Falecimento | 29 de agosto de 2020 |
Nascimento | 1 de Maio de 1939 em S. Cristóvão de Selho – Guimarães |
Pais | Augusto de Sousa e Joaquina Pereira |
Baptismo | 6 de Maio de 1939 em S. Cristóvão de Selho – Guimarães |
Entrada no Seminário | 13 de Novembro de 1953 em Viana do Castelo |
Início do Noviciado | 18 de Setembro de 1958 em Larrea |
Profissão temporária | 19 de Setembro de 1959 em Larrea |
Estudos eclesiásticos | Vitória e Begoña-Bilbao (Espanha) |
Profissão solene | 12 de Março de 1965 em Begoña-Bilbao (Espanha) |
Diaconado | 12 de Março de 1966 em Begoña-Bilbao (Espanha) |
Presbiterado | 18 de Março de 1967 em Begoña-Bilbao (Espanha) |
Pe. JOÃO DE SOUSA (1939 – 2020)Toda a mó precisa de uma rela O Pe. João de Sousa (Frei João da Virgem do carmo) nasceu no dia 1 de maio de 1939 na freguesia de S. Cristóvão de Selho, concelho de Guimarães, numa casinha pequenina nas margens da Ribeira de Selho, e bem juntinho «à ponte de pau» que liga aquela freguesia à de São Jorge de Selho. Foram seus pais Joaquina Pereira e Augusto de Sousa, ela, doméstica, ele, jardineiro na Fábrica do Saganhal (Pevidém), ocupando-se depois dum quintal por si alugado, que dava vinho, batata,feijão e milho para sustento da família. Na casa daquela família pobre, trabalhadora e honrada nasceu um bando de filhos: Francisco, Alzira, Carmo, Amélia, Belém, Olinda e o nosso João.Foi baptizado no dia 6 de maio de 1939 na Igreja Paroquial de S. Cristóvão de Selho. Os padrinhos eram ricos, de Pevidém, e estão no grupo piedoso que sustentará a sua formação eclesiástica. O grupo era liderado pela Dª Carminho da Casa do Ribeiro, senhora nobre pelo sangue e pelas atitudes, sempre recordada pelo afilhado, e ainda hoje pela Ordem. Quando se começou a pensar para onde o mais novo atiraria já ele teria doze anos, pelo menos. Interveio então o Padre Teixeira, pároco, que via no rapaz, acólito atento e espevitado, agudez de espírito, docilidade para as letras, piedade e devoção na Missa. Fez os estudos primários com uma Mestra da freguesia; e num ano escolar, dois ou três. Tinha nervo, o rapaz, além de ser focado e determinado, como hoje se diz – características que manteve por toda a vida, e até se lhe vincaram, chegando por vezes à pura teimosia.A escolha do Seminário é hoje difícil de discernir, mas o facto de ser missionário deve ter ajudado. Entrou no Seminário Missionário Carmelitano de Viana do Castelo aos 14 anos (13 de novembro de 1953). Iniciou o seu noviciado no dia 13 de setembro de 1958 no Santuário de Nossa Senhora do Carmo de Larrea, no País Basco, cujo convento fora fundado a 3 de fevereiro de 1713, e onde funcionava o noviciado da Província de São Joaquim de Navarra, a que juridicamente pertencia os conventos da circunscrição de Portugal. Esta casa de noviciado encerrou-se em 1970, perto de celebrar um século de atividade, período durante o qual ali iniciaram os trilhos da vida carmelitana segundo Santa Teresa e São João da Cruz, cerca de 3000 jovens freis Carmelitas Descalços, muitos dos quais portugueses, e entre eles o Pe. João de Sousa. No dia 19 de setembro de 1959 ali emitiu os seus primeiros votos como Carmelita Descalço. Realizou depois os estudos eclesiásticos no convento da Santíssima Mãe do Carmo de Vitória e no convento de Nossa Senhora do Carmo de Begoña (Bilbau), onde emitiu os seus votos perpétuos no dia 12 de março de 1965, e no mesmo dia do ano de 1966 foi ali ordenado diácono. Em razão da idade, poderia ter-se ordenado antes de concluídos os estudos teológicos, porém não o fez senão no dia e ano ajustado, 18 de março de 1967.Julgando-se ainda útil e capaz, no XIV Capítulo Provincial desta Província Portuguesa de Nossa Senhora do Carmo (celebrado em Avessadas, em julho de 2020) pediu que o fizessem conventual do seu tão estimado Carmo do Fradinho, em Braga, onde tinha amigos e, segundo cria, muito poderia ainda ajudar na confissão do rio de gente que ali acorre, mas tal não lhe foi consentido em razão das suas poucas forças.Morreu no dia 29 de agosto de 2020, memória litúrgica de São João Baptista. Tinha 81 anos de idade, 61 de religioso Carmelita Descalço e 53 de sacerdote. Ao longo da sua vida serviu e amou com amor de filho a Senhora do Carmo, e a Igreja de Jesus Cristo, com inteireza de alma e com as forças inteiras da sua mente e do seu coração intenso.Ao longo da sua vida, foi várias vezes conventual deste convento de Nossa Senhora do Carmo de Braga, onde tinha muitos e dedicados amigos, e dos conventos de Aveiro, Avessadas, Elvas, Funchal e Paços de Arcos. Durante alguns anos foi também pároco de São Martinho de Avessadas e de Nossa Senhora das Neves de Rosém, em Marco de Canaveses, cuidando com particular enlevo dos doentes e das crianças da Primeira Comunhão.Foi missionário Carmelita Descalço em Trigo de Morais, hoje Xai-Xai, no Vale de Limpopo, cujas terras por serem das mais férteis de África eram demandadas por levas imensas de colonos da Metrópole que urgia acompanhar e assistir espiritualmente. Como missionário era generoso e dado ao trabalho pastoral, e por isso muito querido e estimado, quer pelos colonos portugueses quer pelas gentes indígenas, ao ponto de, sobretudo estes, lhe terem ficado no coração e deles sempre ter guardado grata e saudosa recordação.Dos vários missionários Carmelitas Descalços que passaram pela missão (P. Ângelo Ferreira, Irmão Matias Burguete, Irmão Manuel da Camacha e P. Bento Martins) foi o que mais tempo permaneceu ali (1969? – 1982?). Aliás, no Capítulo Provincial de 1978 (Pertencendo ainda Portugal à Província de São Joaquim Navarra), foi decidido que regressasse à Metrópole, o que só aconteceu depois do Primeiro Capítulo Provincial de Portugal, celebrado em 1981. Estava tão bem integrado naquele meio e tão benquisto entre as suas ovelhas, que não se dava conta do perigo de haver uma bala perdida a si dirigida advinda das lutas intestinas entre os guerrilheiros da Frelimo e os da Renamo.Em razão do fim do Império, e recrudescendo em força e crueldade os ataques aos brancos, os portugueses, os Superiores da Ordem intimaram-no a regressar à Metrópole, e ele obedeceu, mas não prontamente, como e viu, pois se fora deixando arrastar por terras de missão o mais que pode. De facto, quase não abandonava aquelas terras tão amadas, pois só entrou no último avião que dali saiu, cuja rota o fez pousar na plataforma giratória de Moscovo, onde provou do rijo frio típico da cidade, do qual teve de defender-se com a pouca roupa tropical que tinha vestida.Regressado à pátria foi enviado para a casa que a Ordem tinha na cidade de Elvas, e dali, ou talvez antes, é incerto, a frequentar um curso de reciclagem pastoral e teológica em Madrid.Quando um dia lhe perguntei porque tardara tanto em abandonar Moçambique, respondeu-me: – Face às circunstâncias de guerrilha, eu bem percebia a insegurança e os perigos que corria, tal como corriam todos os brancos – os portugueses, tomados todos colonialistas pela propaganda da guerrilha moçambicana! E também percebia as ordens que recebia da parte dos Superiores para abandonar a missão. Mas que ninguém julgue que eu queria ser mártir, porque o que eu sempre quis foi obedecer.– Então, porque desobedecias?– Eu não desobedecia, propriamente! Eu amava ser missionário, amava aquele povo, que era pacífico e que comigo sempre se deu bem e se portou bem! Eu nunca fechei a porta da missão, e quando tinha de abandoná-la sempre confiei no cozinheiro que a guardava… Nunca tive um problema! Nem com ele nem com ninguém!– Mas demoraste a sair?— Eu amava ser missionário. Esse era o meu lugar. E na Metrópole havia tantos sacerdotes, e tão poucos para tanta fome nas terras de missão!…De facto, assim era. Tinha ali o P. João de Sousa um criado a quem tratava como filho, a ele e à sua família, e que na despedida, desfeito em lágrimas, lhe beijou as mãos, tão consciente era «de estar a perder o pai»!Este missionário pequenino, de coração grande, de bom humor sem entrar em desnecessária galhofa, amava a nossa Ordem e era muito respeitoso dos Superiores. Como Carmelita Descalço era muito devoto de Nossa Senhora do Carmo, piedoso na celebração da Eucaristia, compreensivo e carinhoso na confissão, e sempre consciente dos seus deveres dos quais não se desviava um milímetro. No fim da vida tornou-se muito amável, pese embora sempre tenha sido afável, e muito amigo dos seus amigos.Morreu rodeado das consolações da fraternidade dos Irmãos Descalços do Santuário do Menino Jesus de Praga, em Avessadas, Marco de Canavezes. Pediu que a última missa que rezassem por ele fosse na Igreja de São Baptista de Gondar, onde estava inscrito nas Irmandades da Paróquia, e por ser ali onde passava férias e celebrava missa quando visitava os seus. E foi a sepultar em sepultura familiar, no cemitério de São Jorge de Selho, de onde era provindo o seu pai.Avesso a exibicionismos, noutro dia respondeu-me assim a algumas perguntas sobre a sua vida missionária:– Pe. João de Sousa, no séc. XX, nós, carmelitas, temos poucos missionários…– Sim, em Portugal temos poucos… Somos pequeninos. Mas na Ordem sempre houve abertura para as missões… E isso era falado durante o curso de Teologia. Os missionários carmelitas vinham da Índia, da África e da América para nos falar daquela audácia. Conheci aquelas grandes figuras, embora agora as confunda um pouco. Eles vinham e falavam-nos das missões, e olha que nos animavam. Durante o tempo da nossa formação teológica essa ideia tinha muita força. Os Provinciais promoviam muito as missões… Os priores e professores também… E havia a União Missionária de Estudantes Carmelitas, a UMEC. – Uma forma de se animarem uns aos outros…– Sim, e depois tínhamos a revista Obra Máxima através da qual o director e os colaboradores mais próximos nos animavam também.– (Foste e) Por fim, vieste…– Sim, mas se não insistissem demasiado para vir… eu ainda lá estava. Se não insistissem tanto, eu aguentaria lá não sei quantos mais anos… não me teria cansado por ficar lá mais 20, 30 anos… Eu aguentaria… Mandaram-me vir, pois fazia falta… E, contrariado, aceitei… Rebelde, não fui… Aceitei e vim. Mas a nível de Igreja fazia mais falta lá do que aqui.– Um missionário tem alegrias no anúncio do Evangelho?– Tem, mas lá não é como aqui. É outro estilo, outra vida, outras vivências… não podemos pensar numa igreja cheia de pessoas. É quando é. Frequentemente é um grupinho de pessoas, que se não tem aquela Eucaristia não tem mais nenhuma… – E foi assim que foste missionário…– Foi assim. Não sou nenhum herói que a pátria não condecorou, nem nenhum santo que a Igreja não canonizou…. Mas…– Mas daí até não seres nada… tu eras um apaixonado pelas missões… Pe. João de Sousa, muito obrigado! Missionário, dá-me a tua bênção…– Oh… – Custa-te dar a bênção a um padre?– Um pedinte não pede a outro pedinte…Algures no ano de 2010 pediu que o levassem à sua terra, e levaram. Quem o levou deparou-se, tal como ele, que a casa em que nascera estava em ruínas. Encostada, porém, a uma parede da casa, a assinalar, havia uma rela com uma placa informando ter ali nascido o P. João de Sousa. Como é sabido rela é a pedra de moinho em que assenta a mó que mói o grão. Até hoje este escriba não tinha dado tanta importância à rela como à mó, e afinal uma sem a outra não fazem farinha. Assim foi, de facto, a sua vida – tão secundária como uma rela, mas sem ela não teria havido farinha para as hóstias da missa! Frei João Costa Carmo do Fradinho de Braga e dia de Santa Maria Madalena de Pazzi de 2023 |