste corpo de morte?» (Rm 7, 24) – com o seu grito de «esperança cega na misericórdia de Deus» (Ct 197).
[407] Positio, pp. 602-603.
[408] «Percebe-se a si mesma na tensão escatológica do “já mas ainda não”» (F. M. Romeral, «La vivencia sacramental de Teresa de Lisieux», em RE 57 (1998), p. 204).
[409] Ct 245. Era feliz ao rezar o seu «In te Domine speravi» (UC 23.7.7).
[410] «Na tarde desta vida, comparecerei diante de vós de mãos vazías» (Or 6). «Quando comparecer diante do meu Esposo Bem-Amado só terei os meus desejos a apresentar-lhe…» (Ct 218). A esperança e a confiança sofrem a prova suprema na hora da morte (Sir 11, 28 – 30). Já a perspectiva da «noite do nada» (C 6 v), a sua última tentação contra a esperança, lhe atraiu a graça de uma esperança radical (S. Galilea, o. c., p. 84). Contudo, a sua morte foi o seu acto supremo de esperança em Deus. «A força espiritual da esperança revela-se, sobretudo, ante o enigma fundamental da vida, representado pelo mistério da morte» (G. Piana, a. c., p. 452). «Na morte, pedra de toque da esperança cristã, escolhemos definitivamente a Promessa por cima do desespero do nada… Sem a morte não poderíamos satisfazer a espera mais radical do ser humano, o viver para sempre» (S. Galilea, o. c., pp. 83 – 84). Teresa não morreu revoltada, mas voltada para a luz da esperança que atravessa e vence o inferno e «entra na vida»: «É preciso que cante bem forte no meu coração: «depois da morte a vida imortal» ou bem sem isto, isto acabará mal» (UC 15.8.7). De facto, a esperança de vencer a morte – «ó morte, onde está a tua vitória?» (1 Co 15, 55) – está no «amor que é mais forte que a morte» (Cânt 8, 6), pois, «quem ama, passa da morte à vida» (1 Jo 3, 14). Teresa venceu-a ao morrer de amor (UC 30.9). Sem ela, nem sequer poderia vencer a vida: «sem esta esperança (do Céu) a vida não seria verdadeiramente suportável» (Ct 59).
[411] O conteúdo da promessa, a vida eterna (1 Jo 2, 25), foi formulado, durante a sua vida como «espera do Esposo (Ct 103), a «doce espera do Cordeiro» (Ct 124). Depois da morte, como «visão» – «a minha esperança é de te ver um dia» (P 17, 9) – , como «semelhança e gozo» (Or 6). Nela também é parcialmente verdade que «todo o homem morre sem ter recebido as coisas que Deus lhe prometeu, mas apenas as contempla de longe na fé» (Hb 11, 13). «Não tendo nada, receberei tudo do bom Deus» (UC 23.6).
[412] «Fazia-me uma tão alta ideia do Céu… a minha esperança é tão grande… mais que ficar decepcionada, prefiro manter uma esperança eterna» (UC 15.5.2).
[413] «Esperando esta bem-aventurança…» (Ct 226), fá-lo em paz – «espero em paz a glória» (P 52, 18) – , ainda que morre de amor em dor (UC 4.7.2).
[414] Sente-se inacabada e impreparada para morrer, mas espera, da sua misericórdia, a transformação, a identificação com Cristo na morte (Ct 224).
[415] «O que me atrai para a Pátria dos Céus, é o apelo do Senhor, é a esperança de enfim amar como tanto desejei e o pensamento de que poderei fazê-lo amar por uma multidão de almas que o bendirão eternamente» (Ct 254).
[416] Teresa de Jesus, Exclamações 17, 6. «A Serva de Deus contava unicamente com a ajuda de Deus para tudo. Referiu-me que quando depois de ter procurado animar e consolar a sua irmã Celina no locutório não o conseguia, pedia a Deus com grande confiança que Ele mesmo a consolasse e a fizesse compreender tal ou qual coisa, concretamente. Depois, já não se preocupava com nada, e a sua confiança, disse-me, não ficou nunca defraudada. Em cada caso, Celina recebia as luzes e as consolações que Teresa tinha pedido para ela. Dava-se conta disto pelas confidências que Teresa que Celina lhe fazia na visita seguinte» (M. Inês de Jesus, PO 21, p. 68).
[417] «Ah! agora… tenho esperança, meu exílio será curto!» (UC 14.9.2; Ct 220; P 17, 14).
[418] «Ah! é incrível como todas as minhas esperanças se realizaram» (UC 31.8.9). Teresa, confirma a doutrina da esperança amorosa de S. João da Cruz, na «vida de amor» (CH 1, 34) e na «morte de amor» (CH 1, 30), no seu vivido poema «Viver d’Amor» (P 17), e conjuga a brevidade de vida de amor com o morrer de amor (UC 27.7.5).
[419] «Ah! desde o presente reconhece-o; sim todas as minhas esperanças serão realizadas… sim o Senhor fará por nós maravilhas que sobrepassam infinitamente os nossos imensos desejos!…» (Ct 230). Já antes reconhecera que Jesus foi além da sua esperança: «as minhas esperanças foram bem ultrapassadas. O bom Jesus deveu ter ouvido e entendido perfeitamente o que eu espero d’Ele e era justamente o que eu queria!…» (Ct 255). «Se um desejo… é assim satisfeito, é impensável que todos os meus grandes desejos… não sejam completamente realizados» (UC 16.7.2).
[420] C. Meester, Dynamique, p. 41.
[421] É «cantora» da «esperança infinita» (B 2 v), da «esperança supletiva» de que Deus colmará a sua incapacidade de amar infinitamente (Or 12), da «esperança louca» de ser aceite como vítima do Amor (B 5 v), da «esperança de salvação» pela misericórdia de Jesus (Ct 197).
[422] Teresa faz-nos esperar a santidade, a plenitude do amar, como «graça» de Deus (UC 3.8.2) e «grande esforço» da nossa parte (UC 8.8.3). «Pode dizer-se que o caminho de S. João da Cruz pode parecer ao mesmo tempo difícil e desanimador; o de Teresa, sendo ainda mais difícil e mesmo impossível, é, pelo contrário, sumamente esperançador» (A. Moliniere, a. c., p. 216). «Oh! como sou feliz de me ver imperfeita e de ter tanta necessidade da misericórdia do bom Deus no momento da morte» (UC 29.7.3). «Por imperfeitas que sejamos, Jesus transformar-nos-á em chamas de amor, desde que esperemos tudo da sua bondade» (Ir. Maria do S. Coração, PA, p. 234). «Posso aspirar à santidade…» (C 2 v).
[423]«Matar o outro é já não esperar nada dele… negar-se a ser próximo do outro é dizer que o seu futuro está fechado e que não há esperança para ele» (Lc 10, 29-37) (H. Mottu, «Esperança y lucidez», em Iniciación a la práctica de la teología, IV Madrid, 1985, pp. 301-334).
[424] UC 18.8.3; C 36 v; UC 11.7.6; 20.7.3; 12.8.3; Sb 6, 7; A 38 v.
[425] UC 21.8.6; 14.8.3; 30.9. Rezar pelos agonizantes (UC 25.8.6), tentados na hora da morte (UC 18.8.5). «A esperança é a penúltima palavra na terra» (C. Meester, Las manos, p. 151). «Na terra, a última palavra não pode ser a esperança… A esperança é a ante-penúltima palavra nesta terra. A última di-la-á Jesus, quando nos encontrarmos com ele definitivamente» (C. Meester, Les mains, p. 182).
[426] É preciso esperar a morte (UC 9.6.5), pacientemente (UC 6.7.2), sem angústia nem medo (UC 20.7.4; 11.9.4), mas com abandono (UC 15.6.1) à vontade de Deus (UC 27.7.13), como visita do «Papá» (UC 5.6.4), com alegria (UC 6.6.2). «De que poderei ter medo?» (A 83 v).
[427] UC 5.9.1; C 6 v.
[428] UC 25.9.1. «Não compreendo os que têm medo de um tão terno Amigo» (Ct 226). «A pedagogia do medo (do inferno) é hoje totalmente ineficaz» (P. Evdokimov, o. c., p. 87).
[429] UC 8.7.15; A 84 v.
[430] UC 17.9.2; 28.9.1.
[431] Teresa de Jesus, P 1, 5.
[432] Papa Francisco, Bula Spes non confundit, n. 25.
[433] Ct 258.
[434] Ct 261; B 1 v; UC 7.8.2; Or 4. Assim é como a pequena Teresa, ao ser «instruída, já aos 14 anos, nas coisas do amor» (Mt 11, 25), ao «compreender os segredos da perfeição por ser pobre de espírito» (A 49 r), ao fortalecer a sua esperança teologal – «quero, ó meu Deus, fundar só em Vós a minha esperança» (Or 20) – , é Doutora da Esperança, e, melhor que ninguém, pode abrir, no terceiro milénio que adveio, a porta da esperança, sem que ninguém a possa fechar, pois, a fé no poder do amor de misericórdia, faz estremecer a terra, mesmo indiferente, dos corações, fazendo-os «sair de seus túmulos de morte e ressuscitar para a vida» (Jo 5, 28 – 29).
[435] «Não desfalecemos e, mesmo se, em nós, o homem exterior vai caminhando para a ruína, o homem interior renova-se, dia após dia» (2 Co 4, 16).
[436] BLOCH E., Das Prinzip Hoffnung, 2 Bde, Sur Kamp, Verlag, Frankfurt, a. M., 1959.
[437] M. Inês de Jesus, PO 21, em Teresa de Lisieux, Procesos de B. y Canonización (Selección), Editorial Monte Cramelo, Burgos, 1996, p. 68.
[438] UC 6. 8. 8.