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Dia 15 de Dezembro, Quinta-feira
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O dia amanheceu cedo. Teresinha também. Jamais se
esquecerá de ter passado o dia de seu pai São João
da Cruz, cantor da natureza e da beleza da criação,
na bela Ilha da Madeira. |
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Às 06h15 abrem-se as portas do Carmo e Teresinha sai
para a rua, ao encontro dos seus amigos e devotos.
Vai ter um dia longo pela frente. A primeira paragem
será na paróquia do Porto da Cruz, às 07h00. Depois
da Missa do Parto, iniciada uma hora antes as
pessoas abarrotavam o amplo templo sagrado. E porque
nem todas ali cabiam, muitos homens faziam
vigilância aguardando no adro a chegada de
Teresinha. E chegou. Recebeu uma grande salva de
palmas. Havia competição: quem batia mais alto? Quem
era o último a parar? Por fim, organizou-se o
cortejo. Uma equipa de homens forçudos ergueu os 132
kg do relicário e caminhou com ele para junto do
altar como se não pesasse mais que uma pena. Estava
linda a Igreja Paroquial! Milhares de sapatinhos
decoravam com o verde da esperança e o castanho do
hábito do Carmo o lindo templo. A capa branca do
Frei Dias resplandecendo por cima de tantos
sapatinhos abeirou-se do ambão e logo se entoaram
mais hinos e cânticos em honra de Teresinha.
Iniciou-se a veneração. O tempo era escasso, ninguém
ficou de fora. Muitos quereriam mais tempo e
mereciam-no, será para a próxima. Teresinha vem, ela
quer vir, quer que haja uma próxima vez. E as gentes
de Porto da Cruz também querem…
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A corrida continuou. Que longa maratona aí vem. Às 08h15
levantou-se o relicário e partiu para Santana. Esperavam no
Largo junto à Câmara Municipal, o Rev. Pe. Rui Pontes, um
diácono, os acólitos e movimentos apostólicos, várias
religiosas vitorianas e muitas crianças do Infantário e do
Colégio Vitoriano.
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Organizou-se uma procissão a que presidia a Cruz paroquial.
E conforme o que fora anteriormente preparado, cantando os
cânticos de Teresinha, dirigimo-nos em direcção à casa de
Deus. Ali o Delegado Diocesano presidiu à oração e veneração
das relíquias. Mostraram-se especialmente participativas as
crianças com lindas flores, cânticos, orações e pequenas
frases de Santa Teresinha que foram lidas ao longo da
veneração.
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Daqui partiram as relíquias para Machico. Chegaram por volta
das 11h00. Aguardavam-nas o Pároco, Pe. António Joaquim
Martinho, quatro Carmelitas Descalços e muitos fiéis,
sobretudo mulheres. Nos rostos havia, via-se bem, ansiedade
e nos corações gratidão. O Delegado Diocesano, sempre muito
animado, presidiu à reflexão e veneração. Pregou o Prior do
Carmo de Viana do Castelo, Pe. Fernando Reis, que ressaltou
a beleza das pequenas coisas que santificou a Pequena
Teresa. A veneração não foi muito prolongada, mas, por
momentos, pareceu não terminar, pois dos pequenos comércios
vizinhos iam saindo as gentes e gentes e gentes que queriam
estar e encomendar-se a Santa Teresinha. Por fim, terminou o
que tinha de terminar. O Pároco agradeceu aos carmelitas ter
levado ali, à sua Comunidade, tão grande e tão pequena
Santa. E antes dela sair, disse-lhe: «Teresinha, consagro-te
esta paróquia do Machico. Lembra-te sempre de nós, sobretudo
dos pequeninos, dos doentes, dos pobres e das crianças.
Lembra-te de nós, Teresinha». E deixou-a partir, porque ela
ouviu bem a mensagem.
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Às 12h00 já as relíquias se encontravam na Igreja Paroquial
da Santa Cruz. Como seria a recepção, íamos pensando? Seria
como as de sempre e seria diferente. Como sempre foi terna e
calorosa; e foi diferente porque havia muitas muitas, mas
mesmo muitas crianças. Todas tinham flores nas mãos, mas nem
precisavam porque não há flores mais belas que as crianças.
O Pe. Carvalho, homem sereno, atento mas pouco dado a
efusivas exteriorizações, saiu do sério, e gritou duas
vezes: «— Viva Santa Teresinha! Viva Santa Teresinha!». E
povo respondeu: «— Viva! Viva!».
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Já íamos com o relicário em procissão, debaixo de palmas e
pétalas, quando o pároco, sempre atento aos pequenos
pormenores, pediu que andássemos devagarinho para que as
crianças pudessem ver e estar com Teresinha. E assim se fez.
Entramos calmamente na Igreja Paroquial. As palmas, os
cânticos e as flores não abrandaram, pelo contrário. As
pessoas reagem bem à presença da santidade. As palmas, as
flores, as lágrimas, a festa, os cânticos, os vivas, é a sua
forma de dizer que gostam da santidade e se sentem bem perto
dela. No interior do templo celebrou-se a veneração das
relíquias. Depois da leitura pregou o Frei João Costa, que
terminou de maneira estranha mas bem entendida: «Se me
entendestes, se aceitais ser santos, se quereis ser santos à
maneira de Santa Teresinha, eu vou ouvir uma salva de
palmas!». E ao retirar-se do ambão rebentou uma salva de
palmas. Afinal de contas para isso nascemos e para isso nos
baptizou a Igreja dando-nos a vida de Deus! A seguir
fizeram-se preces e orações que faziam erguer bem altos as
mãos com flores, como símbolo duma vida bela que desejávamos
apresentar a Deus.
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Depois da Veneração era hora de regressar ao Funchal. Saímos
como entramos, devagarinho. O Pároco agradeceu a quem lhe
levou Teresinha e agradeceu a Teresinha o apelo para a
santidade. Entregou-lhe a sua paróquia, especialmente os
pobres, fracos e doentes. E no coração dilatado de Teresinha
coube mais esta porção de irmãos, que o coração dum pastor
bom lhe confiou.
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Regressámos ao Funchal trazendo Teresinha.
Fomos levá-la à Sé.
Os sinos tocaram, exultaram muitíssimo. Havia de novo
muitíssimos fiéis, a maioria deles já não abandonará a Sé
até à última despedida. Às 16h30 celebrou-se a oração de
Vésperas e de seguida a Eucaristia. Não estava o povo todo
da Ilha, mas de certeza quase todo o clero. Havia também
algum do Continente e entre estes os Superiores Carmelitas
de Aveiro, Marco de Canaveses, Porto, Viana do Castelo e o
delegado do de Fátima, além do de Funchal.
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O espaço sagrado da Sé do Funchal estava saturado, não cabia
mais ninguém; ou melhor, caber cabia, mas só no coração de
Teresinha onde sempre cabe mais um. Na sua homilia, disse o
bispo D. Teodoro: «Teresa ensina-nos que Deus não anda a
fazer distinção entre coisas pequenas e as que parecem
grandes aos olhos das pessoas. O maior é o que mais ama. O
importante é a qualidade do amor em qualquer obra que
façamos.» «Teresa do Menino Jesus talvez não soubesse que
uma ilha, no fim da Europa e junto à África tinha o nome de
Madeira. Hoje está connosco como missionária, a derramar uma
chuva de rosas, ajudando-nos a preparar o Natal de Jesus
Cristo e amar os nossos irmãos.» «A visita de Teresinha à
Madeira foi um belo momento da história da fé da nossa
diocese, fé que às vezes parece adormecida mas que Teresinha
do Menino Jesus reacendeu, soprando sobre as cinzas dos
cuidados quotidianos.» «Nós confiamos que a passagem das
relíquias de Santa Teresinha nomeio de nós, e acenda a fé
dos nossos cristãos e os leve a uma evangelização ‘a partir
do amor’, pois não há outra forma de anunciar Jesus Cristo e
ser missionário. Sem paixão não há missão.» «Agradeço a
todos aqueles que organizaram esta visita a todas as
dioceses portuguesas, aos que prepararam a sua vinda à
Madeira, e a vós todos aqui presentes que ouvistes o nosso
convite para esta eucaristia, assim como a todos os cristãos
que nestes três dias encheram os adros e as igrejas da nossa
terra, e aos que passaram duas noites em vigília, como
sentinelas, na Igreja do Carmo.»
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A missa chegou por fim. Foi a última com a presença das
relíquias em Portugal. Foi a sua despedida. Teresinha veio
para confirmar os seus irmãos na fé e no amor e assim foi,
reconheceu-o o bispo D. Teodoro de Faria. Muitos quiseram
estar perto das suas relíquias, mas não puderam. D. Teodoro
sabia-o, por isso como última veneração e em nome de
Portugal pediu uma derradeira salva de palmas. E ouviram-se,
efusivas, solenes, rejubiladoras, enternecedoras,
encantadas, agradecidas e todas sinceras. Não interessa aqui
se muitas, se durante muito tempo. Interessa que eram por
amor, a Jesus e a Teresinha.
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Teresinha saiu de Portugal aos ombros dos sacerdotes. As
palmas e as pétalas prolongavam-se. O adro e a praça
fronteira à Sé estavam inundados de gente. O povo de dentro,
por deixar sair o cortejo dos sacerdotes não pode sair. Era
noite. O Funchal estava cheio de trânsito, de luz, de festa
e de indiferença e desconhecimento. Um último olhar, as
últimas palmas. Arrancamos. Partiu para o Aeroporto levada
pelo Frei Manuel Dias e pelo Frei João Costa. Aqui, num
outro município, o de Santa Cruz, uma pequenina embaixada
madeirense, mais alguns funcionários do Aeroporto
prestou-lhe uma última homenagem. Ao encontro de Teresinha
vieram o Presidente da Câmara Municipal, Dr. José Alberto
Gonçalves e o Vereador Dr. Emanuel Gouveia. Vieram ainda os
bombeiros de Santa Cruz que a levaram para o hangar das
cargas e a Banda Paroquial de S. Lourenço da Camacha que
entoou o hino da Banda e a Marcha da Senhora do Bom Caminho.
Teresinha partia em festa.
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Testemunhamos os cuidados e atenções com que preparam o
contentor pela última vez e pela última vez o fecharam.
Havia silêncio, que o Frei Manuel Dias interrompeu para
agradecer a presença de Teresinha em terras de Portugal, a
sua chuva de graças e de rosas que ainda mal está a cair. E
rezamos o Pai Nosso, deu-nos a bênção e ainda ficamos ali
mais um pouco. Mas já tudo estava consumado.
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Regressamos. Um cronista local dirá dias mais tarde o que
pode ser a síntese de toda a Visita, que «As
multidões compareceram a venerar as relíquias de Santa
Teresa do Menino Jesus e da Santa Face. Não foi preciso
alugar autocarros e pagar passagens, não houve espetadas e
bolo do caco, vinho da região com laranjada, nem artistas
vindos de outras bandas, pagos a preços de ouro, nem
promessas ocas e vazias para atrair e concentrar as
multidões. Apenas um nome, uma biografia, uma santa, cujos
restos mortais visitavam esta Ilha que ela certamente teria
incluído no seu roteiro espiritual, quando quis ser
missionária até das ilhas mais longínquas. Também não vimos
cartazes pelas ruas, como aqueles dos políticos que
pretendem os primeiros lugares da nação, metem-se pelos
nossos olhos dentro, e sujam a nossa panorâmica.
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Pelas vias normais, da escrita, da rádio e do ambão, a
Igreja do Funchal tomou conhecimento de que os restos
mortais da Maria Francisca Teresa Martin, que faleceu em
Lisieux a 30 de Setembro de 1897, com o nome de Teresinha do
Menino Jesus e da Santa face, depois de nove anos de vida
ignorada no Carmelo daquela cidade, estariam desfolhando
rosas sobre a diocese do Funchal.»
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E como o cronista é ecuménico e compreende que alguém possa
não gostar do fim desta crónica, deixa também a síntese dita
pelo Bispo do Funchal sobre esta Visita. Disse o bispo que
em todos os lugares por onde Teresinha passou, o povo
português prestou homenagem à sua santidade com «uma flor na
mão, uma lágrima nos olhos e uma prece no coração».